Alfredo Leite –
Jornal de Notícias, opinião
Até há uma dúzia de
anos David Justino e Durão Barroso ostentavam um percurso político algo
similar. No pós-25 de abril, Justino militou na Liga Comunista
Internacionalista, de inspiração trotskista, acabando por ingressar no PSD e
chegar a ministro. Barroso, já se sabe, deu os primeiros passos
político-partidários entre os maoistas do MRPP até ter chegado a ministro e,
mais tarde, a primeiro-ministro, lugar que quase não aqueceu. Decidiu trocar o
seu país por uma carreira na Europa. Agora que esse percurso está,
aparentemente, a chegar ao fim, o ainda presidente da Comissão Europeia voltou
ainda que não se saiba muito bem para quê.
Não foi um regresso
auspicioso. Depois de ter atrelado na bagagem oito (isso mesmo, oito)
comissários europeus para realizar uma conferência, na sexta-feira passada, em
que desprezou a presença e as ideias da oposição, Durão resolveu um dia depois,
no Liceu Camões, discutir educação. Sem hesitações de memória, o outrora
revolucionário maoista afirmou que "no Portugal não democrático, havia
ensino de excelência apesar do regime político em que se vivia". É certo
que lembrou algumas liberdades "cortadas" nesse tempo, mas o que
seria isso comparado com a "boa escola" que o líder europeu recorda
com nostalgia?
É aqui que volta a
entrar David Justino que, apenas por acaso, foi ministro da Educação do XV
Governo Constitucional, liderado precisamente por... Durão Barroso. Um estudo
do ex-ministro, citado por Marçal Grilo no livro "Portugal Social de A a
Z", refere o "longo caminho" que ainda falta percorrer em
matéria de abandono escolar em Portugal onde, apesar dos manifestos avanços,
"há ainda um 'gap' significativo em relação aos nossos parceiros
europeus", nomeadamente na faixa entre os 18 e os 24 anos. Se hoje a
situação é má, ela era catastrófica no antigo regime que Durão resolveu
exortar. E este é apenas um indicador da falsa "excelência" referida
por Barroso. Tratando-se de estatística europeia é ainda mais grave. O futuro
ex-presidente da Comissão deve ter passado ao lado, na sua peculiar definição
de excelência, dos níveis de analfabetismo amplamente descritos em fontes
credíveis como o Pordata ou o Eurostat. Em 1960, no tempo das
"algumas" liberdades cortadas, Portugal exibia o lamentável rácio de
32,8% de analfabetos entre a população com 10 ou mais anos de idade. Em 2011, o
mesmo indicador baixava para 5,2%. É um valor que ainda nos deve envergonhar,
mas é um passo gigante só possível graças ao investimento feito na educação no
período democrático.
Em resumo - e
parafraseando, de novo, David Justino -, o que falta é "qualificação à
classe política". Nomeadamente para analisar o mundo de forma tão
descomprometida quanto honesta. O ex-ministro de Barroso reconheceu em tempos
que a "maior parte dos políticos estão mais preocupados com a
mediatização" e com a necessidade "em dar respostas para o
imediato". Nada que nos surpreenda. Ainda assim inquietante para quem,
como Barroso, pretende voltar à política nacional. Mesmo que sem ambições
assumidas.
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