terça-feira, 15 de abril de 2014

Portugal - UE: BARROSO E O ELOGIO DA EXCELÊNCIA FASCISTA



Alfredo Leite – Jornal de Notícias, opinião

Até há uma dúzia de anos David Justino e Durão Barroso ostentavam um percurso político algo similar. No pós-25 de abril, Justino militou na Liga Comunista Internacionalista, de inspiração trotskista, acabando por ingressar no PSD e chegar a ministro. Barroso, já se sabe, deu os primeiros passos político-partidários entre os maoistas do MRPP até ter chegado a ministro e, mais tarde, a primeiro-ministro, lugar que quase não aqueceu. Decidiu trocar o seu país por uma carreira na Europa. Agora que esse percurso está, aparentemente, a chegar ao fim, o ainda presidente da Comissão Europeia voltou ainda que não se saiba muito bem para quê.

Não foi um regresso auspicioso. Depois de ter atrelado na bagagem oito (isso mesmo, oito) comissários europeus para realizar uma conferência, na sexta-feira passada, em que desprezou a presença e as ideias da oposição, Durão resolveu um dia depois, no Liceu Camões, discutir educação. Sem hesitações de memória, o outrora revolucionário maoista afirmou que "no Portugal não democrático, havia ensino de excelência apesar do regime político em que se vivia". É certo que lembrou algumas liberdades "cortadas" nesse tempo, mas o que seria isso comparado com a "boa escola" que o líder europeu recorda com nostalgia?

É aqui que volta a entrar David Justino que, apenas por acaso, foi ministro da Educação do XV Governo Constitucional, liderado precisamente por... Durão Barroso. Um estudo do ex-ministro, citado por Marçal Grilo no livro "Portugal Social de A a Z", refere o "longo caminho" que ainda falta percorrer em matéria de abandono escolar em Portugal onde, apesar dos manifestos avanços, "há ainda um 'gap' significativo em relação aos nossos parceiros europeus", nomeadamente na faixa entre os 18 e os 24 anos. Se hoje a situação é má, ela era catastrófica no antigo regime que Durão resolveu exortar. E este é apenas um indicador da falsa "excelência" referida por Barroso. Tratando-se de estatística europeia é ainda mais grave. O futuro ex-presidente da Comissão deve ter passado ao lado, na sua peculiar definição de excelência, dos níveis de analfabetismo amplamente descritos em fontes credíveis como o Pordata ou o Eurostat. Em 1960, no tempo das "algumas" liberdades cortadas, Portugal exibia o lamentável rácio de 32,8% de analfabetos entre a população com 10 ou mais anos de idade. Em 2011, o mesmo indicador baixava para 5,2%. É um valor que ainda nos deve envergonhar, mas é um passo gigante só possível graças ao investimento feito na educação no período democrático.

Em resumo - e parafraseando, de novo, David Justino -, o que falta é "qualificação à classe política". Nomeadamente para analisar o mundo de forma tão descomprometida quanto honesta. O ex-ministro de Barroso reconheceu em tempos que a "maior parte dos políticos estão mais preocupados com a mediatização" e com a necessidade "em dar respostas para o imediato". Nada que nos surpreenda. Ainda assim inquietante para quem, como Barroso, pretende voltar à política nacional. Mesmo que sem ambições assumidas.

Sem comentários:

Mais lidas da semana