Martinho
Júnior, Luanda
1
– As geo-estratégias e as geo-políticas entre os que perfilham a hegemonia
unipolar do império anglo-saxónico e os emergentes que enveredam pelo universo
multipolar, reflectem-se dramaticamente em África, um continente onde os
factores externos tiram partido do subdesenvolvimento crónico e histórico, pelo
que são manifestamente preponderantes.
Em
África as condições para a proliferação de tensões, conflitos e guerras
delapidadoras e sangrentas, favorecem como em nenhum outro lugar os apetites
vorazes da hegemonia unipolar e, aqueles que procuram soluções de paz, mais
equilibradas e justas, acabam por ter quantas e quantas vezes, um estreito
campo de manobra.
As
envolvências sócio-políticas nas conjunturas, cenários e teatros africanos são
evidentes e ali onde as potências coloniais “assimilaram” grupos
familiares importantes durante a última fase do seu exercício, é fácil e muito
lucrativo agenciar os herdeiros, que duma forma ou de outra se vão
identificando não só com as culturas, os usos e costumes das “antigas
metrópoles”, mas se colocam à mercê duma “democracia representativa” que
é fruto do“diktat” da hegemonia unipolar, qualquer que seja o“modelo de
exportação” que se puser em prática…
A
lógica capitalista pretende tomar conta da mentalidade média dos africanos, sem
outros horizontes.
O
fenómeno de assimilação é corrente em África, é identificável a olho nu, sob os
pontos de vista antropológico, histórico, sociológico e psicológico e dá
substância ao neo colonialismo que a hegemonia procura fazer prevalecer.
2
– A hegemonia conta assim com um campo de manobra avassalador, mobilizando por
um lado as antigas potências coloniais, por outro os instrumentos criados no
âmbito de sua aliança com Israel e com as monarquias arábicas, em função dos interesses
gerados sobretudo nas coligações em relação ao petróleo e ao gás, a nordeste do
Mar Vermelho, desde a década de 20 do século passado.
Ainda
durante a chamada “Guerra Fria” os grupos de radicais islâmicos foram
instrumentalizados pelo império no Afeganistão, no momento em que a “doutrina
de choque” passou a ser aplicada com o neo liberalismo estimulado pelas
condutas de Ronald Reagan e de Margareth Thatcher, simultaneamente nos Estados
Unidos e na Grã-Bretanha, um “ensaio” que teve sequência e desde logo “expressivas
consequências” de ordem geo-estratégica e de ordem geo-política.
O
império depois do fim da “Guerra Fria”, fez as monarquias arábicas
incrementar o fundamentalismo islâmico sunita desde o Mediterrâneo até aos limites
geográficos do espaço SADC, preparando-se para na África Austral “dar a
estocada final” que acabará por envolver todo o continente.
Quando
as redes terroristas estão disseminadas, as frágeis nações africanas com
estados fragilizados e quantas vezes impotentes, pedem socorro às “potências
ocidentais”subordinadas e instrumentalizadas pelo império via AFRICOM, o braço
continental do Pentágono; algumas dessas potências possuem forças armadas que,
apesar das“independências” de bandeira, jamais abandonaram um continente “ultramarino”,
onde poderosos consórcios saqueiam matérias-primas e se instalaram em
conformidade com seus prolongados interesses, conveniências e “ciclos de
vida”…
Confundem-se
e misturam-se hoje em África, as doutrinas do Pentágono com as da NATO, com
conceitos que são transmitidos aos africanos a fim de pôr a funcionar o
essencial de suas estruturas militares e de inteligência.
Dessa
forma, África corre o risco de, sob a pressão do islamismo fundamentalista,
acabar por diluir as fronteiras coloniais herdadas desde a Conferência de
Berlim, desagregando as vulneráveis nações africanas, partindo-as em estados
étnico-religiosos ainda mais frágeis e vulneráveis, um manancial que a
hegemonia unipolar tende a não desperdiçar, pois continua a querer fazer
prevalecer a tendência para “dividir e dividir, para melhor reinar”!
3
– Essa geo-estratégia e geo-política da hegemonia unipolar acelerou-se com o “êxito” conseguido
na Líbia, um dos maiores produtores de crude e de gás baratos de África, na
sequência da criação do AFRICOM pela administração republicana de George W.
Bush.
A
Líbia tende a fraccionar-se em três estados e ao redorinais de desagregação são
também evidentes sobretudo no Mali, no seguimento aliás do Sudão!
Desde
então, entre a Mauritânia a oeste e a Somália a leste, entre a Nigéria a oeste
e o Quénia a leste, África tem sido sacudida pela pressão do fundamentalismo
islâmico na sua expressão mais radical e sangrenta.
A
Nigéria está assim também a candidatar-se à desagregação!
Por
outro lado, com os aliados arábicos da hegemonia unipolar financiando e
incrementando os grupos terroristas islâmicos, torna-se muito mais fácil às
potências “socorrerem” África, de modo a melhor imporem sua vontade e
seus próprios instrumentos perante círculos de poder rentavelmente instalados e
assimilados!
As
contradições com as redes terroristas islâmicas “de baixo custo”, servem
às-mil-maravilhas à hegemonia unipolar de pretexto para a ingerência, a
manipulação e o domínio utilizando a força militar e os expedientes de
inteligência!
A
capacidade militar duma potência como a França, está perfeitamente adaptada
para fazer face a esse tipo de contingências, de “ameaças” e riscos,
em guerras que implicam movimento, rentabilidade dos meios ligeiros e contensão
de despesas.
Desde
Sarkozy que a “FrançAfrique” entendeu as contradições instaladas e
alinhou com os Estados Unidos de forma a fazer prevalecer a hegemonia unipolar
da“civilização ocidental”!
É
sobretudo na África do oeste e no imenso Sahel que a“FrançAfrique” mais se
faz sentir e até a Nigéria “se rendeu” a essa evidência!
4
– Do lado da emergência multipolar há disponibilidade para se realizar aquilo
que quer o colonialismo, quer o neo colonialismo do império, têm demonstrado
ser incapazes de fazer avançar: criar infra-estruturas e estruturas, dar início
à introdução de outros parâmetros de comércio, bem como de relacionamento
bilateral e multilateral e de forma a procurar atrair conhecimento científico e
tecnológico onde nunca houve.
As
emergências mais poderosas, ao constituírem os BRIC vieram a integrar a África
do Sul, o país mais estruturado, organizado e industrializado de África, fruto
das opções da Revolução Industrial, disponíveis desde os anos de Cecil John
Rhodes!
O
projecto do Cabo ao Cairo mantém-se vigente e quer os expedientes unipolares,
quer os multipolares não perdem essa geo estratégia de vista, quanto mais não
seja como referência.
Desse
modo tornou possível ao “lobby” dos minerais“jogar simultaneamente
nos dois principais tabuleiros”, particularmente no que diz respeito às
preciosidades como os diamantes, o ouro e a platina, algo que é muito mais
difícil em relação ao “lobby” do petróleo e do gás, filtrado também
pelas alianças históricas dos anglo-saxónicos com as monarquias arábicas…
Assim
o “lobby” dos minerais, marcando sua capacidade de inteligência
elitista, estende a sua influência para norte, pelo miolo do continente e para
sul, com um processo científico em curso há mais de 50 anos na Antárctida como
no sul do Índico e do Atlântico.
A
África do Sul é o único estado africano com itinerância na Antárctida e isso há
mais de 50 anos a esta parte
A
coabitação entre a corrente hegemónica unipolar e a emergência multipolar pode
sofrer todo o tipo de contingências, apesar do “lobby” dos minerais
procurar formas de harmonia, sobretudo por via do agenciamento das elites,
sujeitas assim a outras fórmulas de assimilação.
De
facto, os programas mineiros que ocorrem bem no miolo do continente e para
norte, necessitam das infra estruturas e estruturas que fazem a conexão aos
portos do Índico e do Atlântico e esse é um factor de relativa estabilização da
SADC, salvo a excepção da RDC, em função dum conjunto de factores que se tornam
críticos na Região dos Grandes Lagos.
A
enorme República Democrática do Congo, situada a ocidente do centro geográfico
de África, abrange a maior matriz da água interior do continente e é um dos países
com menos infra estruturas e estruturas disponíveis em África, desde que a
Conferência de Berlim a tornou propriedade do Rei Leopoldo!
A
emergência multipolar pode conseguir por via disso um relacionamento
privilegiado com a RDC, todavia em parte por causa dessa mesma possibilidade,
em parte por causa da vulnerabilidade histórica da Região que abrange o Congo
sobretudo a leste e a norte, todos os projectos infra estruturais (construção
de estradas e caminhos de ferro sobretudo), têm sido protelados… eternamente à
espera de melhores dias.
É
assim que, com um Congo em letargia e incapaz de despertar, grande parte do
continente está ancorado ao subdesenvolvimento crónico e à sucessão de
episódios plenos de tensões, conflitos e guerras, década após década.
Palco
das contradições globais, África tarda em estabelecer nexos de paz e de crescimento,
estando ainda muito longe de obter um patamar capaz de conduzir a um
desenvolvimento sustentável que venha a beneficiar os seus povos, em especial a
norte da SADC!
A
assimilação de suas elites por inteligência de factores externos poderosos, é
aproveitada em função dos desequilíbrios, das assimetrias e da
disfuncionalidade da malha de ocupação político-administrativa, quantas vezes
sem o suporte mínimo de vias de comunicação em estado satisfatório!
O
neo colonialismo faz tardar a utopia do renascimento, apesar de alguns
procurarem a paz pan-africana, vocacionada pela relativa harmonia promovida
pelas elites agenciadas pelo “lobby” dos minerais!
Imagem: Mapa
das exportações de África, país a país
1 comentário:
Apresentação brilhante, Martinho Júnior!
Enquanto o ser humano não acordar para a humanidade, a paz pan-africana será o resultado longínquo, a atingir através de colonialismos internos e externos num processo contraditório e de contradições à semelhança do que aconteceu no desenvolvimento da paz europeia e da paz americana. O colonialismo tem sido o preço a pagar por todos os povos que acordam da harmonia do paraíso terreal para a formação político-social. Precisa-se de uma política do diálogo pelo compromisso. Timothy Radcliffe avisa e bem: “Uma comunidade incapaz de lidar com o desacordo está mal preparada para o futuro”
Enquanto os que têm “fome e sede de justiça” não se empenharem e organizarem concretamente, em contrapartida aos predadores organizados, que vivem bem da fraqueza dos outros, continuará vigente a lei geral da evolução social entregue aos predadores continuará: a um colonialismo segue-se um neocolonialismo e ao neocolonialismo seguir-se-á outro (seja ele étnico, religioso, partidário ou económico). O resto é cantiga de embalar! O povo vai-se distraindo na conversa e em diferenciações ao serviço de novos predadores distinguindo entre Islão e islamismo, entre colonialismo e neocolonialismo, racismo branco e racismo preto, inteligência militar de defesa e de ataque, etc.
No contexto apresentado por Martinho Júnior, mais óbvio se torna o esforço dos países lusófonos no sentido de criarem uma nova maneira de estar no mundo.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
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