Ana
Sá Lopes – jornal i
O
fundador do PS pensa que António Costa é o socialista indicado para "unir
a esquerda", coisa que não fez o actual secretário-geral
Mário
Soares fez a previsão de que o PS iria "ganhar por pouco" as eleições
europeias e acertou. O ex-Presidente da República decidiu tomar partido na
guerra interna que depois das eleições europeias foi aberta no Partido
Socialista, por causa daquilo a que foi o primeiro a chamar "vitória de
Pirro". Soares apoia claramente António Costa para a liderança do PS e faz
críticas muito violentas a António José Seguro, que, na sua opinião, nunca
"ouviu os socialistas que não o bajulassem" e "nunca falou à
esquerda". O fundador do PS fala também da crise europeia, considerando
que "os partidos socialistas e democrata-cristãos que fizeram a União
praticamente desapareceram". Para voltar a ganhar as eleições, a
social-democracia europeia tem de se "bater contra a direita e defender
acima de tudo os valores da esquerda".
Dr.
Mário Soares, no momento em que falamos o governo acabou de receber mais um
grande chumbo do Tribunal Constitucional ao Orçamento do Estado. O governo está
praticamente a dizer que não consegue governar. O senhor sempre defendeu a
demissão do governo. Este é o momento certo?
Se
o governo diz que não consegue governar, o que é verdade, há muito tempo, se
fosse responsável, demitia-se. Depois de três chumbos sucessivos dos Orçamentos
respectivos, se tivesse vergonha ou sentido dos valores, em vez de injuriar o
Tribunal Constitucional - e com o povo todo contra ele - devia ter um mínimo de
decência e ir-se embora. Era o momento certo. Mas não vai. Porque está agarrado
ao poder e ao dinheiro que arranca aos pensionistas e aos portugueses, que não
têm dinheiro para dar de comer aos filhos.
O
problema é que neste momento o PS está em convulsão. Se o
governo se demitisse agora, não encontrava um PS muito fragilizado à sua
frente, em plena batalha interna e só a três pontos de distância da coligação
PSD-CDS?
O
PS não está fragilizado. Pelo contrário. A esmagadora maioria dos socialistas
está com António Costa, que tem uma inteligência superior e é um excelente
político. É - e sempre foi - um socialista de esquerda e está contra a direita,
que tem destruído o nosso país. Por isso o líder nunca conseguiu ter mais de 30
e pouco por cento dos votos... E ficou só a três pontos da coligação.
O
senhor doutor já manifestou publicamente o seu apoio à candidatura de António
Costa a secretário-geral do PS. Costa é melhor que Seguro porquê?
É,
claro que é. Sou solidário com Costa, que julgo vai ganhar sem dificuldade, de
norte a sul do país e nas ilhas. Não há dúvida disso, quaisquer que sejam as
manobras que lhe queiram fazer. A verdade vem sempre à tona de água.
Acha
que Costa tem ideias diferentes das de Seguro sobre a condução do Partido
Socialista?
É
evidente que sim. António Costa é um homem de valores e de esquerda. E nunca
foi um homem mais ou menos à direita, conforme as circunstâncias.
O
senhor doutor foi das raras personalidades que previram que o PS iria ganhar
"por pouco". O que o fez antever o resultado? O estilo de oposição de
Seguro?
Sim,
ganhou por muito pouco porque os socialistas - mesmo discordando do seu líder -
julgaram-se na obrigação de votar PS. Como foi o meu caso. Mas o povo está
desesperadamente contra o governo e o Presidente da República, não podendo
perdoar que Seguro desse uma no cravo e outra na ferradura, mas sempre a falar
na direita e nunca na esquerda. Além disso, durante meses e meses nunca falou
nos socialistas, era ele, ele e ele, e mais ninguém. Só percebeu a importância
dos socialistas quando falavam pela cabeça do líder.
Quais
foram os maiores erros que, na sua opinião, António José Seguro cometeu?
Escreveu no "Diário de Notícias" que Seguro não se colocou à
esquerda. Foi esse o maior erro? Sabemos que recusou participar nas sessões
contra a austeridade que o senhor organizou na Aula Magna...
A
meu ver o maior erro que cometeu foi dizer diariamente que ia ser primeiro-ministro, como se mais nada lhe interessasse. E sobretudo não ouvir os
socialistas que não o bajulassem. É certo que nunca falou à esquerda. Quanto às
manifestações da Aula Magna para as quais o convidei, em primeiro lugar, nunca
quis ir. E quero crer que os seus apaniguados nunca lá foram, embora tenha
havido bastantes socialistas.
O
resultado do PS, disse o senhor, foi "uma vitória de Pirro". Mas os
partidos socialistas e social-democratas foram muito fustigados nesta crise. O
PS francês e o espanhol tiveram muito maus resultados, os trabalhistas
britânicos ficaram em segundo lugar com um partido eurocéptico, o UKIP, à
frente. Como vê esta aparente decadência dos socialistas e sociais-
-democratas?
É
verdade: foi uma vitória de Pirro. É certo também que a Europa está em grande
crise. A maioria dos partidos chamam-se social-democratas mas são meramente
populistas. É por isso que os partidos socialistas e democratas cristãos - que
fizeram a União, sobretudo a zona euro - praticamente desapareceram. A crise é
terrível. Deixou de haver política e o que conta são só os mercados e o
dinheiro. As pessoas não contam. Helmut Schmidt com a sabedoria dos seus 94
anos escreveu, cito, "isto só vai com um putch militar". Espero que
em Portugal não se vá tão longe.
O
que tem de fazer a social-democracia para voltar a ganhar as eleições nos
países europeus?
Bater-se
contra a direita e defender acima de tudo os valores da esquerda.
Todos
os socialistas europeus, incluindo os portugueses, aceitaram o Tratado
Orçamental, que obriga a regras muito rígidas de défice e dívida e que
praticamente impede políticas keynesianas. Isto não significou uma capitulação
perante o liberalismo dominante?
Com
certeza que sim. Temos de voltar às políticas keynesianas e pôr a política
acima dos mercados e não o contrário.
O
senhor só foi convidado à última hora para participar na campanha eleitoral do
PS. Isso nunca tinha acontecido. Ficou magoado?
Cheguei
a uma altura da vida em que nada me espanta nem magoa. Leio, escrevo e falo,
sem medo de dizer acima de tudo a verdade. A verdade vem sempre ao de cima.
Mais cedo ou mais tarde.
O
Syriza, o partido de esquerda grego que ganhou as eleições na Grécia, utilizou
num cartaz de campanha a sua imagem com o líder, Alexis Tsipras, numa reunião
que tiveram em Portugal. O
que pensa sobre o Syriza e Tsipras?
Conheci
Tsipras no Porto, onde nos encontrámos. É um ser excepcional. Tornámo-nos
amigos rapidamente. Ganhou as eleições. Divulgou uma fotografia que tirámos em
conjunto, o que muito me sensibilizou.
O
senhor doutor defende que o PS devia virar à esquerda, mas acha que António
Costa fará isso? Quando chegar a hora da verdade, não pode acontecer que só o
PSD esteja disponível para aceitar as rígidas regras europeias que agora
vigoram? Qual é hipótese de um governo PS sem maioria absoluta se coligar com
os partidos à sua esquerda?
Não
tenho nenhuma dúvida. Por isso sou solidário com António Costa, que com a sua
sabedoria e bom senso sabe que só a esquerda pode destruir o actual governo,
cuja coligação não se entende, luta contra a justiça e tem destruído
completamente o país. António Costa é o socialista indicado para unir a
esquerda e derrubar a direita. Coisa que o actual líder do PS, António José
Seguro, nunca quis fazer porque o seu diálogo foi sempre com a direita.
Neste
momento, o PCP defende a saída do euro e Francisco Louçã já a admite, tendo em
conta que a correlação de forças existente neste momento na Europa não permite
a reestruturação da dívida. O PS resistirá sempre a esta ideia?
Por
mim nunca defendi a saída do euro, apesar da crise em que a zona euro se
encontra. Julgo que é essencial defender a zona euro, embora sempre tenha sido
contra a austeridade e nunca tenha suportado a chanceler Merkel, que tem vindo
a destruir a zona euro. Tanto que começa a ter grandes problemas no seu próprio
país. Oxalá os sociais-democratas compreendam e não vão atrás do que ela diz.
Sendo
assim, não é mais um argumento para que o PS acabe a dialogar com o PSD, como
fez sempre?
O
PSD actua como um partido populista, como já disse várias vezes, que nada tem a
ver com o PPD fundado por Sá Carneiro, que sempre foi de esquerda, tanto que
quis entrar na Internacional Socialista. Só não conseguiu porque já lá estava o
Partido Socialista. Com o actual partido populista que se intitula falsamente
social-democrata não se pode nem deve dialogar. António José Seguro tentou
várias vezes - bem como com Cavaco Silva -, mas nunca conseguiu fazê-lo, por
ter medo da reacção dos autênticos socialistas.
Apesar
de anos de austeridade, os partidos de direita continuam a dominar a Europa,
embora menos fortes. A Frente Nacional de Marine Le Pen ganhou as eleições em França. Esta Europa
não é, para o senhor, que viveu os anos dourados do sonho europeu, uma
catástrofe?
É
verdade. Mas tudo vai ter de mudar porque se assim não for a zona euro cairá no
abismo. Será o fim da Europa e muito grave para os Estados Unidos, cujos amigos
fiéis são os da União Europeia. Não é por acaso que Barack Obama está agora na
Polónia. A Frente Nacional de Marine Le Pen - com as asneiras que o pai diz - é
sol de pouca dura. A Europa que vivi foi excelente, é verdade. Mas não se
julgue que os mercados vão continuar a dominar a política. Cedo ou tarde vão
sucumbir.
Seguro
aceita o confronto com António Costa, mas através de primárias que vão escolher
o candidato a primeiro-ministro do PS. Se perder, Seguro demite-se de
secretário-geral. O que pensa deste modelo?
Espero
que Seguro - que é muito inseguro - perceba finalmente que não será
primeiro-ministro, como tantas vezes disse que seria, antes de ouvir os
socialistas. Até mudou os estatutos do PS para o conseguir. Em vão... Acho que se
perder contra António Costa não terá outro remédio senão demitir-se.
O
seu filho João Soares é um dos maiores apoiantes de António José Seguro. Em
política, o senhor e o seu filho raramente tinham estado em desacordo público
sobre o destino do PS. É uma situação fácil de gerir?
É
certo que o meu filho tem sido muito fiel quanto à posição pró-Seguro, que
sempre teve e tem. Honra lhe seja. Mas uma coisa é o amor paterno que sempre
tive pelos meus dois filhos e netos - que está intacto - e outra é a política,
em que cada um faz o que pensa.
No
artigo que escreveu no "Público" disse que o PS tem de "saber
retirar as consequências da falta de adesão dos eleitores a um estilo nada
identificado com o povo". Na opinião do doutor Soares, Seguro não se
identifica com o povo e Costa sim. A que se está a referir concretamente? O que
os distingue em relação ao povo, na sua opinião?
Seguro
nunca se identificou com a esquerda nem com o povo e sempre dialogou com o PSD
actual e com Cavaco Silva. E tão-só. Por isso o povo não lhe perdoou. Nunca
passou dos 30 e tal por cento. Se estivesse ao lado do povo teria maioria
absoluta.
António
Costa teve algumas "hesitações", como o senhor refere. Costa devia
ter avançado antes, no anterior congresso que esteve marcado?
Costa
entrou em cena quando lhe pareceu que era o momento. E eu aplaudi-o.
Estamos
a viver um momento grave na política portuguesa com o governo a dramatizar e a
afirmar que não consegue governar com este Tribunal Constitucional. Há uma
escalada de dramatização, o PCP pede ao Presidente que dissolva o parlamento.
Se o governo se demitisse agora, por exemplo, isso - por razões de
calendário - impediria a clarificação no PS. Como é que ficávamos?
O
actual governo está perdido. Ninguém o leva a sério nem pode levar depois de
tantas malfeitorias e sempre sem norte. Quanto ao futuro, como não sou profeta,
permito-me estar calado. Embora pense que o governo está no fim e sem remédio.
Não sabe o que diz nem o que faz. E atira as culpas, sem razão, para cima do
Tribunal Constitucional. Uma vergonha inaceitável. Se se demitisse era a
alegria geral do povo português. Mas o Presidente da República perdeu a fala. O
que não deixa de ser sintomático.
O
senhor sempre defendeu a separação entre política e negócios. Seguro afirmou
que quer impor essa separação, obrigando os deputados a exercer o mandato em exclusividade. Propõe
também a redução do número para 180. O que pensa o senhor doutor?
Acho
que são ideias a mais de alguém que queria sobretudo ser primeiro-ministro,
como sempre disse, e que sente que o terreno para isso lhe está a faltar.
Conheceu
muito bem o rei Juan Carlos, que acabou de abdicar. Pensa que o rei fez bem?
Acha que depois de Juan Carlos a monarquia fica segura em Espanha, um país onde
há uma forte corrente republicana?
Sou
amigo de D. Juan Carlos e sempre nos entendemos muito bem. Tenho respeito pelo
filho, que lhe vai suceder. Mas tenho visto que há hoje em grande parte de
Espanha um movimento pró-republicano muito forte. E eu, como patriota
português, sou republicano dos sete costados...
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