Folha
8 – 28 junho 2014
Académicos,
políticos e analistas angolanos dizem existir falta de transparência nas
linhas de crédito estrangeiras concedidas ao Governo de Eduardo dos Santos.
Nada de novo mas que, agora, revele a crescente onda dos que questionam a
opacidade do regime em benefício próprio. Como há muito aqui se tem escrito,
trata-se de uma variante de uma velha metodologia autoritária em que, como
sempre, os beneficiários são os mesmos de sempre, ou seja o clã presidencial e
o seu séquito de bajuladores.
O
docente da Universidade Católica de Angola, Justino Pinto de Andrade, defende
que as linhas de crédito estrangeiro, ao contrário do que deveria acontecer num
Estado de Direito, têm servido para o enriquecimento da elite política no
poder, dizendo que tal acontece por falta de fiscalização.
A
nova abertura de uma linha de crédito de dois mil milhões de dólares para
investimentos na construção civil e energia em Angola, anunciada pela
Presidente brasileira, Dilma Rousseff, durante uma visita do chefe de Estado,
José Eduardo dos Santos, ao Brasil, fez ressuscitar uma antiga preocupação da
classe política e académica: a transparência na concessão e aplicação das
linhas de crédito obtidas pelo Governo angolano.
Mais
uma vez, segundo uma tradição dos tempos de partido único e da florescente
ditadura, embora agora mascarada de democracia, o Presidente da República é
apontado como o grande beneficiário das linhas de crédito estrangeiras,
nomeadamente através dos seus testas-de-ferro, mesmo que não pertençam ao clã
por laços familiares.
Justino
Pinto de Andrade diz que essas linhas de crédito têm servido para enriquecer
a elite política no poder, em detrimento de benefícios para o país, por falta
de transparência, uma tese que aliás é advogada por diversas organizações
internacionais que avaliam a impávida e impune corrupção que tomou conta do
nosso país.
“As
relações entre Estados têm uma grande componente económica. Não há mal em
obterem-se linhas de crédito no exterior, até é normal, agora tem de haver
transparência nesse tipo de relacionamentos e sobretudo não transformar esses
mecanismos em mecanismos de enriquecimento ilícito”, refere Justino Pinto de
Andrade, explicando que, “infelizmente, é isso que acontece em Angola”.
Uma
das razões que faz com que o docente da Universidade Católica de Angola olhe
com desconfiança para a obtenção dos vários empréstimos efectuados pelo
Governo angolano reside no facto de nunca ter sido ouvida a opinião da
Assembleia Nacional sobre a matéria. Aliás, este órgão da nossa suposta
democracia, manietado pela maioria parlamentar do MPLA, só serve para ampliar
as posições do regime, pouco mais sendo que uma das muitas correias de
transmissão de propaganda e de bajulação ao regime.
“É
por isso mesmo que se age de costas viradas para o Parlamento, precisamente
para se poder agir sem qualquer fiscalização, sem qualquer controlo por causa
da falta de transparência. São envolvidos grandes valores e os grandes
beneficiários são os mesmos de sempre. Naturalmente, não estão interessados em
que haja uma acção fiscalizadora por parte do Parlamento”, explica Justino
Pinto de Andrade numa análise que, apesar de crítica, é benevolente quanto ao
papel decorativo da Assembleia Nacional.
Por
sua vez Alberto Ngalanela, deputado da UNITA, pensa que é preciso limitar os
poderes do Presidente José Eduardo dos Santos sob pena de se endividar o país
através de linhas de crédito “duvidosas”. As linhas de crédito até nem são
duvidosas. Duvidoso – isso sim – é o seu uso exclusivo e privado por um regime
que deveria prestar contas, nomeadamente através do Parlamento, do seu uso.
“Há
uma grande concentração do poder do titular executivo em relação aos outros
órgãos. É preciso limitar os poderes do Presidente da República, para que
todos os actos que envolvem Angola sejam devidamente autorizados pela
Assembleia Nacional, aqueles que representam o povo, para podermos explicar ao
povo que Angola beneficiou de uma linha de crédito para determinados
programas”, sustenta Alberto Ngalanela.
Em
declarações à TPA, o ministro das Finanças, Armando Manuel, disse que a nova
linha de crédito eleva para 7,83 mil milhões de dólares o valor da dívida
pública de Angola para com o Brasil.
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