Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
O
sistema financeiro que hoje subjuga os direitos e legítimos poderes dos povos
assenta a sua estrutura e organização num emaranhado de manipulações e
opacidades quase impenetráveis que permitem, por exemplo, transferir ou criar
dívidas explorando e sufocando os cidadãos.Entre o muito que aprendemos de
economia política durante esta crise europeia e, em particular portuguesa, um
ensinamento se destaca: no estranho e nada ético capitalismo financeiro em que
vivemos, a Banca é um negócio privado no que diz respeito a lucros e um
problema público no que se refere a perdas.
Há
muito boas razões para que o Estado intervenha quando pode estar iminente um
colapso bancário. Mas, se assim é, impõe-se a pergunta: por que razão se
considera natural, quase obrigatório, que a Banca seja um negócio privado e
continue a sê-lo mesmo depois do Estado ter derretido milhões nessas
intervenções, utilizando dinheiro de impostos, de salários e pensões que
pertenciam às pessoas, cortando na saúde, no ensino, na segurança?
Vem
isto a propósito do caso Espírito Santo, a ameaça que nestes dias impende sobre
nós. Será que a fatura do desvario privado nos vai cair em cima uma vez mais?
Dizem-nos que tudo está acautelado, mas a verdade é que já começam a
conhecer-se "efeitos sistémicos" dos graves problemas do grupo:
dívidas à Caixa Geral de Depósitos, instabilização e enfraquecimento de
empresas, algumas grandes como a PT, turbulência na Bolsa e o mais que virá. E,
como o segredo é a alma do negócio, não sabemos da missa a metade.
Podíamos
perguntar, como pergunta o Papa no Vaticano, que mais terá de acontecer para
que seja posto fim ao império da ganância, ao domínio da sociedade por uma
finança insaciável. Será porventura pedir de mais face à relação de forças
existente. O que deve ser exigido já, são medidas firmes de controlo público do
sistema financeiro, que não sejam socializações de perdas nem regulações
complacentes que encanam a perna à rã para que os interesses não se alterem.
Passaram sete anos do "Chernobil financeiro" e nada foi
verdadeiramente resolvido. As promessas de mudança foram rapidamente
substituídas pelo refinamento dos mecanismos que aprisionam os cidadãos e lhes
sacam os rendimentos e os direitos.
Sob
a aparência de um regresso à normalidade - uma normalidade triste, aflita,
insegura, a que nos querem habituar - sentem-se pressões, tensões em
acumulação: um período de euforia dos mercados financeiros de quase todo o
Mundo; uma corrida aos bancos na Bulgária; fundos abutres a pairar sobre a
Argentina; sistemas políticos em decomposição por todo o lado. A terra ainda
não treme, mas o ruído de fundo é bem audível.
As
elites financeiras e os agentes políticos da sua governação parecem estar, de
novo, a perder o controlo do monstro que criaram. Como podem as "pessoas
comuns" defender-se? Num ato de prudência diremos que é preciso
envolverem-se, passarem da indignação à intervenção. Deixar de pensar a
política como coisa para políticos - e muito menos para os políticos que estão
a submeter-nos - fazer das tripas coração e tornarem-se elas próprias
políticas.
O
avanço de forças conservadoras e fascistas constitui um perigo, mas é
esperançosa a revitalização de forças com valores democráticos e a emergência
de novas forças políticas, por exemplo em Espanha, inovadoras na forma de fazer
política. Há que trabalhar novas fraturas e hegemonias e combater serenidades
podres. Com mais ou menos dificuldades, este é o caminho para impedir que se
instale o desânimo e o desespero.
Nós,
portugueses, temos de dar mais atenção às questões europeias, olhando e agindo
sobre as realidades concretas e não sobre uma Europa de mentiras. Mas, é
indispensável tratar das questões nacionais, pois estas serão sempre vitais para
o nosso futuro. É imprescindível: derrotar o Governo PSD/CDS e as suas
políticas; gerar propostas e abordagens que criem nos portugueses confiança na
política, motivando-os para a intervenção; construir compromissos para uma
governação nova de combate ao neoliberalismo, à subjugação do país e do povo.
Só
com novas relações de forças se podem realizar intervenções eficazes sobre o
sistema financeiro ou em outras áreas.
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