sábado, 19 de julho de 2014

RUMO AO ABISMO



Martinho Júnior, Luanda

1 – O Mundo não é “a nossa casa comum”e há causas profundas para que assim aconteça: a via capitalista desembocou num processo de globalização imposto por ordenamento dum império concentracionário e ultra egoísta, que procura a todo o transe uma hegemonia unipolar avassaladora, que vai atirando humanidade e planeta para um irreversível abismo!

Entrou-se na fase do capitalismo monopolista transnacional, base da hegemonia unipolar e também a tese que gera a antítese: a procura da multipolarização por via das emergências que procuram fugir à vassalagem e se inscrevem naqueles 99% alvo do domínio.

O fulcro do processo de hegemonia unipolar que se foi formando desde os alvores da Revolução Industrial é, com cada vez mais evidências, um poderoso estado que se convencionou chamar Estados Unidos da América!

Os Estados Unidos procuram a todo o transe a imposição de vassalagem a todos os demais estados, incluindo os seus próprios aliados e o carácter da União Europeia reflecte precisamente isso, numa altura em que a Alemanha e a França procuram fugir ao que se lhes está a ser imposto.

Está-se à beira do abismo, um abismo que poderá terminar numa guerra nuclear que poderá pôr fim à vida tal qual a conhecemos sobre a Terra!
  
2 – Os Estados Unidos da América tornaram-se decisivos, através dos processos de concentração económica, financeira e industrial, que implicaram nas linhas de definição dos contornos e dos conteúdos da “civilização moderna”, escolhendo e priorizando as vias científicas e tecnológicas dos conglomerados de interesses e“defendendo”os critérios escolhidos, de modo a tornar inviáveis os critérios alternativos “concorrentes”.

Ao mesmo tempo, ao providenciar para a sua moeda o papel de padrão a nível global, abandonou a indexação ao ouro, criando imensas possibilidades especulativas muito para além do que seria admissível através do lucro, explorando para o efeito um conjunto de instituições que instrumentalizou, desde alguns organismos componentes da ONU, até ao FMI, à Organização Internacional do Comércio, ao Banco Mundial e a uma miríade de “think tanks” onde geraram os “lobbies”a partir dos quais impõem a sua vontade visceral!

A Reserva Federal norte americana não tem mais ouro e até o que estava a seu cargo, proveniente de aliados diversos, desapareceu na voragem neoliberal.

Emergentes na Ásia e na América Latina ensaiam por isso trocas comerciais com base noutras moedas, com realce para os envolvimentos bilaterais, para o rublo e o yuan (entre a Rússia e a China).

No início do crescimento em direcção ao domínio, os Estados Unidos beneficiaram da trasladação das principais casas financeiras da Europa, que vieram a integrar, na esteira do que foi o império britânico, a quem se associou a fim de tirar partido da amplitude de implantação das culturas anglo-saxónicas.

Essas casas financeiras tomaram, na década de 30 do século passado, a Reserva Federal e de então para cá impuseram os seus interesses e conveniências “privadas”: deixou de haver concorrência e os conglomerados financeiros, económicos e industriais procuram a todo o transe pulverizar as resistências, neutralizá-las ou mesmo eliminá-las, dissipando o ouro da Reserva Federal e manipulando com o Dólar.

Esse processo tem amplas repercussões sócio-políticas nos próprios Estados Unidos e na corrente globalização, a ponto de concentrar a riqueza acumulada nas mãos de 1% da humanidade e gerar uma exploração desenfreada dos recursos, exaurindo por via da “civilização moderna” o planeta Terra…

Seria necessário um planeta do tamanho de Júpiter para alimentar o padrão de “desenvolvimento” implicado nessa “civilização moderna” que foi optada pelo processo de domínio hegemónico e unipolar que os 1% do“sonho americano” continuam a impor por via dos instrumentos que foram criados contra qualquer tipo de concorrência e muito para além da miragem de lucro tão propagandeados pelo capitalismo.

A insustentabilidade dum processo dessa natureza, ao esgotar a humanidade e o planeta, coloca o futuro num abismo que incorrerá em múltiplos fenómenos já em curso, que implicam já num exercício entre o fascismo e o nazismo, com a proliferação de tensões, conflitos e guerras de todo o tipo, atirando religiões e etnias umas contra as outras na ânsia de dividir e dividir para melhor reinar… e desagregando nações e processos integradores tidos como “resistências”!

Em relação a África, por via étnica e por via religiosa, decorre uma segunda edição da Conferência de Berlim, esta muito mais sangrenta que a primeira!
  
3 – Para a “civilização moderna” os padrões energéticos por que se optou e em relação aos quais tanta relutância há em os substituir, “obriga” os Estados Unidos a tomar as decisões em prol do seu domínio em relação ao petróleo e ao gás.

Os Estado Unidos, desde o final da IIª Guerra Mundial que procuram a todo o transe o domínio sobre as regiões produtoras de petróleo e gás barato, (sobretudo onde ele tem baixos custos de produção)… até por que nessas regiões se encontra à superfície das areias “onshore”…

Os Estados Unidos trataram de se aliar às casas monárquicas da Arábia e com elas desenvolver os expedientes mais retrógrados de ingerência e intervenção de carácter fascista e neo nazi, que agora se estenderam desde o espectro sócio-político das nações que professam religiões islâmicas sunitas, àquelas que professam o cristianismo (uma parte delas suas “aliadas” na NATO, na verdade nações avassaladas e submissas, autênticas ”repúblicas bananas”)…

Simultaneamente ao reforço da segurança das monarquias arábicas, os expedientes de desagregação são multiplicados, na Líbia, na Síria, no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão, no Iémen, no Sudão, na Somália e no espectro envolvente onde se vai contaminando inexoravelmente tudo e todos…

Quando por efeito de sua acção alguns produtores de petróleo e gás desencadeiam processos emergentes, perseguindo opções multipolares, como o caso dos componentes dos BRICS e de outros como a Venezuela Bolivariana, os Estados Unidos desencadeiam todo o tipo de demónios que controla, através de processos de ingerência, manipulação e desagregação, com vista a neutralizar as resistências, mesmo que “do outro lado”hajam razões éticas, morais e geo-estratégicas que respondam a padrões que socorrem a humanidade e o planeta, na tentativa de tornar o Mundo efectivamente em “nossa casa comum”!
  
4 – O inventário em curso da autoria de William Blum, relativo a manipulações, ingerências, tensões, conflitos e guerras atribuídas aos Estados Unidos, fica muito aquém da realidade, por que a esse autor falta o resultado último da existência persistente do conglomerado de interesses: o facto da indústria de armamento, do tráfico de droga e da indústria energética terem consolidado laços comuns por via da “alta finança”, aproveitando aliás a abertura de portas propiciadas pelo mercado neo liberal que se expande com a globalização.

Países inteiros, como a Colômbia e o Afeganistão, tornaram-se em coutadas produtoras de cocaína e de ópio!

Enquanto houve socialismo o caminho do abismo foi sendo trilhado em periferias como as do “quintal” latino-americano, mas mal Gorbatchev assumiu o início da desarticulação socialista, o neo liberalismo anglo-saxónico com vocação para a hegemonia unipolar, assentou arraiais quer no Reino Unido (Margareth Thatcher) quer nos próprios Estados Unidos (Ronald Reagan).

A implantação de investimentos e transferência avassaladora de tecnologias, com a deslocalização massiva de fábricas que isso gerou, transformando imensas regiões como a Ásia, estiveram e estão na base dos processos de emergência, com reflexos na conjuntura actual: os emergentes fortalecem o caminho para a multipolarização, concedendo espaço inovador para as alternativas, enquanto a hegemonia unipolar cristaliza-se em seus nexos e procedimentos, recorrendo cada vez mais a métodos radicais ultra conservadores, em conformidade com o seu próprio carácter.

O anseio pelo lucro desmedido, explorando mão-de-obra barata e procurando garantir os “mercados” das nações com o grosso da população da Terra, está na base da deterioração das capacidades da hegemonia unipolar, um processo que não pode ser travado pela via do músculo militar, nem por qualquer outro processo de domínio, incluindo o que recorre à “inteligência”.

O músculo militar passou a fazer parte de seus ingredientes de manipulação e ingerência, pelo que o império assim formado disseminou mais de 600 bases espalhadas pelo mundo, em função de suas geoestratégias energéticas, enquanto simultaneamente tirava partido, em termos de inteligência, do seu domínio em relação às novas tecnologias entretanto desenvolvidas, com incomensuráveis implicações em relação ao sector das comunicações e das possibilidades de conhecimento sobre o planeta e a humanidade.

A inteligência foi manipulada com vista a tornar-se num processo elitista, sob controlo do domínio.

A especulação transferiu-se assim muito rapidamente de sectores estritamente financeiros e económicos para outros, pelo que, em relação aos media, os conglomerados de interesses ficaram com terreno desbravado, expandindo as mensagens da conveniência da hegemonia unipolar em doses intensas, persistentes e continuadas, pois os 99% sobre os quais se exerce o domínio, precisam de se tornar dóceis carneiros, insensíveis aos riscos do abismo que se vai indiciando.

Os media controlados pela hegemonia, injectam a droga anestesiante que dão curso ao domínio dos 1% sobre o resto da humanidade e não há acontecimento algum que escape ao olho clínico desse critério!

Essa geo estratégia provocadora de tensões, conflitos e guerras está, (e cada vez há mais sinais disso), condenada a fazer proliferar resistências: é impossível a esse poder militar, assim como os processos de inteligência que desencadeou em nome da globalização neo liberal, chegar a toda a parte ao mesmo tempo, subvertendo culturas e velhas nações com seus próprios vínculos identitários forjados durante séculos.

Perante a subversão da história, as resistências culturais e sócio-políticas arvoram-se no campo multipolar, sobretudo com os emergentes e à sua volta!

Ao divisionismo artificioso da hegemonia unipolar, arma de enfraquecimento e jugo perante a concorrência, os emergentes procuram a integração como método de defesa e resistência.

Na América Latina o recurso à integração mobiliza já grande parte da América ao sul do México.
  
5 – É evidente que se está perante um processo dialéctico que dá sequência à síntese capitalista neoliberal que se tornou dominante após a volatilização do bloco socialista durante a última década do século passado: a transferência de investimentos, tecnologias e de fábricas, assim como as alternativas, criando espaço para as emergências, gere imensas capacidades para a multipolarização.

Entre a tese da globalização capitalista neoliberal promovida pelo império anglo-saxónico e a antítese cada vez mais evidente das emergências, as tensões crescem e vão-se reflectindo com cada vez mais ênfase na evolução sócio-política da humanidade e do estado em que se encontra o planeta.

Com a persistência do capitalismo e a formação de dois campos que tendem para o antagonismo, as alternativas socialistas renascem com outro vigor e a América Latina assume a vanguarda, na tentativa última de que o mundo se torne, de facto, em “nossa casa comum”!

Na Ucrânia, para citar um dos mais acabados exemplos últimos, a resistência contra o fascismo e os oligarcas, ganha corpo num espaço que não esqueceu as lições do passado, forma consciência e capacidade e está a demonstrar que a luta poderá ser longa, mas é tão legítima quão irreversível, como forma última de sacudir o jugo. 

Imagem: Mapa referente às exportações dos Estados Undos e de dois de seus mais intrínsecos periféricos: o Canadá e o México. O poder que os Estados Unidos exercem sobre essas duas de suas periferias mais próximas, torna-se vidente com a interpretação que se faz através deste mapa.

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