Jorge
Bateira – jornal i, opinião
As
implicações da fórmula jurídica utilizada para lidar com a falência do BES mal
começaram a manifestar-se. É bem possível que a desconfiança dos depositantes
tenha crescido nos últimos dias e já esteja a pôr à prova a fleuma do
governador do Banco de Portugal (BP) e da sua chefia em Frankfurt. Porém ,
a procissão ainda vai no adro, como sugerem as notícias que vamos recebendo
sobre o Montepio e, pasme-se, sobre a integração do BES Angola no balanço do
Novo Banco. Pelos vistos, as perdas causadas pelo regabofe financeiro de Luanda
terão de ser "resolvidas" pelo banco que devia ter ficado apenas com
a parte boa do BES. Carlos Costa vai ter de explicar melhor os seus critérios,
a menos que se trate de uma decisão tomada por um primeiro-ministro a banhos na
praia da Manta Rota.
Seja
como for, a questão central é esta: será mesmo verdade que as perdas do sistema
financeiro (do BES e de outros bancos, veremos) vão ser pagas integralmente
pelo próprio sistema financeiro? Pela letra da lei que dá cobertura à
intervenção do BP, a resposta é afirmativa. E se os bancos não estiverem em
condições de solvabilidade para entregarem ao Fundo de Resolução as
correspondentes contribuições extraordinárias, quem paga? Como o caso do
Montepio sugere, é bem possível que várias instituições financeiras não tenham
condições para reforçar o Fundo de Resolução em montantes significativos. Dado
que este é gerido pelo Banco de Portugal, até há quem diga que a dívida acabará
por ficar a cargo do governo português, no quadro do empréstimo contraído junto
das instituições da troika, ficando os bancos a pagá-la, suavemente, ao longo
de muitos anos. Note-se que, num contexto de normalidade, o esquema de
resolução até poderia funcionar e pouparia os contribuintes. Porém, o que
estamos a viver é tudo menos normal. A deflação ameaça estender-se ao conjunto
da UE, o que só agrava o crédito malparado de famílias e empresas e torna a
dívida pública (ainda mais) insustentável, pelo que não parece que a finança
tenha condições para se salvar a si mesma. Essa é a tarefa de um banco central.
Dado
que a união bancária está a dar os primeiros passos, muito lentamente por
imposição da Alemanha, ainda não existe um fundo de resolução de escala
europeia para acudir aos bancos portugueses, ou outros. Assim, encaminhamo-nos
para uma situação em que o Banco Central Europeu (BCE), uma vez mais, falha num
papel que é próprio de qualquer banco central, o de garante da estabilidade do
sistema financeiro. Note-se que os empréstimos do BCE aos bancos, seja através
da sede em Frankfurt, seja pela sucursal em Lisboa, não envolvem qualquer risco
para os contribuintes. É preciso não esquecer que, ao creditar uma conta de um
banco em dificuldades, como ocorreu recentemente com um empréstimo de
emergência ao BES, o banco central está a exercer a sua competência básica de
prestamista de último recurso; não está a endividar o Estado. Aliás, nenhum
banco central vai à falência, ao contrário do que sugerem alguns
"analistas", talvez mentalmente colonizados pela retórica do
ordoliberalismo alemão. Como também não há bancarrota para um Estado que
disponha de soberania monetária, pois, de uma forma ou de outra de acordo com o
quadro jurídico em vigor, o banco central financia o Tesouro a uma taxa de juro
quase nula. Pode acontecer que, em certas condições macroeconómicas, o
financiamento monetário ao Estado não seja desejável, mas a verdade é que ele
garante a reciclagem de qualquer dívida em moeda soberana no momento do seu
vencimento.
Pelo
contrário, dentro do euro, o Estado português está sob permanente chantagem dos
operadores financeiros que, com o maior descaramento, indicam aos governos
eleitos as políticas, o modelo de sociedade e até a Constituição que lhes
agrada. Os europeístas da esquerda que defendem o euro, na prática, aceitam a
ditadura da finança sobre o povo (ver Michael Pettis, "The war between
workers and bankers"). Não foi por acaso que a extrema-direita deu um
grande salto nas eleições para o Parlamento Europeu. O que mais será preciso
para que a sociedade portuguesa abra os olhos?
Economista,
co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas
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