Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Em
torno da discussão sobre a "atualização" do salário mínimo nacional
(SMN) - folhetim que o Governo prolongou para ir impondo medidas prejudiciais
aos trabalhadores -, os argumentos do Governo, dos atores sociais que com ele
fizeram um "acordo" e de muitos comentadores de serviço situaram-se,
quase só, nos planos da economia e da solidariedade social. Ora, o SMN não é um
subsídio social; jamais pode ficar dependente apenas dos fatores económicos; e
os princípios e práticas do neoliberalismo que nos "governa" renegam
não apenas a valorização e universalização do SMN, mas até a sua existência.
A
Constituição da República (CR) determina no seu art.o 59, n.o 2, a ), que incumbe ao Estado
"o estabelecimento e atualização do salário mínimo nacional, tendo em
conta, entre outros fatores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do
custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências
da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o
desenvolvimento". Significa isto que o lugar e valor pecuniário do SMN
dependem sempre de fatores económicos, sociais, culturais e políticos; têm como
pressuposto que o trabalho produz riqueza que deve ser justamente repartida;
que a sua fixação precisa de ter em conta múltiplas questões de interesse geral
da sociedade para o seu processo de desenvolvimento.
Estes
interesses gerais não se confundem com meros objetivos de produtividade e
competitividade, tanto mais que, nesta sociedade capitalista, o rendimento
colocado à disposição dos trabalhadores entra de forma mais direta, mais rápida
e mais transparente no processo de trocas e na dinamização de atividades úteis.
O
salário, ou retribuição, é uma prestação pecuniária que o patrão (empregador)
tem de efetivar como contrapartida do trabalho de que beneficia. E, se
recordarmos a Agenda do Trabalho Digno da OIT, há que evitar práticas salariais
próximas da linha da pobreza. A função redistributiva do salário deve ser feita
em patamares que situem o desemprego, as precariedades, as práticas atípicas de
trabalho como realidades chocantes. Não ter esta perspetiva é cair na aberração
de tornar o trabalho "normal" sinónimo de condenação à pobreza. É
admitir uma guerra social permanente, resultante do não reconhecimento do
direito universal a uma vida digna.
Na
análise deste processo do pequeno aumento do SMN (17,8 euros líquidos), importa
pôr a claro:
i)
Incumbe ao Estado (Governo) a responsabilidade de atualizar o SMN. O Governo
não pode esconder-se por detrás do biombo de um qualquer "acordo" da
concertação social para não assumir as suas responsabilidades, ou para reforçar
interesses e poderes patronais. O papel e o funcionamento da concertação
social, que é presidida pelo Governo, estão muito degradados.
ii)
O Governo não tem o direito de utilizar dinheiros da Segurança Social para
contrapartidas aos patrões. Encenam que a Segurança Social está falida, mas a
cada passo utilizam-na como a vaca leiteira que até serve, como no Estado Novo,
para benefícios diretos aos empresários. A UGT jamais devia viabilizar tal
procedimento e talvez precise de observar o significado dos elogios de Portas e
do CDS. Portas está aí, de novo, como "grande estadista", manipulando
áreas do trabalho e do social, e acenando a empresas com cheques de novas
remessas financeiras.
iii)
Muitas pequenas empresas vivem em dificuldades, mas um modelo económico e de
relações laborais que desenvolva o país precisa de todo o esforço de
valorização de salários, qualificações e profissões. O efetivo bloqueio do SMN
não emerge das posições das pequenas empresas, ele é feito pelos grandes grupos
e empresas, que assim atingem o objetivo estratégico de manter políticas de
baixos salários.
iv)
Impõe-se um amplo combate ao desemprego, à precariedade, ao trabalho não
declarado, a falsos horários reduzidos que servem para não se cumprir o SMN,
uma valorização de diversas atividades ocupadas por jovens que produzem muita
riqueza com salários baixíssimos, uma efetivação e reforço da contratação
coletiva.
É
preciso convergência de forças democráticas que sustente um forte movimento de
opinião e de luta no terreno, em defesa dos valores do salário e, em
particular, do SMN.
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