quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A CRISE E PORTUGAL



Mário Soares – Diário de Notícias, opinião

Os portugueses, na sua esmagadora maioria, estão convencidos de que o atual governo está no fim. As sondagens mostram que António Costa é de longe o político mais querido dos portugueses. E é um socialista convicto perante um governo sem ideais políticos, que não tem nada que ver com o PSD de Sá Carneiro nem com o CDS de Freitas do Amaral.

É um governo sem valores nem ideais políticos, para o qual o que conta é o dinheiro. Por isso, obedece à troika, por sua vez dominada pelos grandes magnatas económicos americanos. É certo que a crise que Portugal tem sofrido começou na Irlanda, passou para a Grécia e só depois chegou a Portugal. E que foi a austeridade imposta pela senhora Merkel, que embrulhou tudo na União Europeia e ainda hoje, infelizmente, continua intacta em Portugal. A verdade é que enquanto a austeridade existir nada pode melhorar na União Europeia.

Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu - de que é segundo responsável o nosso muito inteligente Vítor Constâncio -, tem feito o que pode para ajudar os países europeus que mais têm sofrido com a austeridade. Com razão. Porque, como disse Sua Santidade o Papa Francisco, a austeridade mata. Mas a senhora Merkel insiste na austeridade e talvez, por isso, esteja hoje em decadência, sem que lhe comprem os seus produtos. Porquê? Porque os Estados obrigados à austeridade não têm dinheiro para os comprar...

A senhora Merkel ainda quis negociar com a Rússia de Putin, mas com a guerra da Ucrânia deixou de o poder fazer. E a Alemanha está hoje numa situação muito difícil. É certo que a União Europeia está também em grandes dificuldades. Mas, note-se, os seus dirigentes estão à beira de ser substituídos, como é o caso de Durão Barroso, e portanto tudo vai mudar. Os representantes dos partidos que estão no Parlamento Europeu sublinham a necessidade de participação dos partidos, alguns de direita, mas também socialistas e sociais--democratas e outros, infelizmente poucos, democratas-cristãos.

Só com gente séria é que se pode acreditar nos partidos referidos e a crise da União Europeia pode passar, com o auxílio americano, e voltar a ser o que foi. Bem como o euro. É o que começa a ser percebido na Suécia, por exemplo, que voltou a ser social-democrata, embora ainda minoritária. Noutros países, como a Itália dirigida pelo presidente Napolitano, a França do primeiro-ministro Renzi e, embora tenha grandes dificuldades, a Espanha do socialista Pedro Sanchez, líder muito inteligente do PSOE, a Grécia, onde o atual líder é de direita mas tem estado contra a austeridade, e - diga-se - Portugal, com a esmagadora vitória do socialista António Costa, que, segundo as sondagens da Universidade Católica, representa 45% das intenções de voto nas próximas eleições legislativas.

O mundo, contudo, vai de mal a pior e em todos os continentes há guerras terríveis. Como nunca. Como se sabe, os grandes magnatas económicos americanos, que têm vivido do petróleo, extraído a grandes profundidades, pondo em causa os oceanos, descobriram que a exploração de petróleo e de gás tinha menos importância e valor dada a exploração de gás extraído do xisto. Daí que a produção de petróleo, cujo preço também baixou em Portugal e, particularmente, em Angola, o que é grave para toda a lusofonia. É óbvio que a União Europeia tem de mudar a breve prazo e os seus antigos líderes serão substituídos por outros, creio, bem melhores. Tudo isso se vai refletir em Portugal como nos outros 27 Estados da União Europeia.

Nessa perspetiva é que António Costa, o líder socialista português (e o mais votado de todos os partidos), vai na próxima eleição, se não for antes, como devia, eliminar o atual governo, cuja coligação se odeia entre si, como todos os dias os jornais mostram. No entanto, o Presidente da República, que fala o menos possível, fará tudo para manter Passos Coelho no poder, enquanto for possível. Mas que poder, quando o governo está paralisado em absoluto e não tem qualquer ideia nova para mudar a situação crítica em que se encontra? Em particular, em relação ao caso BES, que só confunde, e ao Banco de Portugal, que só faz disparates e dos mais graves.

Cada vez há mais pobreza e desemprego e o desentendimento entre os ministros do partido positivista de Passos Coelho e o do viajante Paulo Portas é uma constante. Como se sabe, não se entendem e estão à espera do dia em que se demitam, como já alguns secretários de Estado começaram a fazer. Para quê? Para nada. Portugal está desertificado no Interior e o Litoral está mal e ficará ainda pior no final do ano. Os meses que vão correr até dezembro vão ser muitíssimo duros. Assim se destrói um país com oito séculos de história, em que os chineses querem mandar...

PS: Faleceu há dias o intendente Baltazar Ferreira, que durante dez anos, em que fui presidente da República, dirigiu a segurança da Presidência da República. Foi sempre uma pessoa extremamente amável, que nunca magoou ninguém, em especial os que estavam sob a sua direta dependência, bem pelo contrário. Por isso tanta gente esteve na sua despedida, que tanto me custou, apesar de o ter visitado já bastante doente.

PS 2: Baptista-Bastos, um grande jornalista, sempre atento ao que se passa de mal no nosso país, foi infelizmente afastado. Lamento muito, porque sempre o considerei um grande valor e tenho muita admiração por ele.

PS 3: Não sendo religioso, tenho seguido com muita atenção tudo o que tem defendido o grande Papa Francisco. É alguém que tem vindo a dar à Igreja um novo rumo de grande importância. Nos últimos dias bem o demonstrou, com a abertura de espírito que sempre se tem imposto.

Sem comentários:

Mais lidas da semana