Havana
enviou mais de 90 médicos à África Ocidental para combate à epidemia. Em
entrevista à DW, chefe do escritório da Organização Mundial da Saúde na ilha
afirma ser importante reconhecer a capacidade de ação do país.
Um
grupo de 94 profissionais da saúde cubanos foi para a África Ocidental nesta
quarta-feira (22/10), para combater a epidemia do ebola. Eles se juntam aos 165
que já estão em Serra Leoa
prontos para começar a atuar. Os médicos e enfermeiros cumprem um acordo
assinado entre Havana e a Organização Mundial da Saúde (OMS) válido para os
próximos seis meses.
Para
José Luis Di Fábio, chefe do escritório da OMS na ilha há três anos, é
importante que o mundo reconheça a "incrível capacidade de resposta de
Cuba" diante de situações de crise.
Di
Fábio ajudou a intermediar as negociações depois da solicitação feita pelo
secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, e pela diretora da OMS,
Margaret Chan.
Atualmente,
mais de 4 mil médicos cubanos atuam na África – dois mil só em Angola. "Os
países africanos carecem de recursos humanos, muitos presidentes já solicitaram
ajuda ao país. Na Guiné, antes da epidemia do ebola, já havia uma brigada
cubana e sem Serra Leoa também", afirma Di Fábi, em entrevista à DW.
DW: Na
opinião do senhor, por que esse chamado das Nações Unidas foi feito para Cuba?
José
Luis Di Fábio: Em fins de julho, a diretora da OMS, Margaret Chan, esteve
em Cuba para acompanhar a inauguração do Centro Estatal Médico para Controle de
Medicamentos. Durante a visita, ela se emocionou, digamos assim, ao entender
mais sobre a cooperação médica cubana, incluindo a educação médica do país para
o exterior.
Ela
esteve na Unidade de Cooperação Médica, onde há o registro histórico das
cooperações em saúde, viu a preparação de médicos que já foram para o Haiti e
participaram de outras missões e, realmente, entendeu e reconheceu a capacidade
que Cuba tem de apoiar os países numa cooperação Sul-Sul.
Durante
uma conversa sobre continuidade de cooperações, surgiu a ideia de que Cuba
pudesse trabalhar formando equipes de resposta rápida em caso de desastres e
outros tipos de emergências. E, há duas semanas, ela pediu então apoio a Cuba
para combater o ebola.
Quantos
profissionais estão a caminho da África e para onde seguem?
Segundo
o acordo, serão 300 profissionais. Primeiramente, foram 165 a Serra Leoa, dos quais
62 são médicos. Depois, a pedido dos governos locais, foi decidido enviar mais
53 para a Libéria e 38 para a Guiné.
Eles
já estão prontos para trabalhar?
Eles
fizeram a primeira parte da capacitação em Cuba. Recebemos
profissionais de Washington e especialistas que já haviam trabalhado em Serra Leoa , diretamente
com pacientes. Eles explicaram sobre a doença, as condições de vida no local,
como vestir-se adequadamente, os tipos de proteção pessoal. Foi muito
importante poder ouvir desses profissionais quais são as rotinas diárias, os
problemas que enfrentam no terreno.
Quando
a equipe cubana chega à África, faz outras capacitações até chegar ao centro de
tratamento. Ela já chegou, mas ainda não está trabalhando. Ainda estão sendo
preparadas as condições para que possam atuar. Primeiro: precisavam do processo
de capacitação e, enquanto isso, as instalações, os centros de tratamento de
ebola, estão sendo montados.
A
ideia é trabalhar em forma conjunta, não dispersar a equipe. Caso contrário, a
capacidade de organização se perde. É preciso identificar onde é mais
apropriado trabalhar. No caso de Serra Leoa, deve ser em Freetown, a capital, e
talvez em Port Loko.
Outros
países da América Latina ofereceram ajuda? Cuba é um caso especial?
Cuba
é um caso especial, digamos, pela capacidade rápida de resposta que teve, pela
vontade política e pela própria experiência dos médicos. Trata-se de
profissionais de saúde que já estão acostumados a trabalhar em missões, muitos
deles já estiveram inclusive na África. Não conhecem o ebola, mas conhecem o
território.
A
Venezuela já havia doado 5 milhões de dólares para apoiar a luta contra o
ebola. E a ministra da Saúde no Equador acenou que iria apoiar com recursos
financeiros a campanha contra a epidemia.
O
Brasil apoiou com alimentos. Existe a parte médica, mas é preciso pensar que é
preciso todo um processo de assistência. O Brasil mandou medicamentos, ajuda
humanitária em alimentos de cerca de 5 milhões de dólares, segundo entendi. Mas
isso não foi via Organização Mundial da Saúde, mas via Programa Mundial de
Alimentos das Nações Unidas.
Com
tantos médicos cubanos agora em ação na África, não há problema com falta de
médicos em Cuba?
Não,
não afeta os serviços e a população cubana. A população médica em Cuba é de
mais de 80 mil.
Como
funciona exatamente a parceria? Os médicos que seguem para a África recebem
salário?
Eles
estão contratados seguindo a forma de contrato comum da OMS, ou seja, como
qualquer assessor que presta serviço. Normalmente, paga-se a passagem e uma
diária. O valor depende do lugar onde o profissional vai atuar. A diária tem um
componente de alojamento, alimentação e gastos pessoais.
De
quanto é a diária?
Depende
do local. É um valor estabelecido pelas Nações Unidas, que varia também em
alguns meses, dependendo do câmbio da moeda. Por exemplo, em Havana, a diária é
de 170 dólares. Em outros países, pode ser de 120. Creio que são 230 dólares
por dia na África, mas 60% do valor é para cobrir estadia.
Qual
é a importância da ajuda de Cuba?
É
uma ajuda importante não só para a OMS, mas para todo o mundo. A ideia é apoiar
os países da África Ocidental a conter a doença e exterminá-la na África. Mas,
ao mesmo tempo, é uma barreira de defesa para o resto do mundo. Se não se
controla o vírus na África, ele pode chegar a Estados Unidos, Alemanha, Brasil,
Japão, etc.
Então,
realmente, os cubanos estão protegendo as fronteiras. E são não houver mais
países que ofereçam recursos humanos, seguirão sendo os únicos.
Mais
países mostram interesse em apoiar a iniciativa da OMS na África Ocidental?
Eu
represento a OMS em
Cuba. Imagino que a solicitação tenha sido feita a todos os
países. Na última segunda-feira (20/10), o médico David Nabarro, enviado
especial do secretário-geral da ONU, disse que foi muito importante a ajuda de
Havana. Ele disse que o total de 265 trabalhadores cubanos é maior que a soma
de todos os outros países juntos. E que a partir dessa quarta-feira, dia em que
chega o restante da equipe, o número passará a ser maior que o do Médicos Sem
Fronteira ou da Cruz Vermelha, maior que o número de profissionais enviados por
Estados Unidos, Reino Unido e China.
Como
o mundo olha para Cuba depois dessa parceria com a OMS?
Acredito
que poderia haver mais reconhecimento. É incrível o que Cuba pode fazer. A
vontade política e a vontade humana da população. Quando houve um terremoto no
Paquistão, em 2005, foram enviados 2 mil médicos em 48 horas. Foram os
primeiros que chegaram ao Paquistão e os últimos a sair, estiveram lá quase
seis meses. No Haiti também. Depois de 24 horas, profissionais cubanos já
chegaram para ajudar, e continuam lá.
Nádia
Pontes – Deutsche Welle
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