“DOS SANTOS MANTÉM A “CEGUEIRA”
Folha
8 Digital, 22 novembro 2014
O
escritor angolano mais referenciado no mundo das letras, pela acutilância e
equidistância das suas obras, trouxe a tona, algo que temos, nestas páginas
do F8, vindo a vaticinar como cenário mais que provável, em Angola: uma
explosão social dos pobres, contra alguns dos ricos corruptos, alojados nos cadeirões
do poder.
José
Eduardo Agualusa, que lançou no 18.11, em Lisboa a mais recente obra literária:
“A vida no céu”, em entrevista de antevisão concedida a Lusa, não deixou de
reflectir sobre as nuvens tenebrosas que cobrem, cada vez mais, os céus de
Angola e, com mais certezas que dúvidas avança.
“O
regime de José Eduardo dos Santos mantém a cegueira em relação aos mais
desfavorecidos e ignora totalmente a miséria da população, vivendo uma espécie
de endocolonialismo”, afirmou peremptório, numa quase proximidade com o
cenário criado para o livro, “os ricos vivem em dirigíveis luxuosos - com nomes
de grandes cidades reais, como Paris - e os pobres remedeiam-se em
balsas-balão, depois de um dilúvio ter impedido todos de continuarem a viver na
terra, obrigando-os a mudarem-se para o céu”.
Este
ambiente, no entanto, diz Agualusa “é a história do mundo em suspensão, mas, na
terra como no céu, as diferenças sociais persistem”, esclarece, quando instado
a falar sobre a fonte inspiradora da obra, lacónico diz ter precisado de “abrir
a janela e respirar um pouco de ar”, para fazer a diferença com “A vida no
céu”, mais arejado dos demais, considerados pelo próprio autor, como “mais
densos, pesados, complexos, obscuros, dolorosos até”. Esta obra, Agualusa
gostava de ter lido quando tinha 16 anos, a idade do seu filho mais velho, que
vive em Angola, onde, actualmente, o regime tem “medo de uma dúzia de jovens”
que, volta e meia, se manifestam nas ruas. Sendo verdade que hoje os jovens de
16 anos, em Portugal ou Angola, “partilham referências culturais”, o escritor
distingue o acesso do filho à internet, à cultura, ao mundo, realçando que
“nem todos os angolanos têm essas facilidades”.
Esta
desigualdade estende-se a outras mais, que adentram a alma da maioria dos
autóctones e, segundo a própria cartilha comunista, que inspirou o regime, são
uma clara demonstração de estarem “reunidas condições para revolta de larga
escala em Angola”, pois na sua óptica o país “é uma falsa potência, onde
domina a falta de inteligência”, por parte de quem detém o poder, “um pequeno
grupo de pessoas, todas ligadas ao partido no poder: MPLA, que continua a viver
em situações de luxo ostensivo”, diz. Como o passado ensina que “países com
extremas desigualdades sociais” não são países seguros, mas sim “território
privilegiado para revoltas, para revoluções”, Agualusa diz que “ninguém ficará
muito admirado se acontecer amanhã uma revolta popular”. Disso são exemplo,
considera, as “situações de violência urbana” registadas nos últimos dias.
“O
pior de tudo é a falta de inteligência [do regime]. A mim, o que me assusta
mais, sempre, é a estupidez. A estupidez é aquilo que me aterroriza mais. E
quando a estupidez tem poder, isso então é particularmente assustador”,
considera. Na sequência da “falta de inteligência”, vêm “a corrupção, a
maldade”. Mesmo “a violência é uma desistência da inteligência”, vinca. Angola
“é uma falsa potência”, uma “ilusão”, sustenta. “Não foi capaz de vencer o
paludismo, a doença do sono voltou”, critica o escritor, contestando a ideia
de que Angola “está a colocar dinheiro” em Portugal.
“Não
é Angola, são dez famílias angolanas, são alguns angolanos, que enriqueceram,
muitos deles sem ninguém saber muito bem como (...), e que aplicam o dinheiro
em Portugal”, distingue. “Angola, infelizmente, tem ainda um caminho muito
longo a percorrer no sentido do desenvolvimento básico. A esmagadora maioria
dos angolanos sobrevive com quase nada, um dólar por dia”, recorda Agualusa.
“Está tudo por fazer”, resume.
“Educação
é fundamental. Como é que um país pode querer ser uma potência se não foi capaz
de educar a sua população, se a sua população não lê livros, se não tem
médicos, não tem engenheiros, se não tem quadros? Se nem sequer tem uma
política de captação de quadros, o que é uma coisa escandalosa?”, indigna-se o
autor, que, no livro, dá corpo ao “desejo” de ver em Luanda uma “aldeia-biblioteca”.
Por mais interesse que estrangeiros - entre os quais portugueses, em número
crescente -tenham em ir para Angola, “a política que existe é para dificultar
a entrada de quadros, não para facilitar”, critica.
Num
tempo em que as pessoas se movem, “mas estão sempre no mesmo lugar”, Agualusa
diz que vai continuar a escrever sobre o sonho. Nos planos, estão “pelo menos
mais dois livros desta série d’a vida no céu”, a pensar num público
adolescente, mas não em exclusivo. “Deixámos de dar importância ao sonho”,
lamenta o escritor. “O sonho cumpre um papel na vida das pessoas, é importante
voltar a sonhar”, num tempo em que a internet e a televisão impõem “sonhos
alheios” e acabam com o fabrico próprio.
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