Fiódor
Lukianov, analista político - Ilustração: Konstantin Maler, em Pátria Latina
Tensão
na cúpula em Brisbane será compensada pela heterogeneidade de vozes
Nos
dias 15 e 16 de novembro, a cidade australiana de Brisbane receberá os
principais líderes do mundo em uma nova reunião do G20. Os turbulentos
acontecimentos em torno da Ucrânia, o dissolução do G8 e as declarações
grosseiras do primeiro-ministro australiano, Tony Abbott, em relação à Rússia,
nos permitem olhar o encontro sob o prisma do conflito. Porém, este é apenas um
episódio no processo de formação da nova ordem mundial, na qual o G20 pode
desempenhar um papel importante.
No
contexto das instituições tradicionais, que com dificuldade se adaptam às
rápidas mudanças da situação internacional, o G20 é uma estrutura nova, criada
precisamente para responder aos desafios atuais. Evidentemente, não possui a
legitimidade universal da ONU, já que não se apoia em estatutos formais nem
critérios de filiação. Em compensação, a composição é representativa, os seus
Estados não são apenas economicamente influentes e ricos, mas muito
diversificados, além de não estarem unidos por questões culturais ou
ideológicas.
No
ano passado, a presidência dos G20 coube à Rússia, e todos os participantes
concordaram que Moscou cumprira com sucesso a sua função. A apoteose foi a
reunião de líderes em
São Petersburgo , onde foram realizadas consultas que
permitiram impedir uma nova guerra no Oriente Médio e encontrar uma solução
viável para o problema das armas químicas de Bashar al-Assad.
Hoje,
contudo, os feitos de há um ano parecem ter ficado em um passado distante. A
crise política ucraniana agitou o mundo, e a Rússia, que deveria presidir o G8
em 2014, foi afastada e excluída do fórum. Oficialmente, o G8 se diluiu devido
à Crimeia, mas a verdade é que a Rússia era há muito tempo vista ali como um
elemento estranho.
Nesse
contato, há motivos de sobra para crer que a cúpula na Austrália será tensa.
Alguns países tentarão mostrar oposição a Moscou, enquanto outros destacarão a
importância de ações conjuntas para estimular a economia global. A Rússia, por
sua vez, dedicará grande atenção ao G20, pois neste formato Moscou nunca estará
sozinho.
O
trabalho em configurações de orientação ocidental aos quais estamos mais
habituados é pouco eficaz atualmente. A própria experiência do Conselho
Rússia-Otan, e até mesmo a OSCE, com toda a heterogeneidade e utilidade
instrumental dessa organização, reproduzem o mesmo cenário: a Rússia de um
lado, e o restante, do outro.
Já
no G20, isso é impensável. O debate acalorado sobre a Síria em setembro de 2013
demonstrou, por exemplo, a divisão entre os defensores da abordagem
norte-americana e da russa. A presença no grupo de países muito influentes que
não seguem os passos de Washington – sobretudo os Brics – dá espaço para
manobra e para a criação de coalizões.
Além
disso, a Rússia não esconde seu interesse de que o G20, que surgiu como uma
plataforma para discutir a economia global, seja oficialmente ampliado à esfera
política. Afinal, a política tem mais do que nunca um grande impacto sobre a
economia.
*Fiódor
Lukiánov é presidente do Conselho de Política Externa e de Defesa da Rússia.
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