No
sábado, na cidade australiana de Brisbane, a cúpula do G20 inicia os seus
trabalhos. Aí, dirigentes dos 19 maiores países do mundo e da UE irão resolver
tarefas da economia global. Na véspera da partida para a Austrália, O
presidente da Rússia, Vladimir Putin, em uma entrevista exclusiva à Tass,
abordou as questões que planeja levantar nos encontros com os seus colegas.
– O senhor presidente vai participar em
mais uma cúpula do G20. Até que ponto este formato continua sendo necessário,
atual e até que ponto é lógico que países do G20, ao mesmo que tentam cooperar
e desenvolver a economia global, impõem sanções a um dos membros do G20?
– Esse formato é necessário ou não? Penso que
sim. Por quê? Porque o G20 é o lugar ou o palco onde nos podemos encontrar,
analisar também as relações bilaterais, os problemas globais e pelo menos
chegar a uma compreensão comum sobre a essência do problema e como o resolver,
mostrar a via do trabalho conjunto.
Isto
é o principal, porque é absolutamente irrealista esperar que tudo o que lá for
analisado venha a ser realizado, tendo em conta que as próprias decisões não
têm caráter obrigatório. E parcialmente não são cumpridas. Elas não são
cumpridas onde e quando não correspondem aos interesses de alguém, antes de
tudo trata-se dos interesses dos jogadores globais. Mas isso não significa que
se trate de um formato inútil. Tem utilidade.
– Talvez
tornar obrigatórias essas decisões?
– Isso é impossível. Você sabe que não
existem exemplos desses na prática internacional. À exceção das decisões das
questões do Conselho de Segurança na esfera da própria segurança internacional.
Mas isso foi realizado em condições muito difíceis da sangrenta Segunda Guerra
Mundial. Hoje, é simplesmente irrealista imaginar a elaboração de mecanismos que
garantam a execução, tanto mais na esfera da economia. Mas, repito, tudo isso
tem um caráter moralmente político-econômico. Isso por si só já não é mau.
Agora,
quanto ao facto de alguns países do G20 imporem sanções contra a Rússia da
parte do G20. Claro que isso contradiz o próprio princípio da atividade do G20,
mas não só da atividade e dos princípios de funcionamento do G20, isso
contradiz também o Direito Internacional, porque as sanções podem ser impostas
apenas no quadro da Organização das Nações Unidas e do seu Conselho de
Segurança.
Mais,
isso contradiz até os princípios da OMC, o Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio, o chamado GATT. Os Estados Unidos criaram essa organização, mas,
agora, violam grosseiramente estes princípios. Isso é prejudicial e claro que
nos provoca certos danos, mas também é prejudicial para eles, porque, no fundo,
mina todo o sistema das relações económicas internacionais.
– No G20 formou-se um certo equilíbrio
de forças: por um lado, o G7, e, por outro lado, os países BRICS e alguns
Estados que se juntam a eles. Partindo do que o senhor presidente disse, cada
um defende os seus próprios interesses, como imagina esse equilíbrio de forças:
é uma discussão de onde nasce a verdade ou é um confronto completamente novo
dos dois blocos?
– Primeiro, parece-me que seria muito mau se
se começasse novamente a criar quaisquer blocos. Isso não é nada construtivo,
seria mesmo prejudicial para a economia mundial. Nós não estamos agora a falar
em economia?
– Economia onde a política se ingere
cada vez mais.
– Isso é verdade. Mas não obstante, o G20 é,
antes de tudo, um fórum económico. Eu já citei a OMC, que formulou determinadas
regras de jogo. Foi criado um mecanismo como o FMI. Discute-se também o
aperfeiçoamento dos mecanismos financeiros internacionais e das relações
económicas. Sabe que a chamada volta de conversações de Doha no quadro da OMC
se encontra, no fundo, num beco sem saída. Por quê? Devido à diferença de
abordagens e à diferença de interesses entre as economias em desenvolvimento e
as economias desenvolvidas, ao mesmo tempo que surge um desequilíbrio no campo
do capital num caso e, noutro, surgem desequilíbrios no campo das correntes
comerciais.
Nas
economias desenvolvidas há muito capital livre e a questão está no investimento,
eficaz e fiável, no investimento seguro desses capitais nas regiões e nas
economias do mundo que garantam estabilidade, defendam a propriedade e gerem
algum lucro, traga uns ou outros rendimentos às economias desenvolvidas. Por
isso, eles exportam capital e os países em desenvolvimento formam as correntes
comerciais.
Uns
precisam de estar confiantes em que os seus capitais serão seguramente
investidos, enquanto que os outros devem estar confiantes de que não mudarão as
regras de jogo tal como querem os que exportam capital, nomeadamente por
considerações políticas, nomeadamente.
Mas
todos devem compreender que a economia e as finanças se encontram hoje
completamente independentes uma da outra.
No
nosso caso: suponhamos que os parceiros limitaram o acesso das nossas
instituições financeiras aos mercados financeiros internacionais. Nós, com os
capitais que atraímos dos mercados financeiros internacionais, financiamos as
nossas instituições financeiras e empresas que adquirem produção acabada nessas
economias desenvolvidas e garantem lá locais de trabalho, apoiam a esfera
social e o crescimento da economia. Se não fizermos isso, lá surgirão
problemas. Trata-se de coisas profundas que, à primeira vista, talvez não
estejam à superfície.
À
custa do nosso trabalho com a Alemanha aí são mantidos 300 mil empregos. Se
deixarmos de fazer aí encomendas, acaba-se tudo. Eles talvez se reorientem, mas
é preciso saber para onde. Isso não é nada simples.
Por
isso é necessário resolver todas as tarefas, dificuldades (que são muitas) que
surgem. E se enveredarmos por outra via... Por exemplo, agora, os Estados
Unidos falam da criação de duas uniões: uma Transatlântica e a outra
Transpacífica. Se se tratar de dois grupos fechados, isso, no fim de contas,
não conduzirá à liquidação, mas ao aumento dos desequilíbrios na economia
mundial. E claro que nós queremos que esses desequilíbrios não existam para que
possamos trabalhar juntos. Mas só poderemos resolver essas questões em
conjunto.
Porque
há 20, 30, 50 anos atrás, a situação era outra. Porque é que eu afirmo com
tanta convicção que só em conjunto poderemos resolver com eficácia? Quanto à
paridade do poder de compra, o PIB dos países BRICS já é maior do que igual
índice dos países do G7: se não me engano, o do BRICS é de 37,4 triliões de
dólares, enquanto que o do G7 é de 34,5. E se vierem dizer agora: “Não, nós
vamos fazer separadamente aqui assim e assim, e vocês façam como quiserem”?
Isso não provocará mais do que um posterior desequilíbrio. Se quisermos,
precisamos de resolver juntos.
– Hoje fala-se do aparecimento de um
novo G7, precisamente os países BRICS, a Indonésia, a Turquia e o México.
Considera que esse formato tem futuro?
– Já disse: é preciso resolver em conjunto,
porque tudo está interligado no mundo moderno e, se se criar uniões regionais,
como nós criamos uma união regional: a União Económica Eurasiática com a
Bielorrússia e o Cazaquistão, elas devem ser apenas um complemento aos
instrumentos globais existentes, que devem trabalhar segundo essas normas
globais.
– Uma
das propostas da presidência australiana do G20 é a criação de um centro de
investimentos em
infraestruturas. Para a Rússia, que tornou prioritários os
projetos de infraestruturas, isso é positivo? Ou não se irá enquadrar com o
nosso trabalho devido às ditas sanções?
–
Aqui não é preciso enquadrar nada, nem chegar a acordo sobre alguma coisa. Isso
simplesmente mostra, e é difícil não estar de acordo com o governo australiano,
que estamos no caminho certo, que agimos absolutamente na via correta; que a
comunidade internacional, económica, neste caso, mantém os mesmos pontos de
vista em relação aos governos na situação que se cria na economia mundial,
simplesmente confirma a nossa razão. Isso é sempre agradável e útil.
– Para
a Rússia, isso será mais ajuda ou será simplesmente um palco onde pode
compartilhar a sua própria experiência?
– Penso que, antes de tudo, é simplesmente um
palco para troca de experiência. E também não é mau, creio, para a preparação
de quadros. Além disso, é, em certo sentido, a continuação das nossas propostas
que formulámos durante a cúpula do G20 na Rússia, em São Petersburgo.
– As cúpulas, seja dos G20, da APEC ou,
antes, dos G8 foram para o senhor presidente uma possibilidade de falar com os
colegas frente a frente. A cúpula que agora se realizou em Pequim foi a sua
primeira viagem ao estrangeiro depois do discurso no Clube de Discussão
Internacional Valdai, uma extensa intervenção programática sobre questões da
segurança global, da ordem mundial. Recebeu alguma reação ao seu discurso dos
líderes ocidentais?
–
Não, no Clube de Valdai tem lugar uma discussão com peritos, é uma espécie de
discussão livre. Talvez mesmo, como deve acontecer nesses lugares, ela tem e
deve tomar um caráter um tanto ou quanto agudo, para dar o tom da discussão,
para provocar mesmo um pouco os parceiros da conversa a fim de que eles se
abram, mostrem o seu ponto de vista, para procurar em conjunto a solução de
problemas ao nível de peritos, mas, quando realizamos encontros bilaterais com
os colegas, aí discutem-se mais questões de caráter pragmático.
– Não
se notou mudança das posições deles, não surgiram questões para com eles? O
senhor não notou?
–
Não, nada muda tão rapidamente. Se alguém quis ouvir o que eu disse, deve
passar algum tempo depois disso para que tudo seja analisado nas respetivas
estruturas administrativas, governamentais, presidenciais. Primeiramente,
analisar ao nível de conselheiros, peritos, depois realizar discussões, sem
barulho, falar sinceramente uns com os outros no silêncio dos gabinetes. Todos
esses palcos de discussão são bons precisamente porque se pode falar
abertamente. Depois, já a outro nível, como eu já disse, no silêncio dos gabinetes
de trabalho, regressar e discutir calmamente isso. Isto exige tempo.
– Na cúpula os G20, planeja conversar
com alguém separadamente?
– Sim, temos encontros aí planejados: com a
chanceler alemã, numerosos encontros.
– Os observadores assinalam que as suas
relações com Angela Merkel se tornaram mais tensas, menos amigáveis nos últimos
tempos. Não notou isso?
–
Não, não notei. Sabe que nós nos orientamos por interesses, e não por simpatias
ou antipatias pessoais.
– Mas antes o senhor também se orientava
por esses interesses?
– Não antes, mas sempre. E ela também se
orienta sempre pelos interesses do seu país. E qualquer outro dirigente de um
país, Estado, governo. Por isso, não vejo aqui nada de substancial no caráter
das nossas relações, não vejo mudanças substanciais.
Entrevista
resumida, em Voz da Rússia
Foto:
RIA Novosti/Michael Klimentiev
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