Rui
Peralta, Luanda
I
- Angola comemorou o 39° aniversário da sua independência, num momento em que a
Catalunha realizou uma consulta popular que resultou numa vitória de 81% do SIM
à independência e que a Europa comemora o 25° aniversário da queda do muro de
Berlim, embora se reforcem muros (como na Palestina e no Sahra) e erguem-se
novos muros, como os muros que impedem emigrantes e imigrantes de serem
cidadãos. 39 anos de Independência no momento em que a Humanidade encontra-se
numa encruzilhada, indecisa se passa a Ultima Fronteira e culmina o objectivo
de uma luta de seculos para abolir fronteiras, muros disfarçados de soberania
nacional, que transformam a humanidade num bando de primatas, sob a capa da
integridade territorial.
39
anos apos a Independência de Angola o mundo necessita de "pontes, não de
muros", como apontou o Papa Francisco. Uma das encruzilhadas da
economia-mundo (logo da Humanidade) è que apenas estabelecem-se pontes entre os
capitais, nunca entre as pessoas. È um espaço de logica invertida, em que o
Homem è um peso morto, um habitante entre muros, um ser dominado pelo medo de
empobrecer, pela superstição do dinheiro, pela tradição dos bens, um
ser-mercadoria, impossibilitado de construir pontes pelos seus mercadores.
Este
è um mundo diferente do de 1975, ano em que Angola afirmou ao planeta: "Estamos
aqui!" Diferente na realidade geopolítica, geoestratégica e geoeconómica.
Em 1975 o mundo era bipolar. Na década de 90, passou a unipolar e hoje è
a-polar. Claro que esta ausência de polaridade implica o seu oposto, a
multipolaridade, o que acaba por confundir os espíritos menos esclarecidos, mas
basta lembrarmo-nos da fome e da fartura, que estão na origem uma da outra. Com
a polaridade geopolítica passa-se o mesmo: è exatamente por serem tantos que
não há nenhuns! Os velhos senhores, em decadência, ainda têm força para
controlar a situação e os novos senhores, apesar da ansiedade, ainda não se
sentem com a pujança necessária ao exercício hegemónico.
E
è neste mundo que os meninos que em 1975, aprendiam à volta da fogueira a ter
uma bandeira e a olhar para o céu com a convicção que as estrelas são do Povo,
comemoram, 39 anos depois, o único que lhes resta: a bandeira! As estrelas,
essas, ficaram só lá mesmo, no firmamento...
II
- No inicio da década de 70 a
inflação afetou implacavelmente os países africanos, tornando inoperantes as
politicas de cooperação e os auxílios diversos. A vertiginosa subida de preços
dos produtos industriais importados pelos países africanos e a estagnação dos
preços das matérias-primas exportadas, alagou ainda mais o enorme fosso enorme
entre as economias africanas e as economias ocidentais.
A
estratégia imperialista (denunciada pela Argélia em 1975) de implantação de
indústrias transformadoras no sector têxtil, siderúrgico, etc., não representou
qualquer vantagem para as economias africanas, não passando de um elemento de
remodelação da divisão internacional do trabalho. Também o aumento do preço do
petróleo - um factor da crise iniciada em 1969 e que atingiu o ponto critico em
1973 - revelou-se um factor negativo para as economias africanas não
petrolíferas (a grande maioria) não apenas pelos seus impactos directos nos
custos dos combustíveis, mas porque muitos governos africanos fizeram uma leitura
errada da situação e acreditavam que o aumento dos preços de todas as
matérias-primas, o que não aconteceu, ou nos casos em que ocorreu (como os
fosfatos e o alumínio), foram ajustamentos reduzidos.
Em
11 de Novembro de 1975, quando Angola proclama a Independência, as
economias da África independente são fornecedoras de matérias-primas, longe,
muito longe, da soberania económica...
III
- A década de 70 inicia-se sob a pressão de um longo período de seca, que
afecta a uma parte da Africa Oriental e toma a drástica proporção do drama da
fome na Etiópia e na Somália. Aos longos períodos de seca adicionam-se factores
como a concentração da produção agrícola nas culturas para exportação (como,
por exemplo, o amendoim no Senegal e o algodão no Chade), que conduziu ao
abandono das culturas de produtos alimentares, a ausência de políticas
criadoras de infraestruturas de irrigação, de apoios à agricultura, a
eliminação dos pequenos proprietários de gado e dos pequenos camponeses, ou a
criação de gado em grande escala, sem levar em conta o impacto ambiental, foram
factores conducentes a catástrofes ambientais, no curto, medio e longo prazo.
Todas
as políticas agrícolas implementadas tiveram como objectivo a exportação,
caindo nos ditames neocoloniais e gerando aberrações como as que ocorreram no
Senegal, que utilizou vastas áreas costeiras para produzir tomates e legumes
para o mercado internacional enquanto os camponeses senegaleses não tinham
arroz. Ora estas políticas que conduziam à fome originaram perturbações sociais
que, no caso do Níger e do Chade, levaram à queda dos respectivos governos e na
Etiópia, onde os 100 mil mortos em consequência da fome, contabilizados em
1973, abalaram profundamente os alicerces ancestrais da velha e caduca
monarquia.
Entre
1969 e 1975, o panorama político africano sofre alterações fundo. Na Somália o
golpe de Estado de 1969 levou o pais a enveredar por uma via não-capitalista de
desenvolvimento, fora da orbita Ocidental (Os zig-zags da sua direcção politica
foram de tal ordem que o país voltou à esfera neocolonial, acabando por
desintegrar-se). Em 1972 o Gana e o Madagáscar - dois sólidos aliados do
Ocidente - sofrem alterações políticas. O Gana, que durante meses passou por um
perturbado processo de contestação social, dominado por um regime dialogante
com Pretoria, assiste a um golpe militar progressista. O Madagáscar, outro
Estado aberto ao diálogo com Pretoria sofre uma vaga de protestos,
manifestações e greves, que levaram à queda do governo. Em 1974 a Etiópia - o mais
antigo Estado africano e um dos mais seguros aliados de Washington no
continente - è abalada por uma vaga grevista em Adis Abeba , que origina
um golpe militar que depõe o imperador e decreta uma reforma agraria, um ano
depois.
Em
1975, ano em que Angola
proclama a independência, o campo progressista em Africa parecia avançar sobre
o campo neocolonial...
IV
- Com a vitória da luta armada de libertação nacional na Guiné-Bissau, Angola e
Moçambique - na sequência do derrube da ditadura fascista em Portugal - o bastião imperialista na Africa Austral foi abalado e
torna-se inevitável a perda do satélite rodesiano.
As
vitorias dos movimentos de libertação nacional que constituíam a CONCP
(Conferência das Organizações Nacionalistas das Colonias Portuguesas) atinge
duramente os interesses imperialistas, mas igualmente toda a superestrutura do
capitalismo, no sentido em que comportava uma proposta de libertação que era
internacionalista e que eliminava o papel submisso a que a divisão
internacional do trabalho condenava o continente africano.
A
manutenção do domínio colonial português não foi, como alguns defendem, uma
aberração, um absurdo ou um "atraso", mas sim o resultado de uma
situação específica: Portugal, um país subdesenvolvido subjugado por uma
ditadura fascista, guardião ao serviço do imperialismo, tinha como função a
segurança dos recursos naturais e humanos das regiões que colonizou, ou seja,
um fiel-de-armazém. A razão da sobrevivência do colonialismo português reside
na divisão internacional do trabalho. Foi isso que impediu o Portugal
fascista-colonialista de adoptar a política de descolonização neocolonial do
presidente De Gaulle, restando-lhe a guerra.
O
combate, nestas circunstâncias, torna-se um combate por Africa e enquadra-se na
luta global contra o capitalismo. A luta dos movimentos de libertação nacional
inseridos no CONCP, não pretendia apenas conquistar a independência formal (o
regime neocolonial). Foi uma luta cujo objectivo assentava na irradicação da
exploração do Homem pelo Homem e na eliminação do imperialismo e do
neocolonialismo em Africa, etapa fundamental na relação de forças que
caracterizava o cenário geopolítico e geoestratégico da época.
Esta
concepção de luta em Africa era comum ao PAIGC, MPLA e FRELIMO, que definiam um
horizonte mundial decorrente do objectivo de uma independência onde não
florescesse o capitalismo e que não se constituiria uma base do imperialismo. O
projecto de libertação nacional destes movimentos tinha consciência das
contradições e da luta de classes. Este discurso foi uma ruptura total com a
Africa neocolonial.
V
- A África neocolonial em 1975 repartia-se por três vertentes ideológicas que
partilhavam os mesmos valores e os mesmos amos: o micronacionalismo de
Houphouet-Boigny, a negritude de Senghor e a Autenticidade de Mobutu. A
etno-filosofia, a aversão a uma efectiva unidade africana e a submissão aos
interesses neocolonialistas, são a base de sustentação das burguesias
nacionais do continente (em alguns casos agenciadas pelas elites coloniais,
noutros casos negligenciadas pela administração colonial e noutros, ainda,
espoliadas pelo colonialismo) tinham contas a ajustar com o Ocidente, mas
precisando, ao mesmo tempo, do capital dos seus comparsas europeus e
norte-americanos) das elites burocráticas (formadas no colonialismo e
desenvolvidas pelos aparelhos das independências) e das camadas
pequeno-burguesas.
Boigny,
Senghor e Mobutu têm a mesma posição em relação à "comunidade
luso-africana" - ensaiada pela Primavera marcelista em Portugal - e em
relação ao "diálogo" com o regime de apartheid na África do Sul e ao
regime rodesiano. Partilhavam a falsificação da Historia do continente
africano, negando as contradições existentes nas sociedades pré-coloniais (mais
tarde, na década de 90, Mandela manifesta o mesmo credo anti-histórico, quando
refere a "harmonia das sociedades africanas pré-coloniais"). A
"remodelagem" do passado, a mistificação do papel do "chefe
africano" (muito idêntico ao processo com que o fascismo na Europa dos anos
20 e 30, mistificava o líder, o "Dulce", o "führer", o
chefe da nação, etc.). Estas eram (e ainda são, mas já remodeladas ao espirito
afro-capitalista) as armas culturais e ideológicas do neocolonialismo e da
agressão imperialista. Foram estas armas utilizadas contra Angola por Mobutu,
que através dela interferiu na guerra de Libertação contra o colonialismo
português, utilizando Holden Roberto, um velho agente do imperialismo
norte-americano e comparsa próximo de Mobutu (embora alguns dos melhores
combatentes do braço armado da FNLA, o ELNA, fossem fuzilados por ordem de
Mobutu, com aparente complacência de Holden Roberto, apos uma eventual
tentativa falhada de golpe de Estado) e mais tarde ingeriu-se nos assuntos
internos de Angola.
A
tentativa, levada a cabo por Mobutu, de absorção do MPLA pela FNLA era uma das
muitas interferências que o neocolonialismo efectuou, no sentido de neutralizar
as forças progressistas e revolucionarias angolanas. Ao ver os seus intentos
frustrados, Mobutu insulta Neto em público e dificulta o mais possível a
movimentação das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola na zona
fronteiriça do norte, em particular no corredor do Zaire. Apos a independência
de Angola, a parelha Mobutu/Holden tenta tomar militarmente o norte do país e
fizeram planos para realizar uma chacina em Luanda. Gorados os
seus planos, derrotados militarmente em Angola, Mobutu acaba por ter de
concentrar-se na situação interna do Zaire e Holden perde a sua utilidade, como
agente do imperialismo e do neocolonialismo, cujas atenções viram para Pretoria
que atacou o sul de Angola.
Surge
um novo líder agenciado pelo imperialismo, numa fase em que o avanço das forças
progressistas africanas è notório em todo o continente. Esse novo agente era um
velho conhecido do colonial-fascismo português e contava com uma larga
experiencia de relacionamentos com a PIDE (a policia politica do regime
fascista português) e com as Forças Armadas Portuguesas. Tal como a FNLA de
Holden Roberto, também a UNITA de Savimbi contou com o apoio da China,
camuflando as redes de interesses e os apoios ocidentais que constituíram o
grosso da sua logística através de Pretoria.
VI
- As mudanças ocorridas com os principais "agentes internos"
neocoloniais correspondem a novas etapas geostratégicas (curta e média
duração), a novas fases geopolíticas (média e longa duração) e a novos períodos
geoeconómicos (curta, média e longa duração). Assim, o "agente
Holden" è "emparelhado" a Mobutu em função de uma nova fase
geopolítica na Africa Austral (a independência de Angola, que arrasta consigo a
previsível queda da Rodésia, bastião do imperialismo na região), de uma nova
etapa geoestratégica (os avanços das forças progressistas no continente e o
subsequente recuo das forcas neocoloniais) e geoeconómicas (alterações do
padrão-ouro devido a Breton-Woods e o respectivo impacto na economia
sul-africana; a persistência da crise económica no Ocidente e os factores de
aceleração tecnológica na ex-URSS).
O
"modelo Holden" entrou em queda no exacto momento da sua ascensão aos
ombros de Mobutu (o sargento-mor do neocolonialismo). Gorados que foram os seus
intentos, tornou-se evidente que o modelo teria de ser substituído. E
foi...o "modelo Savimbista" (Jonas Malheiro, um velho conhecido das
Forças Armadas Portuguesas e da PIDE, foi colocado como reserva em 1975, ao
cuidado de Pretoria) revelar-se-ia muito mais eficiente. E muito mais viral...
Fontes
Benot,
Y. Ideologias das independencias africanas Ed. Sà da Costa, Lisboa, 1981.
CONCP
La lutte de liberation dans les colonies portugaises: la conference de
Dar-es-Salam CONCP, Argel, 1976 de
Andrade, M. P. La guerre en Angola Ed. Maspero, Paris, 1971
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