Mariana
Mortágua – Expresso, opinião
A
partir do momento em que se tornou pública a necessidade de uma intervenção
estatal no BES, o Governo, na voz de Maria Luís Albuquerque (MLA), apressou-se
a construir duas teorias. A primeira: "aconteça o que acontecer, não
haverá prejuízos para os contribuintes" (MLA, 8 Out, AR). A segunda:
"O Governo teve conhecimento da decisão da resolução do BES na tarde do
dia 1 de agosto (MLA, 8 Out, AR), logo, a responsabilidade da mesma cabe ao
Banco de Portugal.
Ambas
as hipóteses são arriscadas, e altamente irrealistas, mas ambas são cruciais
para a estratégia escolhida pelo Governo: conseguir fazer passar pela goela dos
portugueses mais um resgate à banca, apesar do sabor ainda amargo do BPN. A
partir deste momento, a discussão deixou de ser, como deveria, sobre as
escolhas políticas do Governo, para se tornar num infinito duelo semântico, em
que a ministra nos vai embalando, com os seus sucessivos avanços e recuos,
jogos de palavras e omissões estratégicas, habilmente utilizados para que seja
sempre possível faltar à verdade sem, formalmente, mentir.
É
mesmo possível que o governo não tivesse sabido ou interferido na decisão de
intervencionar o banco?
Na
pior das hipóteses, no dia 22 julho o Banco de Portugal ficou a saber que os
prejuízos do BES eram muito superiores ao esperado e que, a não ser que
conseguisse uma recapitalização de emergência, o banco estaria insolvente. No
dia 29 o regulador colocava publicamente a hipótese de uma recapitalização
pública, e no dia 30, Vitor Bento, administrador do BES, pede uma reunião à
ministra das finanças.
Quando,
no dia 8 Outubro, perguntada sobre o conteúdo dessa reunião, se não era óbvio
que tinham sido discutidas possíveis soluções públicas para o cada vez maior
elefante na sala, a ministra responde: "A pedido da administração do então
BES recebi o Dr. Vítor Bento (...) À pergunta se rejeitámos a proposta de Vítor
Bento eu queria esclarecer que o Dr. Vítor Bento não fez nenhuma proposta nem
participou na resolução. E note, senhora deputada, a autoridade que toma a
decisão é o BdP e é o Bdp que toma essa decisão. (...) O conteúdo da reunião
(...) foi explicar qual foi a alteração do enquadramento legal da intervenção
em instituições financeiras, que distingue as intervenções que foram feitas
antes de julho 2013 e todas aquelas que venham a ser feitas depois de julho de
2013."
Esta
semana, confrontada com a mesma pergunta, a resposta foi: "o que o Dr.
Vitor Bento perguntou era se seria possível o Estado intervir, por exemplo, na
mesma modalidade do Banif (...) Essa modalidade nesses exatos termos já não
existia como tal".
É
um facto, a reunião serviu para a ministra explicar ao administrador do BES uma
alteração do enquadramento legal da intervenção em instituições financeiras,
mas isso só foi necessário porque antes existiu uma abordagem de Vitor Bento
para sondar a possibilidade uma ajuda do Estado.
Aliás,
já no dia 18 de julho, sabemos agora, numa reunião do Comité de Estabilidade, o
Governador do Banco de Portugal tinha proposto a Maria Luís Albuquerque a
criação de um grupo de trabalho para estudar possibilidades de recapitalização
pública no BES.
Mais,
a prova que a hipótese estava a ser estudada é o pedido urgente do regulador,
negociado com o Governo, para que a lei que enquadra as intervenções públicas
na banca pudesse ser alterada. Coisa que se veio a realizar, em segredo, num
Conselho de Ministros apressado, no dia 31 de julho, com promulgação no dia seguinte
pelo Presidente da República.
E
a verdade é que a hipótese estudada implicava a utilização de 3900 milhões de
dinheiro do Estado, emprestado pela Troika, e pago pelos impostos e sacrifícios
dos contribuintes. Implicava, para além disso, decidir quais eram os ativos
'bons', que ficavam no Novo Banco, e os 'maus', que passavam para o mau. Ora,
entre esses ativos estavam obrigações que o BES tinha emitido ao abrigo de uma
garantia do Estado, no valor de 3500 milhões de euros, e que corriam o risco de
não ser devolvidos (caso transitassem para o banco mau).
A
decisão formal até pode ter pertencido ao Banco de Portugal, no dia 1 de
Agosto, mas é sequer razoável ponderar que o Governo de Portugal não tenha uma
palavra a dizer sobre a intervenção que está a ser preparada no maior banco
privado português e que envolve, direta ou indiretamente, 7400 milhões de euros
públicos? Não só é impensável como, além de tudo, seria irresponsável.
É
lógico que a operação era (e é) arriscada, e que a dúvida se prende com o valor
dos prejuízos e não com a sua possível existência. Mesmo que o Novo Banco fosse
vendido pelos 4900 milhões de euros que nele foram injetados, existiria sempre
o risco de litigâncias contra o Estado por parte dos acionistas e investidores.
Mas bastava que não fosse, e essa era sempre a hipótese mais provável, para a
Caixa Geral de Depósitos, banco público, incorrer num prejuízo. Mais, se o
valor de venda fosse manifestamente inferior aos 4900 milhões, então é claro,
como foi entretanto afirmado por banqueiros privados, que a banca não iria
suportar os prejuízos. Se o Estado obrigar os bancos a pagar, corre o risco de
que estes também apresentem problemas de capital. Se não o fizer, terá de
assumir a perda. Em qualquer dos casos não receberá o empréstimo no prazo garantido
(2 anos).
Aconteça
o que acontecer, e esperemos que seja o melhor cenário possível, não é verdade,
como afirmou a ministra, que "não haverá prejuízos para os
contribuintes". Essa é uma garantia que ninguém pode, nem deve, dar.
Um
banco privado faliu. É óbvio que esse facto exige uma intervenção do Estado e,
infelizmente, é óbvio que esta solução envolve prejuízos. Ao negar o óbvio, a
Ministra das Finanças enreda o debate público num permanente exercício de
contraditório, num constante embalo de semântica, em que as forma como os atos
são explicados conta sempre mais que os atos em si. Ao fazê-lo impede a
discussão pública sobre a decisão tomada, e uma avaliação séria sobre os seus
defeitos, virtudes e alternativas.
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