Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
O
Governo e todo o séquito do neoliberalismo reinante incomodam-se com a palavra
"resgatar" por uma razão muito simples: chamaram resgate a uma
operação de saque, de empobrecimento e de agravamento das condições do país e
da população. A discussão que nas últimas semanas se vem fazendo em torno da
complicada situação em que se encontra a PT começou a perturbar o Governo por
quatro fatores fundamentais: i) surgiram abordagens exigindo que se tratem as
questões da economia e dos negócios (sejam privados ou públicos) com rigor e
transparência, com responsabilização e ética, não permitindo que o destino das
empresas e do geral da atividade económica seja submetido a operações
financeiras visando a apropriação gananciosa de lucros de privados poderosos ou
a processos de encaixe financeiro de que os governos conjunturalmente precisam
para fazerem de conta que as suas políticas têm êxito; ii) está a ser posto a
nu que as privatizações das últimas décadas foram sustentadas em trapaça, em
captura indevida de riqueza cujo destino final desaguou em empresas
estrangeiras, algumas delas empresas públicas nos respetivos países; iii) esta
denúncia incomoda o Governo, agora empenhado em acelerar a onda privatizadora
"de serviços públicos essenciais para a vida das populações", como
observa o Conselho Económico e Social no seu parecer sobre o OE2015; iv) o
Governo (que tem feito de interesses externos o interesse nacional) não é capaz
de engolir uma verdade que perdurará até ao fim da existência dos estados-nações
e se resume a isto: há mesmo superiores interesses estratégicos dos países, que
nenhum negócio privado ou negociata de um governo podem pôr em causa.
A
PT incorpora as bases fundamentais da estratégia nacional para o setor das
telecomunicações. Ela não é uma qualquer empresa nascida da iniciativa privada,
mas sim o resultado da fusão de múltiplas empresas públicas criadas pelo Estado
português ao longo de décadas, com investimentos públicos e para prestar
serviços que um Estado moderno e democrático tem de prestar aos cidadãos. O
Estado tem de ter controlo efetivo sobre instrumentos, como a rede de telefones
fixos, e componentes do setor, que garantam a prestação do direito de as
pessoas comunicarem entre si. Com o setor aberto ao setor privado, tem de se
respeitar o interesse privado, mas jamais o interesse público pode ser posto em
causa.
Quando
os pretendentes à PT vêm a Portugal e falam com membros do Governo, como tem
sido amplamente noticiado, fazem-no precisamente porque sabem que o Estado tem,
obrigatoriamente, uma importante palavra sobre a questão. É indecoroso que o
primeiro-ministro (PM) diga que o Governo não se mete no problema porque se
trata de "negócio entre privados". O que o PM diz significa, tão-só,
entregar a decisões privadas opções que o Estado e só ele (através dos seus
órgãos e instituições) pode e deve tomar. Será que o PM resume o interesse
nacional à possibilidade de, com a venda da PT, o Novo Banco (detentor de
10,06% do capital da PT SGPS) fazer o encaixe financeiro de alguns milhões para
valorizar a sua posterior venda?
No
debate organizado pelo Observatório sobre Crises e Alternativas na passada
quinta-feira, em que participaram Diogo Freitas do Amaral, João Cravinho, mais
de uma centena de quadros da PT, membros da comissão de trabalhadores e dos
sindicatos e outros cidadãos, esboçaram-se diversas propostas, algumas das
quais entretanto vindas a público, que a serem trabalhadas podem abrir novas
perspetivas. Exige-se do Governo uma participação ativa, bem como do Tribunal
de Contas e da Procuradoria-Geral da República, pois foram adotadas decisões
por vários governos e administrações, em negócios anteriores, que podem não ter
respeitado o interesse nacional. Ora, configurando-se como ilegais, terão de
ser revogadas.
Como
muito a propósito lembrou Freitas do Amaral, será urgente avançar com uma
providência cautelar que assegure tempo e condições de ação, que afaste abutres
e permita responsabilizar o Governo e outros poderes, que salvaguarde os
interesses vitais do Estado, dos cidadãos e da sociedade.
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