segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Cabo Verde: A VITÓRIA DE JANIRA ALMADA E O FUTURO DO PAICV



Gil Évora – Expresso das Ilhas, opinião

Janira H. Almada venceu as recentes eleições internas no PAICV e a sociedade civil cabo-verdiana e os próprios militantes desse partido estão conscientes de que nada será como dantes. Importa agora analisarmos com alguma frieza e equidistância o futuro próximo deste partido que ainda detém o mandato governativo até 2016, nomeadamente no que se refere às tentações (legitimas) da presidente eleita e dos seus pares para colocar um selo próprio e pessoal a nível do partido, governo e grupo parlamentar e por outro, a crucial necessidade de se cumprir o mandato até as próximas eleições legislativas. E a pergunta que temos de colocar, e que a mim me parece óbvia é se estará este PAICV preparado para fazer a articulação de todos os interesses que se vão perfilar neste futuro próximo?
 
Governo em coabitação “obrigatória”

A primeira tentação estará concerteza voltada para o governo. Embora JMN argumente que não estamos perante um sistema de Partido-Estado e que o Chefe do Governo continua a ser ele, não podemos ignorar que do desempenho deste Governo depende em grande parte a vitória ou derrota do PAICV nas próximas legislativas e a possibilidade ou não de JHA ser primeira-ministra. Assim, apesar desta situação singular de termos um Primeiro-Ministro que não é o Presidente do partido maioritário, JMN e JHA estão obrigados a se entenderem em relação ao fortalecimento do Governo e à necessidade ou não de JHA se manter no mesmo. É notório que alguns sectores do governo têm tido um desempenho sofrivel e a operação de cosmética que JMN protagonizou em Novembro foi simplesmente condicionada pelo “dossier” BCV. Aliás algumas críticas de JHA durante a campanha apontam claramente para a necessidade de algumas mudanças. Por outro lado para o ultimo ano da legislatura o PAICV precisará de um governo forte politicamente que possa enfrentar com sucesso a fase de pré-campanha eleitoral até ás legislativas. Todavia existe uma questão mais premente e que tem a ver com as consequências que estes resultados eleitorais internos possam provocar a nivel do governo.
   
Cristina Fontes Lima colocou já o seu lugar de ministra-adjunta à disposição do primeiro-ministro num gesto nobre e que não deixa de ser singular na forma de se fazer política em Cabo Verde. Contudo este ato  que pode até ser, sob o ponto de vista jurídico, relevante, carece de fundamento quando analisado no plano político.

Qualquer membro do governo nomeado por um  primeiro-ministro, em regra, tem aquele cargo sempre à disposição do primeiro-ministro. Tacitamente o cargo está, mesmo estando o membro do governo em exercício, à disposição do Primeiro-ministro. No fundo o que Cristina Fontes Lima solicitou ao primeiro-ministro é que ele legitimasse no plano político os 8% de “score” eleitoral que ela obteve nestas eleições internas. Sendo assim então Cristina Fontes Lima deveria apresentar um pedido de demissão ao primeiro-ministro. E demissão é o termo que confere  relevância ao caso vertente. Porque colocar o cargo à disposição é um recurso que se utiliza para pôr à vontade quem de novo chega para chefiar e no caso vertente não chega ninguém de novo.

 Mas afora esta nota preambular, é meu entendimento que Cristina Fontes Lima deve manter-se no posto. Primeiro porque acho que é uma governante acima da média dos muitos membros de sucessivos governos que este país foi tendo. Segundo porque tivesse a ministra perdido a confiança do chefe do governo, ela teria sido remodelada na recente mexida realizada no governo há sensivelmente um mês. Daí que a leitura que do meu ponto de vista se tem de fazer é, apenas uma: Cristina Fontes Lima não foi confirmada como líder do partido pelo povo do partido ficando impossibilitada para liderar o PAICV, mas foi reconfirmada recentemente para continuar a ser membro do governo por quem tem competências para o fazer. Contudo se Cristina Fontes Lima não se sente à vontade para continuar no Governo por força dos resultados eleitorais no seu partido, isso é outra questão. Só que, caso JMN resolvesse aceitar este pedido não teria condições de se furtar depois à bola de neve de vários cargos colocados à disposição ou pedidos de  demissão de quase todo o elenco governamental porque foi público que a generalidade dos membros do governo esteve com a candidatura de Cristina Fontes Lima e a candidatura de Filú. Ou seja, nestas eleições internas no PAICV quem as ganhou não venceu uma guerra e quem as perdeu também não perdeu uma guerra. E porque não houve guerras também não devem existir rendições. 

Parlamento “mitigado”

Questiona-se também se Felisberto Vieira deve ou não manter-se à frente do Grupo Parlamentar do PAICV.

Tanto quanto sabemos o mandato é conferido pelo grupo parlamentar  e é por dois anos. 

Aqui também todos os dados que existem confirmam que Filú tem uma larga maioria de confiança junto dos deputados do PAICV e é a este nível que reside a estabilidade governativa do país. Numa certa lógica, Filú mesmo perdendo estas eleições continua a ser até ao presente o elemento garantidor da estabilidade da governação e JHA não poderá passar sem ele. Teve o apoio de grande parte dos deputados do Partido e ganhou a região de Santiago Sul, principal região de Cabo Verde. Poderíamos estar tentados em pensar que a vitória de JHA poderia fazer emergir outras vozes e outros protagonismos na bancada tambarina, mas não creio. Neste quesito parece-me que o problema do PAICV e do MPD são idênticos e resumem-se a um “déficit” enorme de qualidade dos seus deputados e que são visíveis nos debates e fazem com que cada bancada não possua mais do que 5-6 protagonistas. Adiante. Resumindo, Filú e JHA estão condenados a se entenderem pelo menos até as legislativas de 2016, pois esse entendimento é o garante da estabilidade governativa.

O equilíbrio precário do Congresso

De tudo o que atrás se disse conclui-se que o congresso do PAICV que está a caminho será um momento clarificador e onde se averiguará a boa vontade ou não da presidente eleita em agregar e unir a família do Partido que agora lidera. 

Até agora a “praxis” da convergência aparece na generalidade dos discursos dos altos dirigentes tambarinas mas até ao Congresso ver-se-á quem na verdade está a fazer algo no sentido da referida convergência.

Construir a unidade nesta diversidade provada por estas eleições é um aspeto crucial que o futuro congresso e os congressistas do PAICV devem ponderar. Mas que ninguém se iluda: este congresso não me parece ser favas contadas, desde logo porque a moção vencedora deve ser reconfirmada e os órgãos  do partido constituídos. Se é verdade que JHA detém a maioria dos 298 delegados eleitos, não é menos verdade que poderá não ter o apoio da maioria dos 132 delegados-natos. Estes são constituidos maioritáriamente pelos membros do CN eleitos no congresso interior, os presidentes das CPR´s, os primeiro-secretários do partido de todos os sectores, 10% do total dos congressistas eleitos em congresso pela JPAI e 10% das mulheres do PAICV eleitas em conferência nacional. E se considerarmos a forma como muitas destas pessoas se posicionaram no periodo da pré-campanha eleitoral então podemos dizer que JHA, por ora, ainda não pode dormir descansada.

Este Congresso pela natureza desta situação impar na história do PAICV será obrigatóriamente um Congresso “sui-generis” mas será acima de tudo um congresso de clarificação das águas onde a novel presidente terá de pôr em campo toda a sua capacidade negocial se quiser sair do Congresso com um partido unido. Para ganhar este Congresso JHA não pode contar apenas com os 51% dos militantes que nela votaram. Tem de ir buscar os 49% que nela não votaram e também os 16000 que ficaram em casa.

 Quem de fora olha para  todo este processo interno do PAICV  fica com a ideia que a unidade interna do  partido passará por um diálogo intenso entre pelo menos quatro protagonistas neste momento: JHA, JMN como Primeiro-Ministro, Filú como líder da bancada e o ainda secretário-geral do PAICV, Julio Correia.

E agora MPD?

O MPD está a espreita e faz bem. Á entrada para o ultimo ano da legislatura este partido parece estar mais galvanizado, bem rodado e com uma maior vontade para alcançar o poder. Os seus dirigentes apostam tudo em 2016 pois sabem que uma nova derrota nas legislativas pode afastar o partido quase que definitivamente da área do poder. O combate político contra JHA parece, á primeira vista, uma situação bem mais favorável do que ter de enfrentar novamente JMN. Mas que ninguém no MPD se iluda. A forma inteligente como JHA montou a sua estratégia de vitória no PAICV demonstra que os combates em 2016 vão ser duros e o MPD terá pela frente uma máquina já bastante oleada e mais uma vez a vitória estará na capacidade que cada líder tiver em convencer o eleitorado não-militante.

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