Gil
Évora – Expresso das Ilhas, opinião
Janira
H. Almada venceu as recentes eleições internas no PAICV e a sociedade civil
cabo-verdiana e os próprios militantes desse partido estão conscientes de que
nada será como dantes. Importa agora analisarmos com alguma frieza e
equidistância o futuro próximo deste partido que ainda detém o mandato
governativo até 2016, nomeadamente no que se refere às tentações (legitimas) da
presidente eleita e dos seus pares para colocar um selo próprio e pessoal a
nível do partido, governo e grupo parlamentar e por outro, a crucial
necessidade de se cumprir o mandato até as próximas eleições legislativas. E a
pergunta que temos de colocar, e que a mim me parece óbvia é se estará este
PAICV preparado para fazer a articulação de todos os interesses que se vão
perfilar neste futuro próximo?
Governo
em coabitação “obrigatória”
A
primeira tentação estará concerteza voltada para o governo. Embora JMN
argumente que não estamos perante um sistema de Partido-Estado e que o Chefe do
Governo continua a ser ele, não podemos ignorar que do desempenho deste Governo
depende em grande parte a vitória ou derrota do PAICV nas próximas legislativas
e a possibilidade ou não de JHA ser primeira-ministra. Assim, apesar desta
situação singular de termos um Primeiro-Ministro que não é o Presidente do
partido maioritário, JMN e JHA estão obrigados a se entenderem em relação ao
fortalecimento do Governo e à necessidade ou não de JHA se manter no mesmo. É
notório que alguns sectores do governo têm tido um desempenho sofrivel e a
operação de cosmética que JMN protagonizou em Novembro foi simplesmente
condicionada pelo “dossier” BCV. Aliás algumas críticas de JHA durante a
campanha apontam claramente para a necessidade de algumas mudanças. Por outro
lado para o ultimo ano da legislatura o PAICV precisará de um governo forte
politicamente que possa enfrentar com sucesso a fase de pré-campanha eleitoral
até ás legislativas. Todavia existe uma questão mais premente e que tem a ver
com as consequências que estes resultados eleitorais internos possam provocar a
nivel do governo.
Cristina Fontes Lima colocou já o seu lugar de ministra-adjunta à disposição do primeiro-ministro num gesto nobre e que não deixa de ser singular na forma de se fazer política
Qualquer membro do governo nomeado por um primeiro-ministro, em regra, tem aquele cargo sempre à disposição do primeiro-ministro. Tacitamente o cargo está, mesmo estando o membro do governo em exercício, à disposição do Primeiro-ministro. No fundo o que Cristina Fontes Lima solicitou ao primeiro-ministro é que ele legitimasse no plano político os 8% de “score” eleitoral que ela obteve nestas eleições internas. Sendo assim então Cristina Fontes Lima deveria apresentar um pedido de demissão ao primeiro-ministro. E demissão é o termo que confere relevância ao caso vertente. Porque colocar o cargo à disposição é um recurso que se utiliza para pôr à vontade quem de novo chega para chefiar e no caso vertente não chega ninguém de novo.
Mas
afora esta nota preambular, é meu entendimento que Cristina Fontes Lima deve
manter-se no posto. Primeiro porque acho que é uma governante acima da média
dos muitos membros de sucessivos governos que este país foi tendo. Segundo
porque tivesse a ministra perdido a confiança do chefe do governo, ela teria
sido remodelada na recente mexida realizada no governo há sensivelmente um mês.
Daí que a leitura que do meu ponto de vista se tem de fazer é, apenas uma:
Cristina Fontes Lima não foi confirmada como líder do partido pelo povo do
partido ficando impossibilitada para liderar o PAICV, mas foi reconfirmada
recentemente para continuar a ser membro do governo por quem tem competências
para o fazer. Contudo se Cristina Fontes Lima não se sente à vontade para continuar
no Governo por força dos resultados eleitorais no seu partido, isso é outra
questão. Só que, caso JMN resolvesse aceitar este pedido não teria condições
de se furtar depois à bola de neve de vários cargos colocados à disposição
ou pedidos de demissão de quase todo o elenco governamental porque foi
público que a generalidade dos membros do governo esteve com a candidatura de
Cristina Fontes Lima e a candidatura de Filú. Ou seja, nestas eleições internas
no PAICV quem as ganhou não venceu uma guerra e quem as perdeu também não
perdeu uma guerra. E porque não houve guerras também não devem existir
rendições.
Parlamento
“mitigado”
Questiona-se
também se Felisberto Vieira deve ou não manter-se à frente do Grupo Parlamentar
do PAICV.
Tanto quanto sabemos o mandato é conferido pelo grupo parlamentar e é por dois anos.
Aqui também todos os dados que existem confirmam que Filú tem uma larga maioria de confiança junto dos deputados do PAICV e é a este nível que reside a estabilidade governativa do país. Numa certa lógica, Filú mesmo perdendo estas eleições continua a ser até ao presente o elemento garantidor da estabilidade da governação e JHA não poderá passar sem ele. Teve o apoio de grande parte dos deputados do Partido e ganhou a região de Santiago Sul, principal região de Cabo Verde. Poderíamos estar tentados em pensar que a vitória de JHA poderia fazer emergir outras vozes e outros protagonismos na bancada tambarina, mas não creio. Neste quesito parece-me que o problema do PAICV e do MPD são idênticos e resumem-se a um “déficit” enorme de qualidade dos seus deputados e que são visíveis nos debates e fazem com que cada bancada não possua mais do que 5-6 protagonistas. Adiante. Resumindo, Filú e JHA estão condenados a se entenderem pelo menos até as legislativas de 2016, pois esse entendimento é o garante da estabilidade governativa.
O
equilíbrio precário do Congresso
De
tudo o que atrás se disse conclui-se que o congresso do PAICV que está a
caminho será um momento clarificador e onde se averiguará a boa vontade ou não
da presidente eleita em agregar e unir a família do Partido que agora
lidera.
Até
agora a “praxis” da convergência aparece na generalidade dos discursos dos
altos dirigentes tambarinas mas até ao Congresso ver-se-á quem na verdade está
a fazer algo no sentido da referida convergência.
Construir
a unidade nesta diversidade provada por estas eleições é um aspeto crucial que
o futuro congresso e os congressistas do PAICV devem ponderar. Mas que
ninguém se iluda: este congresso não me parece ser favas contadas, desde logo
porque a moção vencedora deve ser reconfirmada e os órgãos do partido
constituídos. Se é verdade que JHA detém a maioria dos 298 delegados eleitos,
não é menos verdade que poderá não ter o apoio da maioria dos 132 delegados-natos.
Estes são constituidos maioritáriamente pelos membros do CN eleitos no
congresso interior, os presidentes das CPR´s, os primeiro-secretários do
partido de todos os sectores, 10% do total dos congressistas eleitos em
congresso pela JPAI e 10% das mulheres do PAICV eleitas em conferência
nacional. E se considerarmos a forma como muitas destas pessoas se posicionaram
no periodo da pré-campanha eleitoral então podemos dizer que JHA, por ora,
ainda não pode dormir descansada.
Este
Congresso pela natureza desta situação impar na história do PAICV será
obrigatóriamente um Congresso “sui-generis” mas será acima de tudo um congresso
de clarificação das águas onde a novel presidente terá de pôr em campo toda a
sua capacidade negocial se quiser sair do Congresso com um partido unido. Para
ganhar este Congresso JHA não pode contar apenas com os 51% dos militantes que
nela votaram. Tem de ir buscar os 49% que nela não votaram e também os 16000
que ficaram em casa.
Quem de
fora olha para todo este processo interno do PAICV fica com a ideia
que a unidade interna do partido passará por um diálogo intenso entre
pelo menos quatro protagonistas neste momento: JHA, JMN como Primeiro-Ministro,
Filú como líder da bancada e o ainda secretário-geral do PAICV, Julio Correia.
E
agora MPD?
O MPD está a espreita e faz bem. Á entrada para o ultimo ano da legislatura este partido parece estar mais galvanizado, bem rodado e com uma maior vontade para alcançar o poder. Os seus dirigentes apostam tudo em 2016 pois sabem que uma nova derrota nas legislativas pode afastar o partido quase que definitivamente da área do poder. O combate político contra JHA parece, á primeira vista, uma situação bem mais favorável do que ter de enfrentar novamente JMN. Mas que ninguém no MPD se iluda. A forma inteligente como JHA montou a sua estratégia de vitória no PAICV demonstra que os combates em 2016 vão ser duros e o MPD terá pela frente uma máquina já bastante oleada e mais uma vez a vitória estará na capacidade que cada líder tiver em convencer o eleitorado não-militante.
Sem comentários:
Enviar um comentário