Ministério
Público considera habeas corpus de Sócrates “manifestamente
improcedente”
ROMANA BORJA-SANTOS - Público
Advogado
do ex-primeiro-ministro condena prisão “barbaramente injusta” e assegura que
argumentação sobre risco de fuga “é patética”. Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça é conhecido às 15h30.
Para
o Ministério Público, o pedido apresentado pelo jurista Miguel Mota Cardoso
para a libertação imediata de José Sócrates é “manifestamente improcedente”.
Esta foi a posição defendida pelo procurador-geral adjunto Paulo Sousa durante
a audiência no Supremo Tribunal de Justiça que durou menos de 30 minutos. Já o
advogado do ex-primeiro-ministro, João Araújo, condenou a “prisão
manifestamente ilegal e barbaramente injusta” do seu cliente, questionando:
“Pode alguma de vossas excelências dizer-me onde é que está indiciado o crime
de corrupção?”
Na
sua argumentação, o Ministério Público começou por explicar que tem “alguma
complacência relativamente a pedidos formulados pelos próprios presos”,
condenando depois a acção relativa a José Sócrates pelos fundamentos invocados
pelo jurista que a interpôs e defendendo que seja aplicada a “consequente
tributação”. Se os juízes considerarem não existir fundamento para o pedido, o
requerente arrisca-se a pagar uma verba que pode ir até aos 3000 euros.
Nas
palavras do procurador Paulo Sousa, Miguel Mota Cardoso do que “se queixa é que
os jornais não informaram dos fundamentos da prisão”, reforçando que essa é uma
“obrigação do juiz” e defendendo que “qualquer um, mesmo que não jurista, vê
que não ocorre no caso” nenhum “erro grosseiro” na classificação na indiciação
dos crimes que determinaram as medidas de coacção.
O
colectivo presidido pelo juiz conselheiro Pereira Madeira fez uma súmula da
acção interposta por Miguel Mota Cardoso e que alegava que a prisão de Sócrates
tinha ocorrido perante uma “ausência de fundamentos públicos”, que “viola os
princípios da necessidade, da adequação e proporcionalidade”. O jurista
defendeu ainda que se está perante uma “situação anormal, extraordinária e de
gravidade extrema, jamais surgida nos 40 anos da história da democracia em
Portugal”, considerando que a prisão preventiva do antigo governante “repugna
os bons costumes” e que há outras medidas “eficazes” previstas na lei e “menos
estigmatizantes”.
Miguel
Mota Cardoso fundamentou, ainda, o seu pedido com o facto de Sócrates ter sido
detido em público e com "transmissão televisiva", defendendo que por
ser uma "figura pública" os cidadãos devem ser informados dos
indícios que determinaram a medida de coacção que, para o jurista, representa
uma violação do Código de Processo Penal e da própria Constituição da República
Portuguesa.
Já
o Tribunal Central de Instrução Criminal, na informação que remeteu ao Supremo
Tribunal de Justiça sobre este caso, recusou que o processo tenha “qualquer
ilegalidade” que justifique a libertação de José Sócrates, reforçando, pelo
contrário, que o ex-primeiro-ministro ficou em prisão preventiva perante
“perigo de fuga e perturbação da recolha e confirmação da prova”. De acordo com
os dados do tribunal de Carlos Alexandre, durante o interrogatório foram
“recuperados objectos que tinham sido retirados de casa do arguido” com o
auxílio de informação dada por Sócrates, que tinha também uma viagem para o
Brasil marcada para dia 24 de Novembro, no âmbito da sua colaboração com a
farmacêutica Octapharma.
Habeas corpus como "o colar de pérolas"
O advogado João Araújo começou a sua intervenção com um elogio à “sabedoria” dos juízes conselheiros. “Não tenho possibilidade de aparcar a vossa ciência, a vossa competência”, disse o representante de José Sócrates no “lugar para fazer justiça, para fazer melhor justiça”, apelando mais tarde à “inteligência” do colectivo na altura de decidir. Araújo começou por explicar que pensou não falar nesta audiência, por na maior parte dos casos os pedidos de habeas corpus “não darem em nada”. Como vem sendo hábito, o advogado utilizou uma metáfora insólita para descrever o que pensa sobre estes pedidos de libertação imediata raramente terem consequências: “É qualquer coisa que eu acho semelhante ao colar de pérolas da minha mãe, que tem mas não usa”.
Sobre
a prisão de José Sócrates, descreveu-a como “manifestamente ilegal e
barbaramente injusta” por “carecer de indícios”, reforçando que esses indícios
“são os que foram comunicados aos arguidos e só esses é que valem”. “Pode alguma
de vossas excelências dizer-me onde é que está indiciado o crime de
corrupção?”, questionou, acrescentando que “a corrupção não é movimentos de
dinheiros” e que nunca foi esclarecido se estávamos perante um caso de
corrupção activa ou passiva e para acto lícito ou ilícito. Araújo acusa o
tribunal de Carlos Alexandre de se ter limitado a “beliscar factos”, insistindo
que “não existem indícios da prática do crime de corrupção” e que foi
“absolutamente nada” que determinou o acto de “prender um cidadão”.
O
advogado apontou também algumas contradições, como as informações iniciais
referirem tráfico de influências, um crime que “sumiu misteriosamente” e que
atribui à “necessidade que a acusação teve de encontrar um crime a montante”.
“Esta prisão é uma prisão para investigar. Não é nada mais do que isso”,
alegou, dizendo ainda que este é um caso que “está nos nossos corações” e que
“mal de nós se um juiz do Supremo não puder reparar uma ilegalidade quando a
vê”.
Sobre
os fundamentos concretos da prisão preventiva, João Araújo reforçou que “o
risco de fuga é patético”, insistindo: “O meu constituinte entregou-se à
prisão. Ele sabia ao que vinha”. Em relação ao Brasil, afirmou apenas que “ele
não está no Brasil porque não foi para lá” e que “tudo o resto são lendas e
narrativas”.
A
eventual perturbação da investigação foi outro dos argumentos rejeitados pelo
advogado, assim como o “escândalo e perturbação pública”, recordando a este
propósito que José Sócrates “foi eleito, não foi nomeado” primeiro-ministro,
ainda que só “5% das pessoas achem que foi um óptimo primeiro-ministro”.
“Atira-se um ex-primeiro-ministro democraticamente eleito para a cadeia e nem
sequer se pode dizer que foi corrompido”, afirmou, lamentado que se tenha
entregado Sócrates ao “escândalo e à vergonha”.
À
saída do tribunal, João Araújo não quis prestar declarações aos jornalistas,
invocando que se encontrava à porta do Supremo Tribunal de Justiça – “que não é
a Praça da Figueira” – e que estava “exausto” após a intervenção que fez.
O
pedido de libertação imediata (habeas corpus) de José Sócrates foi feito na
semana passada por um jurista de Vila Nova de Gaia, apenas dois das depois de o
ex-governante ter ficado sujeito à mais gravosa das medidas de coacção.
O
requerimento entrou quinta-feira nos serviços da 3.ª secção penal do tribunal
de acordo com a folha de distribuição de processos publicada no site do
Supremo. O acórdão será divulgado a partir das 15h30 desta quarta-feira.
O habeas
corpus é um pedido urgente de libertação imediata de alguém que
flagrantemente esteja detido ou preso de forma ilegal e é a derradeira forma de
garantia constitucional para que a liberdade seja resposta. Esta acção judicial
raramente é utilizada e sempre que é interposta sobe de imediato para o Supremo
Tribunal de Justiça, o único que se pronuncia nestes casos peculiares. Este
tipo de recurso tem carácter de urgência (com um prazo de decisão de oito dias)
e visa a libertação imediata de um preso, face ao aparente abuso de poder que é
mantê-lo detido. Pode ser solicitado por qualquer cidadão.
Foto:
Hugo Correia / Reuters
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