Os Estados Unidos e
a União Europeia estão dispostos a se aliar não importa com quem desde que isso
enfraqueça a Rússia, diz o historiador.
Marco Aurélio
Weissheimer – Carta Maior
Os protestos de rua
que vem sacudindo a Ucrânia nas últimas semanas são resultado, em grande
medida, de uma articulação bizarra entre ongs e fundações norte-americanas e
europeias e o partido neonazista Svoboda, liderado por Oleg Tiagnibog. Os
Estados Unidos e a União Europeia estão dispostos a se aliar não importa com
quem desde que isso enfraqueça a Rússia e permita a instalação de tropas da
OTAN na Ucrânia. Esse é o pano de fundo desses protestos. A avaliação é do
cientista político e historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira, autor, entre
outras obras, de A Segunda Guerra Fria – Geopolítica e Dimensão Estratégica dos
Estados Unidos (Editora Civilização Brasileira), onde examina o papel dos
Estados Unidos na eclosão e o desenvolvimento de recentes rebeliões na Eurásia,
na África do Norte e no Oriente Médio.
Para Moniz
Bandeira, os recentes acontecimentos que convulsionaram vários países no
Oriente Médio, na Eurásia e norte da África devem ser entendidos no contexto da
estratégia de “full spectrum dominance” (dominação de espectro total) que os
EUA continuam implementando contra a presença da Rússia e da China naquelas
regiões. Em entrevista à Carta Maior, Moniz Bandeira analisa a situação da
Ucrânia e identifica os grupos que, segundo ele, estão apoiando e promovendo as
manifestações:
"ONGs, tais como Open Society Foundations [OSF], Vidrodzhenya (Reviver),
Freedom House, Poland-America-Ukraine Cooperation Initiative e outras,
finaciadas pelos Estados Unidos, através da USAID, National Endowment for
Democracy e CIA, bem como fundações alemãs. Foram elas que promoveram a
denominada Revolução Laranja, que derrubou o governo de Leonid Kuchma
(1994-2005)".
"Os chamados ativistas, que instigam e lideram as demonstrações
pro-Ocidente, pertencem, em larga medida, a comandos do Svoboda e de outras
tendências neo-nazis, levados de Lviv (Lwow, Lemberg) para Kiev e manifestam
claramente tendências xenófobas, racistas, anti-semitas e contra a
Rússia".
A União Brasileira de Escritores e a Academia de Letras de Minas Gerais
indicaram o nome de Moniz Bandeira para o prêmio Nobel de Literatura em 2014,
cuja escolha será feita em outubro pela Academia Sueca.
Qual a sua avaliação sobre os recentes protestos que vem sacudindo a Ucrânia?
Moniz Bandeira - A Ucrânia nunca teve unidade étnica e daí a fragilidade do
Estado nacional que lá se formou. Até o século XII, chamada Rus' Kievana ou
Kyïvska Rus, era uma confederação de tribos eslavas orientais, virtualmente oa
maior potência da Europa, ao abranger a atual Bielo Rússia e parte da Rússia.
Desintegrou-se, porém, e esteve envolvida em constantes guerras entre russos,
poloneses, cossacos e lituanos. Em 1795, a antiga Rus's Kievna, ao oeste do rio
Dnieper, que desemboca no Mar Negro, foi repartida. A Rússia anexou a maior
parte da região, todo o Kanato da Criméia, e o Império Austro-Húngaro, sob a
dinastia de Habsburg, dominou a outra, incluindo a Galitzia (Halychyna), na
Europa Central, até 1918.
Durante a guerra civil na Rússia, após a Revolução Bolchevique (1917), lá
combateram diversas facções. Após o Exército Vermelho derrotar as forças
contra-revoluicionárias do general Antón Denikin e os anarquistas comandados
por Nestor Makhno, a República Soviética da Ucrânia constituiu-se como Estado
nacional e, em 1922, somou-se às Repúblicas Soviéticas da Rússia, Bielorrusia e
Transcaucasia, na formação da União Soviética. Após o Pacto Molotv- Ribbentrop,
ela reincorporou ao seu território a Galitzia e Volhnia, que integravam a
Polônia, bem como recebeu da Romênia a Bessarábia, o nordeste de Bukovina e a
região de Hertza. A opressão do regime stalinista, entre outros fatores
históricos, gerou, no entanto, forte e profundo sentimento anti-soviético e,
conseqüentemente, anti-russo. Uma parte da população não só saudou as tropas
nazistas, como libertadoras, quando invadiram a Ucrânia em 22 de junho de 1942,
como lutou ao seu lado. Porém, a maioria incorporou-se ao Exército soviético e
a brutalidade nazista reforçou ainda mais a resistência.
Em 1945, libertada, a República Soviética da Ucrânia foi um dos países
fundadores da ONU, mas Stalin não conseguiu colocá-la, como membro permanente,
no Conselho de Segurança. A Grã-Bretanha opô-se. Não queria que a União
Soviética com mais um voto, com direito a veto, no Conselho de Segurança. E daí
que os dois países não aceitaram que o presidente Franklin D. Roosevelt,
conforme prometera ao presidente Getúlio incluisse também o Brasil, porque
estava então estreitamente vinculado aos Estados Unidos.
Quais são as causas e os principais protagonistas dos atuais protestos?
Moniz Bandeira - As causas das demonstrações são, sobretudo, geopolíticas e
estratégicas. O que está em jogo não é, na realidade, a adesão da Ucrânia à
União Européia. Não é questão de livre circulação de pessoas e de mercadorias.
A União Européia muito pouco pode oferecer à Ucrânia, exceto, mediante o
levantamento das barreiras alfandegárias, a importação maciça de produtos do
Ocidente, a imposição de normas europeias aos produtos que ela fabrica e pode
exportar para a mesma União Européia, o que lhe vai dificultar ainda mais as
transações comerciais. A Ucrânia só tem a perder. O FMI vei impor medidas de
contenção, dificultando ainda mais o desenvolvimento do país. Muitas indústrias
fecharão ou serão assenhoreadas pelas multinacionais européias e os pequenos
agricultores, arruinados pela agro-indústria.
Porém, o que os
Estados Unidos pretendem, através da incorporação da Ucrânia à União Europeia
é, sobretudo, possibilitar que as forças da OTAN sejam estacionadas na
fronteira da Rússia. Conforme o economista Paul Craig Roberts, ex-secretário
assistente do Tesouro no governo de Ronald Reagan (1981-1969), salientou, a
respeito dos comentários de Viktoria Nuland, secretária de Estado Assistente de
John Kerry, "a Ucrânia ou a parte ocidental do país está cheia de ONGs
mantidas por Washington cujo objetivo é entregar a Ucrânia às garras da União
Europeia, para que os bancos da União Europeia e dos Estados Unidos possam
saquear o país como saquearam, por exemplo, a Latvia; e enfraquecer,
simultaneamente, a Rússia, roubando-lhe uma parte tradicional e convertendo-a
em área reservada para bases militares de Estados Unidos-OTAN". Com
efeito, por trás das ininterruptas demonstrações, das quais dois senadores
americanos -John McCain (Partido Republicano) e Christopher Murphy (Partido
Democrata) abertamente participaram - estão certas ONGs, tais como Open Society
Foundations [OSF], Vidrodzhenya (Reviver), Freedom House,
Poland-America-Ukraine Cooperation Initiative e outras, finaciadas pelos
Estados Unidos, através da USAID, National Endowment for Democracy e CIA, bem como
fundações alemãs. Foram elas que promoveram a denominada Revolução Laranja, que
derrubou o governo de Leonid Kuchma (1994-2005).
Essas e outras organizações não governamentais foram criadas como façade para
promover a política de regime change sem golpe de Estado. Esse novo método de
subversão, que os Estados Unidos desenvolveram, demonstro, com vasta
documentação, em meu livro A Segunda Guerra Fria - Das rebeliões na Eurásia à
África do Norte e ao Oriente Médio, lançado em 2013.
E como está a situação hoje da Ucrânia? Para onde caminha o país?
Moniz Bandeira - A Ucrânia está em uma situação econômica e social extremamente
difícil. O desemprego, segundo o governo, é da ordem de 8% e parcela
significativa da população - de 25%, conforme as estatísticas oficiais -, vive
abaixo da linha de pobreza. O índice de desnutrição é estimado entre 2 e 3 %
até 16%. O salário médio é de US$332,00, um dos mais baixos da Europa. As áreas
rurais, no Ocidente, são mais pobres. E está na iminência de praticar o
default. Os jovens ucranianos, porém, imaginam que a União Européia pode
melhorar seu standard de vida e aumentar prosperidade do país. Os ucranianos –
em primeiro lugar a juventude – têm o sonho da UE, a liberdade de viajar, as
ilusões de conforto, bons salários, prosperidade, etc. Sonhos com os quais os
governos ocidentais contam para derrubar o governo de Vikton Yanukovych.
Qual a importância geopolítica da Ucrânia hoje no cenário europeu e
internacional?
Moniz Bandeira - Zbigniew Brzezinski, ex-assessor de Segurança Nacional do
presidente Jimmy Carter, escreveu certa vez que, no novo tabuleiro do xadrez
mundial, “a Ucrânia podia estar na Europa sem a Rússia, porém a Rússia não
podia estar na Europa sem a Ucrânia". A equação, contudo, é muito mais
complexa. A Ucrânia, chamada, tradicionalmente, de "pequena Rússia",
não pode se desprender da Rússia, da qual muito depende, sobretuido para seu
abastecimento de gás. E sua adesão à União Européia, permitindo o avanço da
OTAN até a fronteiras da Rússia, tenderia evidentemente a romper todo o
equilíbrio geopolítico da Eurásia, uma vasta região terrestre e fluvial, até o
Oriente Médio, devido abranger os importantes estreitos de Bósforo e
Dardanelos, que possibilitam as comunicações do Mar Negro e de importantes
zonas energéticas (gás e petróleo) com o Mar Mediterrâneo, cujo controle e
completo domínio os Estados Unidos buscam com a derrubada do governo de Basshar
al-Assad, na Síria.
A questão da Ucrânia insere-se, assim, no mesmo contexto da guerra na Síria. A
Rússia ainda mantém importante base naval na Síria, em Tartus, bem como
conserva forças no porto de Latakia. E, não obstante o colapso da União
Soviética, continuou a configurar, na percepção dos Estados Unidos, como seu
maior rival. Ao Ocidente - Estados Unidos e União Européia - não interessa,
portanto, a criação da União Econômica Eurasiana, cujo tratado o presidente da
Rússia, Vladimir Putin, o grande estadista da atualidade, está a negociar com
as antigas repúblicas que antes integraram a extinta União Soviética, tais como
Quirguistão, Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão e Ucrânia, exceto os países
bálticos. Os Estados e a União Européia entendem que a Rússia voltaria, assim,
a conquistar dimensão estratégica e geopolítica na mesma proporção da extinta
União Soviética. O que está em jogo não é questão ideológica. É geoestratégica.
Como disse, Washington nunca deixou de perceber a Rússia como seu principal
adversário, mesmo após a dissolução da União Soviética (1991). Em 1991, o
general Colin Powell, então chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas,
no governo de George H. W. Bush (1989-1993), recomendou que os Estados Unidos
impedissem que a União Europeia se tornasse uma potência militar, fora da OTAN,
a remilitarização do Japão e da Rússia, bem como desencorajasse qualquer
desafio à sua preponderância ou tentativa de reverter a ordem econômica e
política internacionalmente estabelecida. Também Dick Cheney, então como
secretário de Defesa, divulgou, em 1992, um documento no qual estabeleceu que a
primeira missão política e militar dos Estados Unidos consistia em impedir o
surgimento de algum poder rival na Europa, na Ásia e na extinta União
Soviética.
Qual é a atual correlação de forças interna na Ucrânia no que diz respeito aos
protestos?
Moniz Bandeira - O eixo da crise não está propriamente na correlação de forças
domésticas, i. e., dentro da Ucrânia. Grande parte da população não apoia os
que fazem demonstrações em Kiev. E o país, quer queiram ou não os
manifestantes, está na órbita de gravitação da Rússia. Por outro lado, o Mar
Negro é controlado, desde o reinado de Catarina, a Grande (1762 e 1796), pela
frota russa, baseada na península da Crimeia, com a base naval em Sebastobol e
mais um porto em Odessa. A Rússia jamais pode aceitar a incorporação da Ucrânia
à OTAN, mesmo que a associação com a União Européia não implique aliança
política-estratégica. O presidente Vladimir Putin, diplomaticamente, já fez a
advertência de que está muito preocupado com a dívida do gás que a Rússia
fornece a Ucrânia não paga. E se cortar o fornecimento o governo, que os
Estados Unidos querem impor, não se sustenta. Cai.
Viktor Yushchenko, quando foi levado à presidência da Ucrânia, era a favor do
Ocidente, porém, tal como seu antecessor Leonid Kuchma, que solicitara a adesão
da Ucrânia à OTAN, na reunião de Raykjavia (13 de maio,2002), teve de rever sua
posição, diante da realidade geopolítica. Cairia, decerto, se consumasse a
adesão à OTAN. A União Europeia, outrossim, depende mais da Rússia que a Rússia
da União Européia. E essa foi uma das razões pela quais se recusou a alinhar-se
com os Estados Unidos para aplicar sanções contra o governo de Viktor
Yushchenko.
Acabei de receber de um conhecido em Kiev essa mensagem, que bem confirma e
demonstra o quanto a mídia manipula as informações sobre os acontecimentos na
Ucrânia:
“Sim, efetivamente aqui está muito quente na rua (a temperatura chegou a 35
graus na semana passada). Eu fui ver as barricadas ontem à noite, na primeira
linha diante dos integrantes da polícia militar. É bastante impressionante. Os
opositores na rua que ocupam aquela área estão armados, muito bem organizados
militarmente em companhias, fazem patrulhas em grupos de combate de dez
pessoas, com capacetes e armas. Eu cruzei com dois sujeitos com uniformes da
divisão SS Galicia (que lutou com os alemães contra os soviéticos em 1943-1945.
Acho muito engraçado ver os políticos europeus fazendo grandes declarações
sobre o “Maidan” e a democracia quando praticamente todos esses tipos que
enfrentam a polícia nas ruas são fascistas. É uma grande hipocrisia. Os
euro-atlânticos estão prontos a se aliar com não importa quem (como os
islamistas na Síria) desde que isso contribua para enfraquecer a Rússia”.
Qual a estrutura política de fato da oposição ucraniana?
Moniz Bandeira - Na 50ª Conferência de Segurança de Munique, o secretário de
Estado, John Kerry, disse que as demonstrações contra Yushchenko, em Kiev,
tinham como objetivo implantar a democracia. Que democracia? Viktor Yushchenko
fora democraticamente eleito em 2010. O nacionalismo ressurgente na Ucrânia e
alimentado pelo Ocidente é, na realidade, um neo-nazismo. O partido que o
fomenta é o Svoboda, cujo chefe é Oleg Tiagnibog, com maior influência no leste
da Galitzia, antes pertencente à Polônia e onde muitos habitantes colaboraram
com as tropas da Wehmarcht e formaram a 14. Waffen-Grenadier-Division der SS,
sobretudo na Galitzia oriental, reduto da extrema-direita. Os chamados
ativistas, que instigam e lideram as demonstrações pro-Ocidente, pertencem, em
larga medida, a comandos do Svoboda e de outras tendências neo-nazis, levados
de Lviv (Lwow, Lemberg) para Kiev e manifestam claramente tendências xenófobas,
racistas, anti-semitas e contra a Rússia.
Os manifestantes que estão nas ruas têm o apoio da maioria da população?
Moniz Bandeira - Creio que não. O Partido das Regiões, liderado pelo presidente
Viktor Yanukovich representa, provavelmente, a grande parte da população,
sobretudo no oriente e no sul, bem como conta com forte apoio oeste, i. e., na
Ucrânia sub-carpática. Seu suporte, portante, é grande, tanto que triunfou nas
eleições em 2010. E o projeto do presidente Vladimir Putin fortalece ainda mais
os vínculos da parte oriental da Ucrânia, mais industrializada, com a Rússia,
mediante a cooperação industrial, modernização e integração de tecnologias,
como antes se realizava com a União Soviética, nas áreas da aeronáutica,
produção de satélites, armamento, construção naval e outras. Na parte ocidental
o idioma que predomina é o ucraniano
Que lhe pareceu a expressão de desprezo pela União Européia (“Fuck the EU” ),
dita pela secretária de Estado Assistente, Viktoria Nuland, na conversa com o
enviado especial dos Estados Unidos à Ucrânia, embaixador Geoffrey Pyatt?
Moniz Bandeira - Não me surpreendeu. Viktoria Nuland apenas expressou o que
sempre pensaram e pensam as autoridades de Washington com respeito não apenas à
União Européia, mas também ao resto do mundo. A manifestação do extremo egoismo
é nacional, a que o embaixador do Brasil, Domício da Gama, notara e escreveu ao
Itamaraty, por volta de 1912. O vazamento dessa conversa, por telefone, de
Viktoria Nuland com o embaixador Geoffrey Pyatt, sobre quem Washington deve
escolher para assumir a presidência da Ucrânia, não vai provavelmente modificar
a intenção de Washington com respeito à Ucrânia. A posição de Washington não é
muito forte. Victória Nuland, irritada, demonstrou-o ao exclamar “Fuck the EU”
diante da hesitação da Europa de arriscar sua existência em benefício da
hegemonia dos Estados Unidos e não alinhar-se ao projeto de sanções contra o
governo de Viktor Yanukovich.
A União Europeia e os Estados Unidos têm condições de enfrentar a Rússia para
resgatar a Ucrânia do colapso financeiro?
Moniz Bandeira - Quase nenhuma. O povo na Alemanha, o país com mais recursos e
sobre o qual recai a maior responsabilidade pelo resgate, não aguenta mais
amparar financeiramente os diversos países, membros da União, a fim de que não
quebrem. Continuam todos altamente endividados e praticamente não aparecem maiores
sinais de recuperação econômica. A quase estagnação é um fato. E o problema da
dívida pública dos Estados Unidos, a depender sempre de que o Congresso aumente
o seu limite, não permite, decerto, ao governo do presidente Barack Obama
atender à situação catastrófica da Ucrânia. Entretanto, a economia da Rússia,
desde o ano 2000, cresceu em média 7%, tornou-se a sétima economia mundial
segundo o método da paridade do poder de compra e ainda ajudou a União Europeia
com a construção de oleodutos e gasodutos subterrâneos, que passam através da
Ucrânia e outros países aos quais fornece grande parte da energia. Cerca de 60%
do gás que a Alemanha consome provém da Rússia. E o presidente Vladimir Putin
já forneceu ao governo de Viktor Yanukovich um bailout de US$17 bilhões,
ademais de reduzir por algum tempo o preço do gás que fornece ao país. Mas se
cobrar a dívida, a Ucrânia quebra.
Há quem veja uma conexão entre as mobilizações de rua que vêm ocorrendo em
vários países nos últimos anos? O senhor vê tal conexão?
Moniz Bandeira - Diversos e complexos fatores, tais como a crise financeira
mundial, iniciada em 2007/2008, a estagnação econômica, desemprego dos jovens,
desencanto com os governos, bem como outros fatores domésticos e o fenômeno do
contágio e mimetismo, concorreram para que agentes externos pudessem fomentar
as demonstrações ocorridas em diversos países, sobretudo na Eurásia e no
Oriente Médio. Como demonstro, documentadamente, em meu livro A Segunda Guerra
Fria, logo após os atentados contra as torres gêmeas do World Trade Center, em
11 de setembro de 2001, o presidente George W. Bush (2001-2009), ao mesmo tempo
em que deflagrou a War on Terror, a guerra sem fim, estabeleceu a “freedom
agenda” e autorizou o Departamento de Estado a criar a Middle East Partnership
Initiative (MEPI) com o propósito de treinar ativistas político, com base no From
Dictatorship to Democracy, do professor Gene Sharp, usado na Sérvia, na
Ucrânia, na Geórgia e em outros países.
O objetivo era treinar e encorajar dissidentes e "reformistas
democráticos!, sob os “regimes repressivos” no Irã, na Síria, na Coreia do
Norte e na Venezuela, entre muitos outros, a solapar a estabilidade e a força
econômica, política e militar de um Estado sem recorrer ao uso da insurreição
armada ou de golpe militar, mas provocando violentas medidas, a serem
denunciadas como emprego de força brutal, abuso dos direitos humanos etc. e
provocar o descrédito do governo. A estratégia do professor Gene Sharp consiste
na luta não violenta, porém complexa, travada por vários meios, como protestos,
greves, não cooperação, deslealdade, boicotes, marchas, desfiles de automóveis,
procissões etc., em meio à guerra psicológica, social, econômica e política,
visando à subversão da ordem. Ela serviu para promover as chamadas “revoluções
coloridas”, na Eurásia, e a "primavera árabe", na África do Norte e
Oriente Médio. E ONGs, finaciadas pela Now Endowment for Democracia (NED),
USAID e CIA e outras instituições públicas e privadas, foram e são nada menos
que a mão invisível Washington.
Daí a secretária de Estado Assistente, Victoria Nuland, ter declarado na
conversa com o embaixador Geoffrey Pyatt que, nas duas últimas décadas, os
Estados Unidos gastaram US$ 5 bilhões para a "democratização" da
Ucrânia, i. e., para subverter os regimes, cortar seus laços históricos com a
Rússia e integrá-lo na sua esfera de influência, via União Européia. Victoria
Nuland é esposa de Robert Kagan, líder dos neoconservadores (neo-cons) do
ex-presidente George W. Bush, cujo papel como "universal soldier", o
presidente Barack Obama passou a desempenhar.
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