Rafael Marques de
Morais – Maka Angola, 7 Maio, 2014
Tentativa de
difamação
Uma antiga
associação entre mim e a Fundação Open Society, patrocinada pelo bilionário e
filantropo George Soros, tem sido usada, revelando desespero de causa, para
atingir-me no terreno da moralidade. Esse ensaio tem sido tentado, sem sucesso,
pela propaganda do regime em
Angola. Todavia, a perfídia com que tal missão passou a ser
assumida por um mercador de comunicação português tem muito que se lhe diga,
mais pela sua forma obtusa do que pelo seu conteúdo.
Tal tentativa
oferece, no entanto, uma oportunidade para revisitar o modo como o regime do
presidente Dos Santos não tem olhado a meios para neutralizar o autor. O
envolvimento de Soros em Angola é apenas um episódio dessa obsessão oficial,
que é o que interessa por ora.
Ademais, em breve,
novas revelações de monta sobre a teia de corrupção e negócios da família Dos
Santos, particularmente de Isabel dos Santos, deixarão ainda mais fragilizados
e vulneráveis, diante da opinião pública, os envolvidos. Certamente aumentarão
o seu nível de desespero e o dos seus defensores. Será interessante notar,
nessa altura, para além do recurso à violência, bruta ou requintada, que outras
estratégias o poder e o dinheiro lhes proporcionarão na sua defesa.
A questão de George
Soros é simples. O regime do pai de Isabel dos Santos tem sido o principal
beneficiário desse envolvimento. E é justamente por essa ironia fina que vale a
pena escrever.
Antes, contudo, é
preciso explicar aos leitores o que terá desorientado o relações públicas de
Isabel dos Santos.
Proposta à Forbes
A 11 de Agosto de 2013, Luís Paixão Martins escusou-se a responder às questões
colocadas por mim e pela editora Kerry Dolan no âmbito da investigação que
realizámos para a revista Forbes sobre Isabel dos Santos. As
primeiras perguntas foram enviadas por e-mail em Abril, após anuência
da Luís Paixão Martins Comunicações (LPMC).
Num e-mail dirigido
a Kerry Dolan, o consultor português apresentou nos seguintes termos a sua
condição para responder às perguntas sobre Isabel dos Santos:
“Certamente, caso
realmente queira a nossa cooperação para informar os vossos leitores com
precisão, uma publicação como a vossa deve trabalhar com um jornalista de
negócios, ou um especialista em economia, com experiência de Angola e/ou
Portugal; as suas economias, mercados e investimentos; alguém que vos poderia
providenciar informação isenta, apolítica e verdadeira. Este não é o caso. Você
escolheu trabalhar com um activista político. Você não escolheu trabalhar com
alguém independente e com experiência em economia. Tenho o prazer
de lhe dar alguns contactos de jornalistas independentes económicos/de negócios
que trabalham para publicações reputadas, que se especializam em economia e
negócios em Angola, Portugal e países de expressão portuguesa.”
Esta proposta,
evidentemente, foi recebida como sendo ofensiva e ridícula. No dia seguinte,
tendo sido mais uma vez avisado de que o artigo seria publicado de qualquer
modo, Luís Paixão Martins acabou por responder a algumas questões, reafirmando,
no entanto, a sua oferta anterior a Kerry Dolan:
“Qualquer
jornalista português com experiência em negócios, pode ajudá-la na
identificação de fontes. Infelizmente, você escolheu trabalhar com um activista
político. Você escolheu não trabalhar com alguém com conhecimentos em economia. Como disse
antes, tenho o prazer de lhe dar alguns contactos de jornalistas independentes
económicos/de negócios que trabalham para publicações reputadas, que se
especializam em economia e negócios em Angola, Portugal e países de expressão
portuguesa.”
Sobre a forma como
a LPMC pode dispor de jornalistas portugueses para escreverem sobre a sua
cliente é algo que apenas diz respeito à comunicação social portuguesa e à
opinião pública local.
Caprichosa, Isabel
dos Santos, entretanto, adquiriu os direitos de publicação da Forbes para
Portugal e para países africanos de expressão portuguesa. Deste modo, a Forbes reconquistou
a sua reputação no universo comandado por Isabel dos Santos.
No entanto, a Forbes publicou mais tarde nova investigação sobre como
Isabel dos Santos adquiriu a joalharia suíça De Grisogono e
passou a controlar o mercado de diamantes em Angola, por via de uma parceria
ilícita com a empresa estatal de comercialização de diamantes, a Sodiam S.A.
Tudo isso através dos actos corruptos do pai, o presidente José Eduardo dos
Santos. Sem argumentos de defesa capazes de limpar o nome de Isabel dos Santos,
foi então engendrada uma conspiração internacional, com George Soros à mistura.
Vamos então ao caso
Soros.
O Encontro
Em 1997, aquando de
um jantar em que eu estava presente, juntamente com perto de outros 40
convidados, incluindo personalidades muito importantes da África do Sul, George
Soros era o convidado de honra. Após ter feito o seu discurso, Soros disse à
audiência, de improviso, “agora chamo o meu amigo Rafael Marques”, afirmando
que eu partilharia as minhas ideias sobre Angola e o papel da sociedade civil.
Recusei-me a falar.
Não fazia parte do programa e eu não estava preparado. Tinha sido apenas
convidado para jantar. Senti-me honrado quando soube que tinha sido colocado na
mesa de George Soros. Foi aí que o conheci, e conversámos durante algum tempo,
sobre assuntos genéricos.
Pouco depois,
George Soros voltou a sentar-se à mesa e, sem desanimar com a minha recusa,
disse-me que me tinha oferecido uma grande oportunidade e que cabia a mim,
apenas, aceitar ou recusar. Mudei de ideias. Dirigi-me ao palanque e defendi a
ideia de que a democracia só funciona quando alicerçada no ensino, a começar
pela educação primária, e manifestei o meu desencanto com o modus operandi das
organizações internacionais pela superficialidade dos seus programas de apoio à
democratização e à luta pelo respeito dos direitos humanos. Insisti na
educação.
Aposta na Educação
Para minha
surpresa, passados dois meses, recebi a visita de Terrice Bassler, especialista
em educação da Open Society, vinda de Nova Iorque. A então vice-ministra
Francisca do Espírito Santo proporcionou-nos um encontro e organizou uma visita
ao Bengo, na qual incluiu altos funcionários do seu ministério.
Durante dois anos,
e até este encontro entre mim e Terrice Bassler, a Open Society tinha tentado
estabelecer-se em Angola sem sucesso.
Em menos de dois
meses, estabeleceu-se um projecto-piloto para a capacitação de professores
primários no Bengo e nos arrabaldes dos municípios de Cacuaco e Viana, em Luanda. Com uma
dotação inicial de US $250,000, destinados à educação apenas, a organização
pediu-me para representá-la interinamente em Angola, durante alguns meses, até
à contratação de um director. Acabei por ficar seis anos, renovando o contrato
todos os anos.
Durante mais de um
ano, o escritório dessa organização multimilionária foi a minha sala de jantar,
de modo a minimizar os custos administrativos.
Até à minha saída,
em finais de 2004, em colaboração com o Ministério da Educação, a Open Society
capacitou mais de 4,500 professores primários, sobretudo no Bengo, em Luanda e
no Kwanza-Sul. Estendeu os seus seminários de formação de formadores às
províncias do Uíge, Moxico e outras. A determinada altura, o orçamento para o
projecto de educação ascendeu a US $500 mil anuais. Todo o pessoal do projecto
de educação provinha do Ministério da Educação, em regime de colaboração. Após
o termo das suas funções como coordenadora do projecto de Educação da Open
Society, em 2004, Luísa Grilo assumiu as funções de directora nacional do
Ensino Geral do Ministério da Educação, cargo que mantém até à data presente.
Prisão
Após a minha
detenção, a 16 de Outubro de 1999, por ter escrito o “Batom da Ditadura”,
levantaram-se vozes internamente, ao nível do Ministério da Educação e do MPLA,
a exigir o fim do projecto. A iniciativa era apresentada como uma manifestação
de lealdade e solidariedade para com o presidente da República, que ordenou a
minha detenção por se ter ofendido com o texto que o caracterizava como ditador
e corrupto. Outras vozes, no entanto, dignaram-se a defender os méritos do
projecto e a separá-lo das minhas opiniões pessoais. O “Batom da Ditadura”
tinha sido uma resposta aos insultos do deputado João Melo. Eu promovera uma
iniciativa de apelo ao cessar-fogo em Angola a que João Melo chamou de
“heresia”.
Tal era a lealdade
ao pai de Isabel dos Santos, que os meus captores apontaram-me sete armas,
quando abri a porta de casa, incluindo uma pistola pressionada contra a minha
têmpora. Fui encarcerado em condições sub-humanas. Foi nessa altura que vivi a
realidade dos abusos contra os direitos humanos. Ao invés de fraquejar,
indignei-me. Estabeleci um sistema de denúncia dos casos mais graves com os
quais ia tomando contacto na cadeia.
Durante a minha
detenção, George Soros engajou-se pessoalmente, para além da sua rede de
fundações, para conseguir a minha libertação. Soube, mais tarde, que telefonara
a dois estadistas africanos, que mantinham boas relações com Angola, para além
de outros dignitários. Houve várias estratégias de pressão. Até em Portugal,
para além do apoio incondicional de Mário Soares, a própria Assembleia da
República abordou o caso, por iniciativa do Bloco de Esquerda.
Internamente, a
pressão também era significativa. Na altura, o então presidente da Conferência
Episcopal de Angola e São Tomé, o arcebispo D. Zacarias Kamwenho, foi
visitar-me à Cadeia de Viana, na companhia de outros bispos. O próprio
presidente José Eduardo dos Santos, e este facto é aqui revelado publicamente
pela primeira vez, teve a iniciativa de enviar também um emissário seu à
cadeia, para saber do meu estado de saúde.
Quando saí do
estabelecimento prisional de Viana, tinha dossiês até de casos de escravatura a
que estavam sujeitos vários condenados, obrigados a trabalhar nas quintas
privadas de certos dirigentes. Denunciei o caso de um jovem que se encontrava
em prisão preventiva havia 15 anos. Centenas de presos tiveram de ser
libertados por excesso de tempo cumprido em prisão preventiva. Este
estabelecimento prisional encerrou para obras pouco tempo depois. Passaram a
chamar-me activista dos direitos humanos. Tenho o maior orgulho em defender os
direitos dos meus concidadãos, assim como tenho o maior orgulho em expor
aqueles que saqueiam o país sob o comando de José Eduardo dos Santos. A
corrupção institucionalizada em Angola também configura uma grave violação dos
direitos dos cidadãos por privação de direitos económicos e sociais.
Democracia e
Direitos Humanos
Os projectos de
apoio da Open Society à comunicação social, à democracia e aos direitos humanos
acabariam por ter maior visibilidade devido à sua mediatização, apesar de terem
sido sempre secundários em relação à educação. Durante os meus anos de liderança,
todos os outros projectos juntos nunca tiveram um orçamento superior ao da
educação. Logo, o governo foi o maior beneficiário dos financiamentos da Open
Society.
As conferências
tinham sempre a cobertura em directo da Rádio Ecclésia, o que permitia
contribuir para o alargamento do espaço de debates públicos sobre temas
candentes da sociedade. O Semanário Angolense, sob direcção de Graça
Campos, publicava sempre suplementos com os contributos e resultados das
conferências. Também publicou, em suplemento, os relatórios sobre a violação
dos direitos humanos em Cabinda. Os dirigentes do MPLA participavam desses encontros.
George Soros e o
Pai de Isabel dos Santos
Quando a equipa de
comunicação de Isabel dos Santos procura associar-me a George Soros de forma
negativa, escamoteia factos relevantes da relação entre o próprio regime e
Soros.
Essa relação
começou com uma grande estratégia arquitectada e liderada por Carlos Feijó,
então consultor do presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Manuel
Vicente, e do próprio presidente da República.
A estratégia de
Carlos Feijó aconselhava o presidente a optar por uma política de aproximação a
George Soros, como forma efectiva de me neutralizar. Supunha-se que, sem a
cobertura institucional e financeira da Open Society, eu deixaria de ser uma
preocupação para o presidente.
O presidente
aprendera uma lição. A brutalidade da minha detenção e o meu julgamento
acabaram por fortalecer as minhas convicções, causando mais danos à sua imagem,
quer no país, quer no exterior.
De acordo com a
linha de pensamento de Feijó, eu passaria a ser apenas vítima da frieza dos
interesses económicos de Soros e não da astúcia do regime. A iniciativa incluía
o meu isolamento de potenciais focos de apoio ou de relacionamento com o
exterior, como embaixadas ocidentais e ONGs internacionais com quem eu mantinha
boas relações. Nessa altura, um embaixador português foi ao extremo de convocar
uma conhecida e influente figura do MPLA com quem eu mantinha grande
proximidade. O embaixador português solicitou-lhe que pusesse fim à relação de
amizade comigo, caso contrário deixaria de receber convites das embaixadas
ocidentais, teria problemas com vistos e passaria a ser ostracizado pela
comunidade internacional. As “sanções”, afinal, eram combinadas. Também era
essencial o isolamento interno: reduzir o visado à condição de miserável, sem
meios de subsistência, constituía um anexo da estratégia.
Dos Santos aprovou
a estratégia.
Manuel Vicente e o então ministro das Finanças, José Pedro de Morais, passaram
a ser os executores da política de aproximação a George Soros, aos quais se
juntou o embaixador nas Nações Unidas, Ismael Martins.
Dos contactos
iniciais mantidos com essas entidades, George Soros informou-me pessoalmente
por telefone. Sem rodeios, disse-me também que pediam a minha demissão para
facilitar a expansão da Open Society em Angola, e para o desenvolvimento de
projectos conjuntos de transparência e direitos humanos. Numa dessas conversas,
os indivíduos que faziam a escuta telefónica desligaram seis vezes a chamada,
após algumas interferências verbais na conversa. Soros parodiava com a situação
e insistia em ligar novamente.
Entretanto, o
vice-presidente da Open Society, Stewart Paperin, já tinha visitado Angola duas
vezes, para encontros com o governo, sem que eu tivesse tido conhecimento.
Desses encontros resultaram a elaboração de um memorando de entendimento entre
a Fundação George Soros, a Sonangol e o Governo de Angola.
O memorando previa
assistência técnica e financeira da Open Society ao governo e à Sonangol para a
implementação de reformas acordadas. Essencial, como sempre para o governo: os
entendimentos incluíam iniciativas destinadas a melhorar a imagem do governo e
da Sonangol no exterior, para promover um maior acesso aos mercados
internacionais de capital, etc.
Fonte da
presidência da República informou a Rádio Voz da América (VOA) acerca
da minha demissão da Open Society, justificando-a como parte dos entendimentos
celebrados com Soros. Tomei conhecimento danotícia da VOA , em Washington, onde chegara um dia antes
para uma palestra.
Fui a Nova Iorque
falar directamente com Soros, que me convidou para ir tomar o pequeno-almoço
consigo no seu apartamento. Estava presente Stewart Paperin. Soros foi muito
claro sobre tudo o que tinha sido negociado e ofereceu-me US $500,000 para que
a estratégia de isolamento do governo não me deixasse na penúria. Recusei
prontamente. Fi-lo da mesma forma que recusei também a oferta da assessoria
jurídica de José Eduardo dos Santos para que não houvesse julgamento, em 2000,
juntamente com a suposta felicidade e riqueza que eu encontraria no exterior do
país.
Expliquei a Soros
que o governo não honraria a sua palavra. Ele disse-me que era um risco que
valia a pena correr.
Stewart Paperin
interveio, chamando-me o “mau da fita” e considerando-me um empecilho ao
crescimento e à expansão da Open Society em Angola. A partir dali,
percebi que não havia mais nada para discutir. Soros repreendeu o seu
vice-presidente por esta intervenção, desculpou-se e terminámos o
pequeno-almoço.
Como se esperava,
não houve assinatura do memorando de entendimento. Todavia, os homens do
presidente tinham outra carta na manga. Dos Santos receberia George Soros como
seu convidado especial no Congresso do MPLA, realizado de 6 a 9 de Dezembro de 2003.
Manuel Vicente tinha o jacto executivo da Sonangol pronto para transportar o
bilionário da Cidade do Cabo até Luanda.
Entre as várias
tentativas para demovê-lo da ideia, dois altos dirigentes do MPLA e o actual
presidente da UNITA, Isaías Samakuva, paralelamente, intervieram junto de Soros
para abortar a sua iminente visita a Angola. Era também do interesse de
sectores influentes do MPLA e da oposição o papel catalisador da Open Society
junto da sociedade civil, na promoção de espaços de debate para a realização da
democracia participativa.
A viagem de Soros
acabou mesmo por não se realizar. No entanto, o presidente da sua fundação,
Aryeh Neier, visitou Luanda para falar apenas com a sociedade civil, prestar-me
solidariedade e reafirmar a minha manutenção no cargo.
A partir dessa
data, a estratégia passou a ser sub-reptícia e executada pelo escritório
regional, Open Society Initiative for Southern Africa (OSISA), baseado na
África do Sul.
Em Maio de 2004, a Open Society
patrocinou o colóquio “Angola na Encruzilhada do Futuro”, que teve lugar em
Lisboa, em Maio de 2004, na Fundação Mário Soares, e onde o MPLA se fez
representar. O secretário para os Assuntos Políticos e Eleitorais do Bureau
Político do MPLA, o deputado João Martins, também foi prelector.
Obviamente, o
presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos, autorizara esta participação. A
estratégia tinha sido revisitada.
Passado um mês, em
Junho de 2004, solicitei a minha demissão. Recusei a proposta de acomodação no
conselho de administração da OSISA, bem como uma bolsa de estudos que incluía a
manutenção do meu salário e outras alternativas. Acreditei que, com a vitória
da estratégia presidencial, poderia finalmente dedicar-me a outras tarefas.
Pediram-me para ficar mais seis meses , de modo a assegurar a transição.
Nessa altura,
estava empenhado no projecto de monitoria da violação dos direitos humanos na
região diamantífera das Lundas. A OSISA cancelou o projecto abruptamente como
forma de impedir a produção do relatório e sobrecarregar-me financeiramente com
os compromissos então assumidos. “Lundas: As Pedras da Morte”, que escrevi em
co-autoria com o advogado português Rui Falcão de Campos, acabou por ser
lançado em Angola, Portugal e nos Estados Unidos. Não lamentei o facto de ter
gasto, do meu próprio bolso, cerca de US $30,000 para honrar os compromissos
então assumidos. Angola é o meu país.
Incluí a Open Society nos agradecimentos da obra. Em Fevereiro de 2005, cheguei
a Washington, para o lançamento do relatório no Woodrow Wilson Center, sem dinheiro
para pagar o hotel. Exasperada, a então vice-presidente da Open Society
Institute, em Washington, Deborah Harding, decidiu apoiar-me pessoalmente e
providenciou a minha acomodação em casa de uma sua amiga, no coração de
Georgetown. Desde então, uma mão-cheia de amigos têm feito toda a diferença.
Depois desse acto
de sabotagem, nunca mais tive qualquer tipo de contacto institucional com a
rede de fundações de George Soros ou o seu patrono.
A Influência do
Petróleo e a Propaganda sem Gás
Em 2009, durante as minhas investigações, percebi melhor a manutenção da
relação de Soros com o poder angolano. Soros tornara-se no principal acionista
da Cobalt International, uma empresa petrolífera americana basicamente criada
com investimentos da Sonangol.
A Cobalt
associou-se a duas empresas-fantasma angolanas, a Nazaki Oil and Gas e a Alper
Oil, na prospecção dos blocos 9 e 21, de forma corrupta. A primeira é
propriedade do triunvirato Manuel Vicente e os generais Manuel Hélder Vieira
Dias Kopelipa e Leopoldino Fragoso do Nascimento – o testa-de-ferro do pai de
Isabel dos Santos. A segunda tem como último beneficiário Manuel Vicente.
O general
Leopoldino Fragoso do Nascimento, que foi o chefe de comunicações do
presidente, afirma-se hoje publicamente, no seu website, como o criador da
UNITEL.
Luís Paixão Martins
cai no seu próprio embuste ao procurar fazer conjecturas sobre a suposta
participação de Soros no negócio da UNITEL, através da Portugal Telecom. Na
fértil imaginação da assessoria de imprensa de Isabel dos Santos, Soros
conspira comigo para tentar impedir a venda das acções que a Portugal Telecom
(PT) detém na UNITEL. Isabel dos Santos quer a PT fora do negócio. Isabel dos
Santos usou a mesma estratégia para afastar o empresário Américo Amorim da
parceria que detinham na cimenteira angolana Nova Cimangola, em 2010. A
voracidade da filha do presidente estende-se também à participação societária
de 25 porcento que Américo Amorim detém no Banco BIC, de direito angolano, comofoi anunciado há dias pela imprensa portuguesa. A filha de
José Eduardo dos Santos tem igual capital no referido banco e quer as quotas de
Amorim. Serão também conspirações de Soros e Rafael Marques?
Aí revelei o cruzamento
de negócios de George Soros com o poder angolano.
Este artigo deu
origem a uma investigação nos Estados Unidos contra a Cobalt, por suspeita de
corrupção de dirigentes angolanos. George Soros acabou por vender as suas
acções desta empresa em Junho de 2010, tendo desfeito com celeridade a sua
associação à nomenclatura angolana por via de tal negócio.Vendeu por US $31 milhões as acções que tinha comprado por US
$81 milhões.
A forma como se
tenta usar a minha relação com George Soros fez-me lembrar uma entrevista na
rádio Luanda Antena Comercial (LAC), há muitos anos atrás. O José Rodrigues
tentou “grelhar-me”, no programa “Café da Manhã”, sobre como a minha relação de
amizade com Mário Soares como um acto de lesa-pátria. Respondi que, se tal
fosse o caso, então maior crime estavam a cometer os assessores do presidente e
outros dirigentes que tinham os seus filhos a estudar no colégio privado da
família Soares em
Lisboa. Fez-se logo um intervalo, para que eu não mais
tocasse no assunto. Na realidade, nada mais tinha a dizer, porque nunca
revelaria a identidade dessas figuras: que dessem a melhor educação possível
aos seus filhos.
Há, contudo, uma
explicação para esta campanha promovida contra a minha pessoa pela assessoria
de Isabel dos Santos. A mediocridade do presidente e da elite que o adula só se
pode afirmar como o que há de melhor em Angola por meio da negação e anulação
da consciência individual e da dignidade do outro – aquele que se nega a fazer
parte do esquema ou é excluído.
Sempre acompanhei
as estratégias intramuros contra mim e contra o meu trabalho. Percebi a
paranóia que provoco no seio do regime, ao ponto de merecer a mobilização de
tantos recursos contra aquilo que faço e que continuarei a fazer.
Actualmente, a
vigilância, o controlo e a observação visual da minha pessoa, dentro e fora do
Angola, foi elevada ao nível máximo. O regime persegue uma ideia que julga
estar a ser polida na minha consciência.
Isabel dos Santos
desconhece, todavia, aquilo em que está a meter-se, e não tardará a perceber
que a sua assessoria de comunicação está, na realidade, a expô-la a ventos
fortes.