Gregos
vão às urnas em 25/1, podendo derrubar políticas de “austeridade” e iniciar uma
revolução democrática. Por isso, FMI e Alemanha já chantageiam…
Nuno Ramos de Almeida - Outras Palavras
Talvez
2015 — um ano que promete tudo, menos pasmaceira — tenha começado
antecipadamente nesta quarta-feira, 29/12. Fracassou
uma manobra do primeiro-ministro grego, Antonis Samaras, para
assegurar seu próprio mandato até 2016. Como resultado, haverá eleições
parlamentares antecipadas em 25/1. Segundo as pesquisas, a Syriza —
Frente de Esquerda Radical — é favorita para formar novo governo. Seu principal
líder, Alexis Tsipras, declarou, minutos depois: “uma página foi virada. Em
pouco tempo, as políticas de ‘austeridade’ impostas ao país farão parte do passado”.
São, em dose mais radical, o mesmo que Joaquim Levy, o ministro da Fazenda
escolhido por Dilma Roussef, quer impor ao Brasil, também a partir de 2015…
Uma
vitória da Syriza teria consequências além da Grécia e da Europa. Desafiaria o
estranho retorno do neoliberalismo — a política ultracapitalista que provocou a
crise iniciada em 2008, mas que paradoxalmente recuperou influência, por
faltarem, ainda, opções sistêmicas. Por isso, não será fácil. Imediatamente
após anunciadas as eleições, o Fundo Monetário Internacional (FMI) suspendeu o pagamento de um empréstimo à Grécia, com o
qual havia se comprometido. E o ministro das Finanças alemão, Wolfgang
Schaueble, dirigiu-se aos gregos repetindo,
“ipsis literis”, a frase de Margareth Thatcher: “não há alternativas”…
Os
gregos se curvarão? Talvez seja o primeiro grande desafio de 2015, o primeiro
ato a definir seu sentido. “Outras Palavras” celebrará, nas próximas horas: por
um ano que sacuda os acomodados e acalente os inquietos! Foi ótimo ter sua
companhia em 2014. Estejamos juntos nos tempos áridos, porém cheios de oportunidades,
que se abrirão. Tin-tim! (A.M.)
—
Quando os EUA ocuparam o Iraque enviaram um homem para mandar no país: Paul Bremer foi o escolhido. O homem que usava terno e gravata com botas militares notabilizou-se por ter defendido publicamente o seguinte: os iraquianos vão ter uma democracia, vão poder eleger todo mundo, menos os partidos com que os americanos não estão de acordo.
Quando os EUA ocuparam o Iraque enviaram um homem para mandar no país: Paul Bremer foi o escolhido. O homem que usava terno e gravata com botas militares notabilizou-se por ter defendido publicamente o seguinte: os iraquianos vão ter uma democracia, vão poder eleger todo mundo, menos os partidos com que os americanos não estão de acordo.
Apesar
de o Iraque desse tempo viver sob ocupação militar e a União Europeia ser um
espaço formalmente constituído por países independentes, esta é a situação dos
povos a mando da troika [FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu]: os
povos são livres para votar, desde que não ponham em causa a ordem
imposta a partir do eixo Berlim-Bruxelas. E para lembrar isso aos mais
recalcitrantes, usam-se todas armas disponíveis: depois de o FMI anunciar a
suspensão do pagamento da sexta parcela de um empréstimo, o ministro das
Finanças alemão, Wolfgang Schäuble veio a público afirmar que “os gregos não
têm alternativa” às políticas de austeridade.
A
receita da chantagem e da pressão é velha, mas tem dado até agora os seus
resultados. Em 2011 a
troika anunciou também a suspensão de uma parcela, do primeiro empréstimo à
Grécia. A decisão de ouvir o povo e fazer um referendo às medidas da troika,
anunciada pelo então primeiro-ministro grego, Papandreu, deixou Berlim e
Bruxelas em estado de guerra. O governo grego foi obrigado a recuar em toda a
linha e a assumir que as imposições da troika não estavam sujeitas às decisões
democráticas.
Nesta
segunda tentativa de chantagem, a Grécia tem mais uns anitos de medidas
impostas pelo estrangeiro que levaram à destruição do país e ao empobrecimento
da sua população, o que faz com que nenhum habitante ignore que esta chantagem
pode ser poderosa, porque apela ao medo do desconhecido. Mas sabem o
fundamental: que a política da troika se limitou a garantir os lucros dos
especuladores: roubar aos pobres para dar aos ricos. Nenhum dos problemas
estruturais da economia grega foi resolvido: o país produz menos, tem mais
desempregados, deve mais e está mais pobre e desigual. A única coisa que estas
políticas, com selo da chanceler alemã, conseguiram foi dar mais dinheiro aos
do costume: os especuladores e os muito ricos.
No
dia 25 de Janeiro realizam-se eleições legislativas antecipadas na Grécia e
pela primeira vez um partido antitroika pode ganhar. As sondagens dão como
vencedor o Syriza (coligação de esquerda radical). Este pode ser o primeiro
episódio de uma mudança diversa mas considerável na Europa. Depois da possível
vitória da extrema-esquerda na Grécia, as sondagens dizem que em Espanha o
Podemos poderá disputar o primeiro lugar das eleições. Na França, pode vir a
triunfar a Frente Nacional e no Reino Unido cresce o UKIP. Todos estes partidos
são diferentes, a única coisa que os une é responderem a um mal-estar crescente
dos povos em relação à integração europeia e às políticas ditadas pelo governo
de Berlim.
Aquilo
que se verificou até aqui é que as políticas neoliberais esvaziaram a
democracia e se tornaram cada vez mais autoritárias. Os povos votam em partidos
diferentes, mas quem dá ordens é Berlim e Bruxelas, a mando dos interesses dos
“mercados”. Até os Orçamentos do Estado passaram a ter de ter visto de
Bruxelas. A única coisa que a integração na UE faz é garantir que todos pagamos
os prejuízos dos especuladores financeiros. Foi esta a lição que nos deixou a
crise financeira começada em 2008: quando os lucros da especulação eram altos,
receberam os dividendos os especuladores accionistas do bancos; quando os
bancos tiveram prejuízos ou foram à falência devido à especulação, pagamos nós.
A nossa democracia foi expropriada para garantir a segurança dos lucros dos poderosos.
Só
há alternativa a este estado de coisas devolvendo a soberania aos povos. A
democracia só tem sentido se pudermos escolher caminhos diferentes. No dia 25
de Janeiro os gregos vão às urnas e isso pode ser o início de uma revolução
democrática.
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