Rui
Sá – Jornal de Notícias, opinião
Começo
por fazer uma declaração de interesses: adoro apanhar mexilhões e comer os
ditos de qualquer forma e feitio, menos crus.
Mas
os mexilhões a que agora me refiro são aqueles a quem o nosso
primeiro-ministro, por acaso também com nome de animal comestível, se referiu
para contar uma das maiores patranhas que ouvi nos últimos tempos: a de que,
com ele no Governo, não foram os mexilhões (aquilo que normalmente designamos
por povo) que se lixaram, mas sim os "donos disto tudo", ou seja,
aqueles que mais têm. É caso para dizer que tentou vender coelho (ou mesmo
gato?) por lebre!...
Mas,
agora que o ano de 2015 se iniciou, deixemo-nos de fábulas. Um dos argumentos
que muita gente utiliza - designadamente aqueles que, com o seu voto, ajudam a
eleger aqueles que nos têm governado - é o de que "os governantes são boas
pessoas e querem fazer as coisas bem" e que "ninguém gosta de tomar
medidas impopulares". A questão não é essa. Governar é, por definição,
tomar opções. E estas têm justificações e consequências. A questão é, assim,
saber quais as opções que norteiam essas medidas e saber, efetivamente, quem
delas beneficia.
Vejamos,
então, um número interessante que mostra quem beneficia e quem perde com as
opções políticas tomadas. O da distribuição do peso do fator
"trabalho" e do peso do fator "capital" na economia do
país. Ou seja, o peso que o rendimento associado a estes dois fatores tem na
economia, o que permite ver os resultados das políticas públicas na forma de
distribuição da riqueza.
De
acordo com especialistas (Pedro Ramos, da Universidade de Coimbra), desde o
início da crise, em 2007, o peso do rendimento do trabalho (por conta de outrem
ou por conta própria) passou de 53,2% para 52,2% do PIB (em 2013), enquanto o
peso do rendimento do capital passou de 27,8% para 29,7% do PIB. Sendo que esta
tendência se agravou, se compararmos o período de governação do atual Governo.
Trocando "por miúdos", assistimos a uma redução de 3,6 mil milhões de
euros no rendimento do trabalho, enquanto o rendimento do capital teve um
acréscimo de 2,6 mil milhões de euros.
Quando
os números são assim tão evidentes, logo alguns se apressam a tentar denegri-los,
arranjar nuances e, em "economês", virar o bico ao prego. Mas este
indicador é demonstrativo de que as opções do Governo (com o suporte do
"programa de reajustamento" assinado com a troika) visaram beneficiar
os que mais têm à custa da desvalorização do trabalho - com salários e reformas
congelados ou diminuídos, com aumento das jornadas semanais de trabalho, com
redução de feriados e de férias, com eliminação de direitos. Ou seja, os
governantes podem ser boas pessoas. Têm é uma agenda clara, aquilo que os
marxistas designam por opção de classe.
E
também por isso não deixa de ser curioso analisarmos como se comportou este
indicador no período do 25 de Abril. Efetivamente, segundo outro estudo
(Manuela Silva, professora do ISE), em 1973, o peso do rendimento do trabalho
no rendimento nacional era de 49,2%. Em 1974, esse peso passou para 54,6% e, em
1975, para 64,7%. Valor que, depois, veio a reduzir-se sistematicamente.
Vemos,
assim, que efetivamente o mexilhão só não se lixou nos anos da revolução. A
partir daí, tem sido um "fartar vilanagem" de pancada...
Engenheiro
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