Rui
Peralta, Luanda
I
- Sob forte contestação dos USA e de Israel, a Autoridade Palestiniana (AP),
submeteu a sua admissão ao Tribunal Penal Internacional (TPI) e assinou
diversos tratados internacionais. A AP procura, desta forma, levar a julgamento
os responsáveis israelitas (políticos e militares) sob a acusação de crimes de
guerra nos Territórios Ocupados. Em retaliação, Israel, suspendeu a
transferência de fundos para o pagamento de salários da função pública
palestiniana. A decisão da AP foi após os USA e Israel terem travado uma moção
do Conselho de Segurança da ONU, que exigia o fim da ocupação e o
estabelecimento do Estado Palestiniano em 2017.
Riad
Mansour o chefe da delegação palestiniana na ONU, afirmou que "esta é uma
opção pacífica e civilizada. Os que cumprem a lei não têm medo (...) Mais de
500 crianças foram vitimas da ocupação israelita no passado Verão e mais de 3
mil foram feridas e mortas, além de largos milhares de civis mortos e
feridos". O primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu assegurou que
"Israel não permitirá que soldados e oficiais do IDF (Forças de Defesa de
Israel) sejam condenados pelo TPI", na mesma altura em que um porta-voz do
Departamento de Estado, em
Washington D.C. considerava a decisão palestiniana como
"inteiramente contra-produtiva e causadora de graves danos nas relações
com Israel", o que originou uma resposta por parte de Wasiel Abu Youssef,
responsável da OLP em Ramallah que assegurou que nada afetará "a
determinação da AP e do Povo Palestiniano em busca da liberdade e da
independência".
II
- Dos 15 membros do Conselho apenas dois votaram contra a resolução que exigia
o fim dos territórios ocupados (USA - que tem direito a veto - e Austrália),
mas a abstenção da Nigéria (que mudou de posição, depois do presidente Goodluck
Jonathan ter recebido chamadas telefónicas do primeiro-ministro israelita, do
Secretário de Estado Kerry e do presidente Obama) foi decisiva para o chumbo da
proposta de resolução apresentada pela AP. Mas esta proposta foi, também
contestada por diversos sectores palestinianos, que acusam a AP de fazer
demasiadas cedências a troco de nada e de fragilizar a segurança palestina. Na
proposta da AP estava implícita uma terceira força militar na região (NATO?)
que assumiria algumas funções que são agora desempenhadas pelas forças
palestinianas.
O
"chumbo" desta proposta pelo Conselho de Segurança acabou por ter um
efeito positivo entre os palestinianos (internamente a proposta dividiu a
resistência) e permitiu o apoio da grande maioria das forças palestinianas à
decisão da AP em aderir ao TPI. Mas - e voltando á proposta de resolução
- se a AP estava a ceder em matéria de segurança interna palestiniana - ao
ponto de propor que uma terceira força efectuasse algumas dessas funções e
havendo campo aberto para que esse papel fosse entregue á NATO - porquê a
intransigente posição norte-americana, de repúdio á resolução, ao extremo de
pressionar a Nigéria? A resposta a esta questão encontra-se, obscurecida nas
entrelinhas, nas palavras da embaixadora dos USA na ONU, Samantha Power, quando
explicava a objecção norte-americana: "Votamos contra não porque somos
indiferentes aos esforços diários de implementação dos acordos estabelecidos
entre Palestinianos e Israelitas, mas porque sabemos que esses acordos só
subsistirão quando ambas as partes alcançarem as bases de entendimento através
de negociações directas, sem intermediários".
Perante
a surpresa de todos, Samantha Power atirou os palestinianos para a toca do
lobo, como se o diálogo bíblico entre o cordeiro e o lobo, nos jardins do Éden,
fosse a única solução para o problema. Para os USA a posição é simples: não
assinam nada que seja apresentado pelos palestinianos, mesmo que isso
represente um enfraquecimento da Palestina, ou seja, mesmo que a Palestina opte
por desaparecer do mapa... Não! A política das administrações norte-americanas
obedece a outra lógica: o cordeiro é o alimento do lobo. A alcateia que encha a
barriga que depois logo se vê o que resta do rebanho...
III
- O significado da adesão da Palestina ao TPI é enorme e muito mais eficaz que
qualquer resolução do Conselho de Segurança ou moção da Assembleia-geral. O TPI
é, ainda, uma instituição fraca, forçada à inercia, permeável às influências,
debaixo de intenso fogo cruzado e de falsas acusações, rodeada por discursos
populistas, nacionalistas e inflamatórios, mas ganha confiança e adquire
significado nas dinâmicas globais. A possibilidade dos responsáveis militares e
políticos de Israel serem convocados ao TPI para prestarem declarações é real,
por isso a pressão exercida por Israel e USA sobre a AP para impossibilitar a
adesão palestiniana ao TPI.
A
posição da AP é também relevante porque abre as portas a outros povos e nações,
permitindo-lhes repor a verdade histórica ou fazer jus às suas queixas-crime.
Seria uma oportunidade para os paquistaneses - vitimas dos drones - exigirem
justiça, ou para os iraquianos vítimas da invasão norte-americana, ou para os
sírios, vitimados pelos raides aéreos norte-americanos, camuflados de combate
ao terrorismo. Os curdos terão com certeza muito que exigir da Turquia, mas não
só, do Iraque, Irão e Síria, em todos estes países foram cometidas atrocidades
contra os curdos. Ou os arménios vitimas de genocídio.
Todo
esse espectro (vasto, que passa pela Indochina, pela guerra da Coreia e por
África pelos crimes e agressões cometidos pelo neocolonialismo) é aberto pela
adesão da Palestina, para além da vitória diplomática que representa para a
causa palestiniana. USA e Israel são dois Estados que não aderiram ao TPI, mas
que exercem uma enorme pressão sobre a instituição. A adesão palestiniana
comporta um outro importante factor: alteração de forças no interior da
instituição. E esta alteração deverá ser aproveitada pelos países africanos, no
sentido de reforçarem a capacidade do TPI e assim terem uma componente
essencial ao seu longo e sinuoso caminho e uma arma decisiva para a batalha do
desenvolvimento, que a retirará da situação periférica na economia-mundo: a
Justiça.
IV
- Ahmed Assaf, porta-voz da Al-Fatah, quando do chumbo da proposta de resolução
da AP, expressou a indignação da sua organização face ao Conselho de Segurança
da ONU: " (...) o Conselho de Segurança falhou na protecção dos seus
objectivos e dos seus princípios. Isto acontece porque existe uma grande potência
mundial que protege a ocupação israelita e que pratica o mais elevado nível de
terrorismo". Esta acusação é um facto.
A
política norte-americana condiciona o funcionamento do Conselho de Segurança
(como a do TPI e de outra qualquer instituição internacional). E utiliza os
mais diversos meios para o fazer. Vejamos o que se passou no Conselho de
Segurança sobre esta questão: Quem levou a proposta da AP a votação foi a
Jordânia. O lógico seria a proposta ir a votação em Janeiro, quando a Venezuela
e a Malásia (dois convictos apoiantes da causa palestiniana) substituíram a
Argentina e a Coreia do Sul (ambos os Estados abstiveram-se), mas a Jordânia
optou pelo pior timing. Sabendo os fortes laços entre Washington e a monarquia
hachemita jordana, esta precipitação foi intencional, para que a proposta não
entrasse em Janeiro.
Mesmo assim USA e Israel tiveram de subornar a Nigéria.
O
suborno efectuado á Nigéria está directamente ligado á intensidade com que o
fascismo islâmico alastra no território nigeriano, Camarões e Chade. Israel é
um dos principais fornecedores de armamento e equipamento militar e de
segurança, para além de ser o principal formador de quadros das força armadas
nigerianas e das forças de segurança. Goodluck Jonathan foi, portanto, uma presa
fácil para o predador-mor norte-americano e sua cria israelita.
Os
USA têm um longo historial de pressão, suborno e chantagem na ONU. Em 1990, por
exemplo, quando o Conselho de Segurança discutia a primeira guerra do Golfo,
apenas dois países votaram contra a invasão ao Iraque: Cuba e Iémen. Estes
votos contra, mais o "nim" francês e alemão, levaram a que a matéria
fosse adiada. Os USA agiram de imediato e suspenderam a ajuda humanitária ao
Iémen. Em Janeiro de 1991 o Iémen muda de posição e abstêm-se, permitindo que o
Conselho de Segurança aprove a invasão. E a lista de Estados que cedem ao
suborno e á chantagem é extensa. Assim como extensas são as dificuldades em que
os povos destes países vivem. É uma longa balada, em tom menor, a submissão...
V
- Num mundo onde a violência se instala nas relações entre Estados, nas
relações centro/periferia, nas relações governantes/governados, Estado/cidadão,
nas relações de classe, onde uma guerra suja é já prática corrente,
consubstanciada pela permanência e eternização do desemprego (em algumas
comunidades já considerado "modus vivendi"), pelo fosso abismal entre
ricos e pobres; num mundo em que novas e sofisticadas práticas de domínio
imperial comportam velhos hábitos coloniais, onde as elites tratam a
"massa populacional" proletária e proletarizada de acordo com o
calendário eleitoral, flutuando as massas entre o lixo imundo e o lixo
supérfluo; num mundo onde a Humanidade teima na Esperança de uma vida condigna,
o papel das instituições internacionais assume uma relevante importância no
âmbito das dinâmicas externas e também nas dinâmicas internas.
O
complexo e controverso momento em que se encontra a economia-mundo representa
uma viragem na correlação de forças. Mas esta viragem pode ser efectuada em
dois sentidos opostos: pelo diálogo e consequente reforço das instituições
democráticas ou pela violência. A opção depende do rumo dos acontecimentos
presentes. Os povos do mundo, os pobres do mundo, sentem que é possível um
mundo diferente, sem as amarras da pobreza e sem as algemas da submissão. Do
centro á periferia da economia-mundo um frémito de revolta e uma ansia de
liberdade acumula-se no sentir dos indivíduos e nas revindicações das
multidões, nos anseios das pessoas e nas aspirações dos cidadãos. Ou o Estado
de Direito é efetivado e as instituições são apropriadas pela soberania
popular, ou a farsa em que as elites transformaram o Estado de Direito vai ter
um final triste, na rua, onde a soberania do povo se assume quando não tem casa
própria.
E
como os ventos da História afirmam que não há "amanhãs que cantam",
mas sim um presente que se conquista...
Bibliografia
Abunimah,
A. The Battle for Justice in Palestine FreePress, 2014
Bennis,
P. Understanding the Palestinian - Israeli conflict: a Primer IPS, Washington
D.C. 2014
Bennis,
P. Calling The Shots: How Washington dominates today's United Nation's IPS,
Washington D.C. 2011
Institute
for Policy Studies, Archives
The
Electronic Intifada, Archives
The
Guardian, Archives
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