O
constitucionalista moçambicano Gilles Cistac diz que, para criar uma
"república autónoma", como pede a RENAMO, seria preciso mudar a
Constituição. Mas isso não se aplica à criação de "províncias
autónomas".
Afinal,
as exigências da RENAMO de uma governação
autónoma nas províncias em que obteve a maioria dos votos nas eleições
de outubro passado não são tão absurdas ou infundadas, como acusam os críticos.
Quem assim o considera é o moçambicano Gilles Cistac.
Em
entrevista à DW África, o constitucionalista diferencia o conceito de
"república autónoma", termo que usa o maior partido da oposição, de
"governação provincial autónoma".
DW
África: O que diz a Constituição de Moçambique sobre regiões autónomas?
Gilles
Cistac (GC): A Constituição não fala de regiões autónomas, por isso não
devemos associar o conceito de "regiões" a autonomia. Senão, seria
necessário fazer uma reforma constitucional. Mas é possível falar de
"províncias autónomas", porque, segundo a alínea 4 do artigo 273 da
Constituição, o legislador pode estabelecer outras categorias autárquicas
superiores ou inferiores à circunscrição territorial do município ou da
povoação. Ou seja, hoje em dia há apenas autarquias locais de nível municipal,
mas se, amanhã, o legislador quiser criar províncias como uma autarquia local
pode fazê-lo.
É
possível transformar a província numa autarquia local, o que significa criar
uma nova pessoa coletiva de direito público, uma nova entidade jurídica, com
autonomia. Porque a autarquia local tem autonomia administrativa, financeira e
patrimonial.
DW
África: Acha que é com base neste fundamento legal que a RENAMO vai negociar
com o Governo da FRELIMO?
GC: A
minha opinião é pública e creio que os negociadores da RENAMO estão atentos a
ela. Não posso impedir que eles a utilizem no diálogo. Para mim seria até uma
boa solução, de compromisso, para a solução de uma tensão político-militar
bastante aguda.
Também
defendi a ideia da técnica legislativa da "lei experimental". Ou
seja, pode-se experimentar este modelo apenas em algumas províncias durante um
determinado período de tempo – entre três a cinco anos, por exemplo. Depois se
avaliaria se o novo modelo de gestão, uma autarquia local de nível provincial,
é ou não sustentável, ou se é preciso fazer correções. No termo desta
experimentação, o Parlamento poderia estender este modelo a todas as províncias
do país.
DW
África: A RENAMO terá suficiente preparo legal para poder jogar com este fator?
Por exemplo, aquando das revindicações relativamente a irregularidades
eleitorais, o partido não soube agir devidamente, algo que o prejudicou…
GC: Penso
que a RENAMO deve preparar um projeto mais consistente. Porque esta questão da
autonomia levantará problemas relativamente às competências ou financiamento
das províncias, por exemplo. Se uma província tiver um orçamento próprio será
preciso criar receitas ou transferir receitas do Estado… Será também preciso
definir o relacionamento entre o atual governador e esta nova entidade, além do
relacionamento entre as autarquias locais, de nível municipal, e a província.
A
RENAMO deve estar preparada, do ponto de vista técnico, para este leque de
problemas. O partido terá de demonstrar a sustentabilidade do seu projeto. Os
assessores da RENAMO deviam ter em conta esses aspetos para convencer o Governo
– se o projeto fica "no ar" é claro que o executivo não avançará com
isso.
DW
África: O que significaria a efetivação de uma governação provincial autónoma
para o sistema de governação de uma maneira geral?
GC: Significaria
criar uma nova entidade jurídica, com uma autonomia organizativa e financeira,
significaria também ter uma política específica ao nível provincial e uma
gestão patrimonial autónoma. Esta visão de autonomização será um salto
qualitativo muito importante em termos de democracia local. As populações vão
eleger pessoas que vão gerir a província e vão poder fiscalizar [mais de perto]
a aplicação do programa eleitoral.
Mas
tudo isto não significa o desaparecimento do governador. É claro que, com a
implementação desta figura da autarquia local de nível provincial, os
governadores perderiam muitos poderes. Nesta nova conjuntura de democracia
local eles só iriam controlar os atos praticados pela nova autarquia, que é a
província.
Nádia Issufo - Deutsche Welle
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