Daniel
Suggasti - LIT-CI - Opera Mundi
"Sairá
algo favorável de uma aliança com a extrema-direita xenófoba? São estas as
aspirações de mudança real que o povo expressou nas urnas?"
O
Syriza chegou ao poder mediante o voto de milhões de gregos que viram nesta coalizão
uma ferramenta para derrotar os partidos tradicionais e entreguistas (Nova
Democracia e PASOK) que durante cinco anos executaram, sem cerimônia, os
duríssimos ataques econômicos ordenados pela Troika (Comissão Europeia, Banco
Central Europeu e Fundo Monetário Internacional).
O
voto no Syriza expressou, principalmente, uma rejeição à calamitosa destruição
econômica do país. Foi uma forma de dizer basta ao dramático desemprego, à
pobreza, ao desmantelamento dos serviços públicos e a um endividamento colossal
com credores estrangeiros, cujo pagamento não é senão um saque desenfreado dos
recursos nacionais.
A
maioria do povo grego não votou em Alexis Tsipras por considerá-lo um “mal menor”,
mas sim por depositar em sua figura uma enorme e legítima aspiração de que,
chegando ao governo, o Syriza aplicaria medidas para acabar com a destruição do
país e melhorar concretamente sua vida. A classe trabalhadora sabe que derrotou
os partidos da fome e servis à Troika. Por isso, com justiça, celebra a vitória
do Syriza.
No
entanto, as primeiras medidas do Syriza, anunciadas em seu programa eleitoral,
vão em sentido contrário a toda esperança da maioria que votou nele.
A
ruptura com a União Europeia, instituição imperialista que comanda o saque do
país, está descartada pelo novo governo. O pagamento da dívida externa, que
representa 177% do PIB grego e estrangula sua economia, continuará porque o
Syriza assumiu que “respeitará todos os compromissos”. No máximo, o novo
governo tentará uma “renegociação” para que uma parte seja perdoada (algo
altamente improvável) e o restante será pago em melhores prazos e “de acordo
com o crescimento do país”.
Mas
tal “renegociação” ocorrerá, segundo disse Tsipras quando apresentou o seu
gabinete, “com os sócios, para uma solução que beneficie a todos”, pois “aqui não há vencedores nem vencidos, somos o governo de todos
os gregos e como tal trabalharemos”.
Será
possível uma solução que beneficie tanto o imperialismo alemão e o FMI como os
milhões de trabalhadores gregos que, se não estão desempregados, sobrevivem com
salários miseráveis, sem saúde pública e passando frio, porque não podem pagar
as contas de eletricidade ou a calefação? Será possível governar “para todos”?
Para ricos e pobres? Para o imperialismo e para a soberania nacional?
A
história demonstra que isso não é possível. Não existe mediação: ou governa-se
para o povo trabalhador, ou para a Troika e a burguesia grega.
A
composição do governo é outro sinal do rumo que tomará o Syriza. No marco de
seu programa de manter os compromissos com a Troika, a maioria dos ministros do
gabinete são tecnocratas ou acadêmicos, ‘ relação com o movimento operário ou
social. Mas isto não é o mais relevante.
O
revelador é o pacto para governar que o Syriza selou com Gregos Independentes,
cujo líder, Panos Kamenos, é agora nada menos que ministro da Defesa.
Gregos
Independentes é um partido burguês contrário à “austeridade”, mas que, sem
chegar ao extremo da Aurora Dourada, tem um programa conservador que em alguns
aspectos está mais à direita que a Nova Democracia: ultranacionalista,
anti-imigrantes, homofóbico e profundamente defensor da ligação do Estado com a
igreja ortodoxa.
Kamenos
não só é oriundo da Nova Democracia, foi vice-ministro de Marinha Mercante até
2009. Em 2013 apoiou raivosamente um projeto de lei apresentado por esse
partido, que propunha que só pudessem assumir cargos no Exército e na polícia
aqueles que fossem “gregos por genes” ou por “sangue”.
Em
seu programa também defende a “modificação ou o término” do Tratado Dublin II
(que regula o direito de asilo), a realização de um censo obrigatório de
imigrantes legais e ilegais, exigindo a deportação destes últimos para seus países de origem.
“Para
entrar no governo deixamos claro ao Syriza nossas linhas vermelhas sobre as leis de imigração”,
disse um porta-voz de Gregos Independentes. Oportunidade em que citou seus
planos para “expulsões em massa de ilegais” e um “limite de 2,5% de população
de imigrantes” .]
Não
passaram nem 48 horas da vitória eleitoral que o esperançoso povo grego
outorgou ao Syriza e a Tsipras, e estes fazem um pacto com um partido que é
inimigo mortal da classe trabalhadora, nomeando para chefe das Forças Armadas
seu principal líder.
Será
possível esperar algo favorável para o povo trabalhador com um governo aliado
com a extrema-direita xenófoba? Isto corresponde às aspirações de mudança real
que o povo expressou nas urnas? É esta a “nova política”?
A
esquerda reformista, que expressa um apoio incondicional ao Syriza respondeu a
este fato vergonhoso com o silêncio. Outros o justificam em nome do
“pragmatismo”. Afinal de contas, como o Syriza não conseguiu a maioria
absoluta, é necessário fazer “acordos” para garantir que no parlamento se
aprovem suas propostas.
É
evidente que o Syriza pactuou com os Gregos Independentes movido pela lógica
parlamentar, na que “vale tudo” para garantir a “governabilidade”. Mas
equivocam-se os que pensam que este pacto não terá importância.
Embora
o partido de Kamenos conte somente com 13 deputados, pelo pacto, só poderá ser
aprovado o que for aceitável pela direita, para que se mantenha esse acordo.
Desta forma, a presença da direita xenófoba será um elemento condicionante no
governo “de esquerda” do Syriza.
Apesar
das medidas que tomou o Syriza (como o salário mínimo de 751 euros ou o
fornecimento gratuito de eletricidade para 300 mil famílias), que são
necessárias mas insuficientes, os primeiros passos do Syriza no poder mostram
que, estrategicamente, não governará para os trabalhadores e o povo, na medida
em que isto é impossível sem atacar os interesses da burguesia nacional, sem
romper os compromissos com a Troika e sem suspender unilateralmente o pagamento
da ilegítima dívida com os bancos imperialistas.
O
papel da esquerda não deve ser apoiar (nem incondicional nem “criticamente”)
este governo, e sim explicar pacientemente à classe trabalhadora seu verdadeiro
caráter capitalista. A confiança dos revolucionários não deve estar em Tsipras,
mas na mobilização independente da classe trabalhadora grega, que amplamente
demonstrou disposição para lutar nestes anos.
A
grande tarefa é convencer os trabalhadores de que devem continuar se
mobilizando para mudar suas vidas, sem confiar em que o novo governo
solucionará os problemas de fundo. As greves e as lutas devem continuar, na
perspectiva de avançar para um verdadeiro governo operário e popular, na
perspectiva de uma revolução socialista, única saída estratégica ante à debacle
que o imperialismo e seus lacaios mergulharam a Grécia.
Neste
sentido, a esquerda de modo geral, e as principais direções sindicais, têm a
enorme responsabilidade de impulsionar, sem trégua alguma, a mobilização
operária e popular para exigir do governo Syriza:
-
Nenhum pacto com a direita xenófoba!
-
Nenhuma negociação com os agiotas da Troika!
-
Não pagamento unilateral da dívida externa!
-
Plano de resgate dos trabalhadores e do povo, financiado mediante o não
pagamento da dívida e a nacionalização da economia com controle operário!
Tradução: Rosangela
Botelho
'Se não mudarmos de rumo, é improvável que consigamos união na Europa', diz novo ministro do Syriza
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