Martinho
Júnior, Luanda (textos anteriores)
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– A prova maior para o povo e a Revolução Cubana em seu percurso histórico de
socialismo e dignidade, veio a ocorrer entre 1991 e 1998: a todo o tipo de
agressões a que vinha sendo sujeita, acresceu que Cuba viu-se privada de seus
aliados socialistas com a implosão da União Soviética e o fim da Europa
Socialista a leste, o que a obrigou a um período especial em situação de paz.
Em
1991 ocorre o colapso da URSS e por extensão do CAME, facto que foi logo
aproveitado pelos Estados Unidos para incrementar as medidas de bloqueio,
conjugando a medidas de inteligência, ingerência e manipulação efectiva de
carácter contra-revolucionário, uma vez que a sustentabilidade económica, de
acordo com a sua avaliação, estava posta em causa desde o início desse período
especial.
Em
1992, com a intensidade do bloqueio já no auge, os Estados Unidos implementam a
Lei Torricelli, a “Lei para a Democracia em Cuba”, que permitia refinar
impactos por vias apropriadas para dentro da sociedade cubana em múltiplas e
abrangentes direcções, entre elas nos ambientes intelectuais mais cosmopolitas
ligados às universidades, às artes, às ciências e à cultura…
A
Lei Torricelli foi (e é) um produto Democrata que foi lançado pela administração
do presidente William Clinton, continuada pelo Republicano George W. Bush e
reaproveitada com bastante afã por parte do Democrata Barack Hussein Obama.
Cuba
tornou-se assim num “laboratório”, onde os serviços de inteligência norte
americanos experimentavam todo o tipo de teorias, ementas e acções com vista a
provocar alterações profundas, de sua exclusiva conveniência, no ambiente
sócio-político nacional, motivados com similares experiências que haviam
produzido com êxito no leste da Europa e posteriormente noutras partes do
mundo.
Nenhuma “revolução
colorida”, ou “primavera árabe” foi posta em prática, sem que essas
experiências tenham também passado pelo “laboratório” de Cuba,
tirando partido em profundidade das medidas do bloqueio conjugadas com a
situação própria do período especial (1991-1998).
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– O período especial em tempo de paz caracterizou-se por uma adaptação de
medidas da Revolução Cubana face ao fim do modelo de sustentabilidade que era
em parte garantido com o relacionamento de Cuba com os países socialistas do
leste da Europa e a URSS.
No
período de 1991/1993, o Produto Interno Bruto de Cuba contraiu-se em 36% e uma
recuperação lenta foi-se conseguindo só a partir de 1994, de modo que apenas em
2007 Cuba conseguiu recuperar os níveis de 1990!
As
restrições nos combustíveis foram drásticas: as importações reduziram-se a 10%,
logo depois da Rússia comunicar que não garantiria mais os fornecimentos
conforme os níveis que ocorriam com a URSS.
Em
resultado as afectações cresceram em todos os sectores da vida do país, desde a
agricultura, aos transportes, passando pelos serviços e indústrias, o que veio
a influir nos sectores ligados ao homem, incluindo na alimentação, devido ao
racionamento e à alteração das dietas que se tiveram de fazer.
Na
agricultura, interromperam-se abruptamente os programas que estavam em curso
com a URSS (“petróleo por açúcar”), iniciando-se a diversificação, com a
introdução de novas técnicas que envolviam a redução do emprego de tractores e
alfaias agrícolas, bem como de fertilizantes e pesticidas derivados do
petróleo.
Foi
reduzida a produção de carne, leite e derivados pelas ganadarias existentes e
pelos aproveitamentos industriais adjacentes, o que também influiu directamente
na dieta alimentar.
Reduziu-se
a importação de aço e derivados de vários minerais, o que provocou o fecho de
refinarias e de fábricas e resultou num galopante desemprego dos seus
trabalhadores.
Nos
transportes surgiram os “camelos”, atrelados puxados por camiões tractores,
de grande lotação, diminuiu-se o parque automóvel ligeiro em circulação, um
parque envelhecido formado em grande parte por viaturas de origem norte
americana.
Ao
mesmo tempo apareceram os “coches”, carroças puxadas por um ou dois
cavalos, que podiam transportar dezena e meia de pessoas ou carga e
disseminaram-se, numa escala de centenas de milhar, as bicicletas, inclusive os
triciclos para efeito de táxis.
Em
relação ao sector dos serviços, o turismo foi adaptado às circunstâncias,
orientando-se a abertura em direcção a fluxos humanos e de capitais
provenientes de Espanha e América Latina.
A
dieta alimentar foi afectada, mas conseguiu-se evitar a fome e, como o homem
continuava a estar no centro das atenções da Revolução Cubana, mantiveram-se em
alto nível os sistemas de educação e de saúde.
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– Quando em 1998 Hugo Chavez assumiu o poder na Venezuela, houve a
possibilidade de aumentar o fornecimento de combustível a Cuba, algo que viria
a beneficiar aliás todas os microestados insulares da região e alguns outros da
América Central, por via da iniciativa Petrocribe e Cuba faria acordos, que se
estenderam a outros estados da América, que permitiam receitas e trocas que
visavam garantir um outro modelo de sustentabilidade à economia do “grande
caimão”.
Milhares
de profissionais cubanos ligados à educação e ensino, assim como aos serviços
médicos, foram nesse âmbito disseminados pela América, por África e até pela
Ásia, prestando contribuições valiosas às sociedades desses países,
particularmente em relação às comunidades mais pobres, num labor que nos seus
múltiplos benefícios foi paulatinamente sendo reconhecido por todos, de tal
modo que as votações anuais da Assembleia Geral da ONU, passaram a condenar
esmagadoramente a iniciativa cinquentenária norte americana de bloqueio à ilha!
De
59 votos a favor de Cuba e contra o bloqueio em 1992, passou-se para uma escala
de mais de 180 desde o início do século XXI, votando a favor dos Estados Unidos
apenas Israel e um governo mercenário da Micronésia…
23
– Cuba começou a ser reconhecida pelas suas façanhas na educação e na saúde,
sendo bastas vezes citada como exemplo.
De
acordo com Salim Lamrani, em “50 verdades sobre a Revolução Cubana”:
“-
De acordo com a UNESCO, Cuba tem a mais baixa taxa de analfabetismo e a mais
alta taxa de escolarização da América Latina. A organização das Nações Unidas
nota que a educação tem sido prioridade em Cuba há [mais de] 40 anos. É uma
verdadeira sociedade de educação. Seu relatório sobre a educação em 13 países
da América Latina classifica Cuba como primeira em todas as disciplinas. De
acordo com a UNESCO, Cuba é a nação do mundo que usa a maior parte de seu
orçamento em educação, cerca de 13% do PIB.
- Cuba tem uma taxa de mortalidade infantil de 4,6 por mil, ou seja, a mais baixa do continente americano, mais baixa que a do Canadá ou a dos Estados Unidos.
- Cuba é a nação que tem o maior número de médicos per capita do mundo. Segundo o New England Journal of Medicine, a revista médica mais prestigiada do planeta, o sistema de saúde [de Cuba] resolveu problemas que o nosso [o dos Estados Unidos] não conseguiu resolver. A revista destaca que Cuba dispõe agora do dobro de médicos por habitante que os Estados Unidos.
- Segundo a UNICEF, Cuba é um exemplo na protecção da infância e um paraíso para a infância na América Latina, e enfatiza que Cuba é o único país da América Latina e do Terceiro Mundo que erradicou a desnutrição infantil.
- De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Cuba é o único país da América Latina e do Terceiro Mundo que se encontra entre as dez nações do mundo com o melhor Índice de Desenvolvimento Humano sobre os três critérios: expectativa de vida, educação e nível de vida, durante a última década.
- A Revolução Cubana fez da solidariedade internacional um pilar essencial de sua política exterior. Cuba acolhe dezenas de milhares de estudantes procedentes de países pobres, lhes oferece formação universitária gratuita de alto nível e se encarrega de todos os gastos. A Escola Latino-americana de Medicina de Havana é uma das mais famosas do continente americano e formou vários milhares de profissionais de saúde procedentes de mais de 123 países.
- Desde 1963 e da primeira missão internacionalista na Argélia, cerca de 132 mil médicos cubanos e outros funcionários de saúde trabalharam voluntariamente em 102 países. Actualmente, 38.868 médicos colaboradores, entre eles 15.407 médicos, oferecem seus serviços em 66 nações do Terceiro Mundo.
- Graças à Operação Milagre lançada por Cuba em 2004, que consiste em operar gratuitamente populações pobres vítimas de doenças oculares, cerca de 2,5 milhões de pessoas de 28 países recuperaram a visão.
- O programa de alfabetização cubano Sim, eu posso (Yo, sí puedo), lançado em 2003, permitiu que 7 milhões de pessoas dos cinco continentes aprendessem a ler, escrever e somar.
- De acordo com a World Wild Fund for Nature (WWF), organização mais importante de defesa da natureza, Cuba é o único país do mundo que alcançou um desenvolvimento sustentável”.
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– Em 2014 o Secretário Geral da ONU, Ban Kee Moon, visitou Cuba e a ELAM, onde
pronunciou o seguinte discurso:
“Obrigado
por me receberem nesta escola extraordinária.
Há
muitas coisas que eu poderia dizer aqui na ELAM, mas a mais importante é
simplesmente muchas gracias [obrigado em espanhol].
Obrigado
por suas contribuições excepcionais.
Obrigado
por liderarem o caminho na cooperação Sul-Sul.
Obrigado
por estarem na linha de frente da saúde global.
A
ELAM faz mais do que formar médicos. Produz operadores de milagres.
Vi
isso com meus próprios olhos.
Como
secretário-geral das Nações Unidas, viajo para muitos lugares difíceis. Lugares
desesperados duramente atingidos por terremotos, furacões e outros desastres
naturais. Lugares remotos de profunda privação. Lugares esquecidos longe do
radar de preocupações de muitas pessoas.
E
tantas vezes nessas diferentes comunidades vi a mesma coisa.
Médicos
de Cuba – ou médicos formados em Cuba ajudando e curando.
Muitas
autoridades e ministros da Saúde que encontrei em países em desenvolvimento se
formaram em Cuba – alguns, muitas décadas atrás. Isto mostra a longa história
de cooperação de seu país.
Seus
médicos estão com as comunidades nos bons e maus momentos – antes de
catástrofes… ao longo das crises… e muito tempo depois de as tempestades
passarem.
Eles
são geralmente os primeiros a chegar e os últimos a partir.
Para
aqueles estudantes que não podem vir para Cuba, vocês também estão ajudando a
implementar escolas de medicina da Bolívia ao Timor-Leste, passando pela
Eritreia.
A
ELAM formou dezenas de milhares de estudantes, mas Cuba pode ensinar o mundo
inteiro sobre cuidados de saúde.
Quero-me
juntar a tantos outros ao saudar o sistema de saúde de Cuba baseado na atenção
primária à saúde que já rendeu resultados excelentes – menor mortalidade
infantil, maior expectativa de vida, cobertura universal. Este é um modelo para
muitos países em todo o mundo.
Em
países como o Haiti, a Brigada Médica Cubana tem sido salva-vidas.
Como
sabem, o Haiti está enfrentando muitos desafios, incluindo a cólera. Os médicos
cubanos têm sido fundamentais para reduzir o número de casos de cólera no país.
No
século 21, a cólera não deveria ser uma sentença de morte. É evitável e
tratável – e os médicos formados aqui estão liderando o caminho.
E
por meio de iniciativas como a Operación Milagro [Operação Milagre] – os
médicos formados em Cuba salvaram ou melhoraram a visão de milhões de pessoas
em dezenas de países.
Vocês
os ajudaram a enxergar – mas também deram a visão de mundo – uma visão de
generosidade, solidariedade e cidadania global.
Estou
muito orgulhoso de ver isso com os meus próprios olhos. E agradeço a vocês por
compartilharem isso com o mundo.
Muito
obrigado.”
Foto: dois meios de transporte símbolos da resistência cubana durante o período especial – um “camelo” e um triciclo-táxi.
Foto: dois meios de transporte símbolos da resistência cubana durante o período especial – um “camelo” e um triciclo-táxi.
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