quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Xanana Gusmão despede-se como primeiro-ministro, mas não sai da liderança do país




Díli, 11 fev (Lusa) - Xanana Gusmão prometeu, em 2002, que se vivesse até aos 60 - cumpre este ano os 69 - ia convidar os amigos para comer os seus melões e as suas abóboras, profissão alternativa depois de sair da liderança de Timor-Leste.

"Vou ser sempre o que sou. Se eu viver até aos 60 anos talvez o convide para comer os meus melões, as minhas abóboras", ironizou na altura, numa entrevista à Lusa.

Volvidos 13 anos e depois de compaginar a liderança do país, em vários cargos, com uma sucessão de "profissões" paralelas, Xanana Gusmão ainda não parece preparado para ser agricultor.

De facto, nem sequer parece claro que vá ter menos trabalho porque na segunda-feira deixa de ser primeiro-ministro mas continua no Governo, a liderar um super-ministério, o Ministério do Planeamento e Investimento Estratégico, responsável pelo Plano de Desenvolvimento e, inerentemente, pelas grandes linhas de desenvolvimento do país.

Uma pasta que permitirá cumprir o que ele próprio traçou, em 2012, como o objetivo para a legislatura em curso: o "próximo mandato vai ser de pontes, estradas, portos e aeroportos", disse em entrevista à Lusa.

É mais uma reinvenção de Xanana Gusmão que, ao contrário do que ocorre noutros países, em vez de ir "subindo" de escalão vai "descendo": foi Presidente da República, depois primeiro-ministro e agora vai ser ministro.

E sempre no comando da direção do país, agora a liderar o que diz ser o processo de transição geracional.

Mas reinvenções não são novas para Xanana Gusmão. Afinal já foi topógrafo, jornalista, guerrilheiro, fotógrafo amador, poeta e "bombeiro", pelo menos pela resposta pronta que dá a qualquer crise no país.

Primeiro Presidente depois da restauração da independência de Timor-Leste, entre 2007 e até segunda-feira foi primeiro-ministro, cargo que ocupou sempre com o apoio de uma coligação, primeiro a Aliança de Maioria Parlamentar (AMP) e depois um "bloco" a três (CNRT, PD e FM).

Desde finais de 2013 que anda, publicamente, a explicar que ia deixar de ser primeiro-ministro e porque o deve fazer - renovação e transição geracional - mas, em privado, essa possibilidade já se antevia mesmo antes do voto de 2012.

Filho de um professor, que o criou mais a um irmão e cinco irmãs, Xanana Gusmão nasceu em Laleia, no maior distrito de Timor-Leste (Manatuto), já lá vão quase 69 anos.

Da escola primária Xanana continuou os estudos na Missão Católica de Nossa Senhora de Fátima, em Dare - nas colinas que rodeiam a capital, descendo posteriormente a Díli.

O tempo de estudante foi abandonado cedo, e Xanana entrou em força na vida, trabalhando de manhã como topógrafo e à tarde a ensinar na escola chinesa.

Em abril de 1974, junta-se à redação do primeiro jornal do território, "A Voz de Timor", aderindo no mesmo ano à FRETILIN em que acaba por assumir as funções de vice-diretor do Departamento de Informação.

A morte de Nicolau Lobato em dezembro de 1978, três anos depois da invasão indonésia, e a aniquilação da quase totalidade da direção da FRETILIN, empurram Xanana Gusmão para a chefia, um papel que assumiu já a pensar na reorganização da luta.

Em 1981, organiza a Primeira Conferência Nacional da FRETILIN e é eleito líder da Resistência e Comandante-em-Chefe das FALINTIL. Dois anos depois chefia as primeiras conversações com as forças armadas ocupantes nas áreas libertadas do território, que resultaram num cessar-fogo em vigor até agosto do mesmo ano.

Delineou e executou a Política de Unidade Nacional que se traduziu no aumento de contactos com a Igreja Católica e no desenvolvimento da rede clandestina nas áreas urbanas e noutras zonas ocupadas. Em 1988, o êxito da Política de Unidade Nacional traduz-se ainda na criação do CNRM - Conselho Nacional da Resistência Maubere e, mais tarde, o CNRT, Conselho Nacional da Resistência Timorense.

Em 20 de novembro de 1992, um ano após o Massacre de Santa Cruz, Xanana Gusmão foi capturado pelas forças armadas indonésias e mantido prisioneiro em Jacarta.

Aparentando cedência perante a pressão indonésia, Xanana Gusmão reverte o curso dos acontecimentos no julgamento e, perante a comunicação social internacional, denuncia a natureza genocída da ocupação indonésia de Timor-Leste.

Em abril de 1988, na Convenção Nacional Timorense na Diáspora que criou o CNRT - Conselho Nacional de Resistência Timorense -, Xanana Gusmão é aclamado líder da Resistência Timorense e Presidente do CNRT.

Em 10 de fevereiro de 1999, Xanana Gusmão é transferido da Prisão de Cipinang para uma casa-prisão em Salemba, no centro de Jacarta, em consequência da crescente pressão internacional pela sua libertação e da declaração do Presidente Habibie da Indonésia no sentido de conceder a independência a Timor-Leste caso o resultado da consulta popular fosse a rejeição do plano de autonomia proposto pelo seu Governo.

O ano do referendo acaba por ser um dos mais marcantes na vida de Xanana Gusmão, que desde logo é assumido como o interlocutor timorense privilegiado pela comunidade internacional.

Três dias depois do início da onda de violência que se seguiu ao voto, Xanana Gusmão é libertado, entrando em Timor-Leste um mês depois.

Agora, com Timor-Leste livre e independente há 12 anos, Xanana Gusmão lidera mais um passo para a libertação: a da dependência na geração mais velha, um processo que agora começa com a tomada de posse do VI Governo Constitucional.

Em que Xanana Gusmão, com o cabelo mais branco de todos os membros do Governo, responde como ministro.

ASP // EL

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