domingo, 31 de maio de 2015

Angola. Rafael Marques. O CAUDAL DOS FACTOS ATÉ AO “JESSIANO MANGUITO” FINAL



Folha 8 digital (ao) – 30 maio 2015

O julgamento do jornalista e activista angolano, Rafael Mar­ques, que se estendia por mais de dois anos, che­gou, enfim, ao seu termo, mas em forma de “mbaia” jurídica made in Angola, depois de ter interrompi­do várias vezes. Ultima­mante, em Novembro de 2014, 24 de Março de 2015, em seguida a 23 de Abril e 15 de Maio e, finalmente, 21 de Maio. Vejamos como se coseram as linhas desta mascarada judicial.

Na reunião de 24 de Mar­ço, a suspensão deveu-se ao facto de terem sido in­troduzidas 15 novas atri­buições de culpa contra Marques sem se ter pro­cedido ao indispensável aviso prévio. Esta derra­pagem daquilo que são as regras e normas jurídicas e as estritas directivas judiciais, tanto no nosso país como em qualquer parte do mundo, levou ao adiamento do julgamento para o mês seguinte, dia 23 de Abril.Nesse dia, uma luz apareceu no horizon­te do julgamento, quando no final da audiência foi, digamos, programado um “acordo amigável” entre as partes, ou seja, entre o próprio Rafael, de um lado, e sete generais - sendo um deles o ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, General Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, “Kope­lipa” - e vários represen­tantes de duas empresas de diamantes, por outro.

A audiência foi suspensa em nome desta boa causa e o julgamento novamente adiado para 14 de Maio.

Mas nesse dia, 14 de Maio, a atmosfera rapidamente tomou contornos escuros quando os advogados da acusação disseram que o acordo para chegar a um entendimento passava por uma denegação de Mar­ques das suas próprias acusações, sugestão que o jornalista imediatamente recusou. O resultado foi, claro está, a suspensão e mais um adiamento da sessão para dia 21 de Maio.

O “MANGUITO” (ALEGADAMENTE) DE JES

A nova audiência do 21 de Maio foi realizada à porta­-fechada e a sessão ter­minou, com a divulgação duma nova e muito boa surpresa, em declarações feitas ao site Rede Angola pelo advogado de Rafael Marques, David Mendes.

“Os generais, a ITM, e a sociedade de Catoca [em­presas de mineração cita­das no livro] aceitaram as explicações de Rafael Mar­ques, e demonstram que não querem continuar a litigar. Foram dispensados os declarantes e as teste­munhas, porque as explica­ções que o Rafael deu para eles foram convincentes. No 25 de Maio serão reali­zadas as alegações finais, e esperamos que nos termos do artigo 418 do Código Penal o tribunal decida aceitar as explicações. As partes interessadas assim já decidiram e registaram em acta que estão de acor­do com as explicações, e o tribunal então não deve aplicar nenhuma pena ao Rafael”, disse David Men­des ao Rede Angola.

Segundo o acordo, além da extinção do processo, Ra­fael Marques e os generais vão trabalhar em conjunto para monitorizar a questão dos direitos humanos na área de exploração dia­mantífera nas Lundas. Por outro lado, o livro Diaman­tes de Sangue não poderá ter novas edições».

Por sua parte, Rafael Mar­ques estava visivelmen­te satisfeito. “Em relação aos generais, a questão está esclarecida e haverá até possibilidade de tra­balhar com alguns desses generais para resolução de questões a nível dos direitos humanos e, nesse caso, saímos todos tran­quilos. Também ficou lavrado que continuarei a monitorizar a situação dos direitos humanos nas Lundas e espero que todas as empresas que forem contactadas respondam às minhas diligências”, re­velou à saída do Tribunal, acrescentando, «o livro não será mais reeditado. É acto voluntário da minha parte não reeditar o livro para facilitar o diálogo e novas consultas. Além disso, já se passaram qua­tro anos desde a publica­ção. Quer da minha parte, quer para os generais não há intenção de continuar com este caso, de modo que encontramos uma solução satisfatória para todas as partes”.Por seu lado, seguindo em conso­nância com o estipulado, o Ministério Público tomou a mesma posição e pediu prosseguimento dos autos sem a inquirição das teste­munhas nem dos declaran­tes. “O tribunal, face a este comportamento de todas as partes, decidiu adiar a continuação do julgamen­to para 25.05”, explicou.

Tudo ouro sobre azul de Limoges.Impacientes, es­peramos. E aí, a surpresa foi ainda maior do que a da audiência anterior: a acusação, pela voz do Mi­nistério Público, tirou o seu coelho da cartola e pe­diu ao tribunal que Rafael Marques fosse condenado a uma prisão efectiva de 30 dias, por não ter apre­sentado provas das suas acusações.

O que realmente se tinha passado até essa data, em trocas de frases a suscitar uma aproximação e acor­do entre as partes tinha por único objectivo obter anuência de Marques para dispensar a presença e, subsequentemente, as de­clarações probatórias das acusações das suas teste­munhas. E Rafael Marque foi nessa cantiga.

Tinham desaparecido as­sim da cena do palco jurí­dico as fundamentais pro­vas do que ele tinha escrito no seu livro.

Ao sair do tribunal, Rafael Marques, indignado, con­siderou que a decisão do Ministério Público foi “um abuso” e que, «embora não tivesse havido acordo, por­que todas as tentativas de acordo falharam, tinham sido dadas muitas explica­ções que permitiram que os generais, empresas e até mesmo o Ministério Públi­co retirassem as acusações contra mim (...) Eu trouxe, assumindo avultados cus­tos, cinco vezes as minhas testemunhas à barra do tribunal, mais de oito pes­soas que vivem a quase mil quilómetros de Luanda, decidi não apresentá-las à barra do tribunal porque acreditava nas declarações dos generais e do Estado angolano… E agora dizem que eu não apresentei pro­vas?! ... Caí numa armadi­lha”, concluiu.

O FIM DA PICADA

«Luanda, 28 de Maio (Lusa) - O tribunal provin­cial de Luanda condenou hoje Rafael Marques a seis meses de prisão com pena suspensa no processo de difamação sobre a viola­ção dos direitos humanos na exploração diamantífe­ra, apesar de um acordo do jornalista com os gene­rais queixosos.

Durante todo o julga­mento, que se iniciou em Março, apenas foi ouvido Rafael Marques, que expli­cou em tribunal, ao longo de várias sessões, e nunca obteve respostas dos visados no livro às questões colocadas sobre o tema.

.A 21 de Maio passado, Rafael Marques, e os nove generais angolanos que o tinham processado por se considerarem vítimas de “denúncia calunio­sa” e “injúrias” no livro “Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola”, chegaram a um acordo de cavalheiros. Rafael Marques e os generais queixosos acordaram trabalhar em conjunto para fiscalizar a questão dos direitos hu­manos na exploração de diamantes nas províncias das Lundas. Por seu lado, Rafael Marques, decidiu que “Diamantes de San­gue”, editado em Portugal pela Tinta da China, não terá mais reedições.(…) “ No entanto, e apesar do acordo alcançado entre as partes, no dia das ale­gações finais o Ministério Público angolano pediu 30 dias de prisão para Ra­fael Marques. «É uma ci­lada. O que houve foi uma cilada. E o Estado ango­lano há-de conhecer-me de uma forma muito mais dura”, afirmou, na altura, Rafael Marques.(DN)»

MORAL DESTA HISTÓRIA

«Nunca acredites em pal­madinhas nas costas e em palavrinhas lindas a apro­var o que tu dizes, se vie­rem da parte duma rapo­sa que sabe que não tens dentes para a morder».

Em outras palavras, mais condicentes com esta no­jenta demonstração do nível da moralidade, nível civil e da educação desta gente, que nos desgover­na há perto de quarenta anos, que nos leva a reler a dica angolana: não te aproximes, ou, como se diz na banda, não te me­tas!...

Essa gente esforça-se, com grande engenho e eficácia, por levar Angola para as fossas sépticas do entulho da humanidade, o clube de multimilionários que enriqueceram ilicitamente ou, pelo menos, a especu­lar escandalosamente em detrimento de tudo e mais alguma coisa que não seja da sua igualha.

Caíste, Rafa, levanta-te, porque, se não te mata­rem, a tua vitória, essa sim, é certa. E se te mata­rem para eles sempre será uma imunda derrota.

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