Folha
8 digital (ao), 06 junho 2015
A
revista norte-americana Forbes considera José Eduardo dos Santos, no poder
desde 1979 sem nunca ter sido nominalmente eleito, como o segundo pior
presidente em África, logo a seguir ao seu homólogo da Guiné Equatorial,
Teodoro Obiang Nguema. Essa constatação, que todo o mundo vê, não impediu – por
exemplo – que Angola seja membro do Conselho de Segurança da ONU.
A
revista Forbes lembra que o chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos,
chegou ao poder 1979, depois da morte do seu antecessor, Agostinho Neto, e para
seu descrédito tem conduzido o país como se gerisse a sua própria empresa.
No
artigo, assinado por Mfonobong Nsehe, pode ler-se que a governação do
Presidente Eduardo dos Santos se tem pautado por casos de nepotismo, onde o
primo ocupa o cargo de vice-presidente e a sua filha Isabel é a mulher mais
poderosa em Angola.
A
Forbes destaca ainda que, segundo a Agência Internacional para o Desenvolvimento,
o país é extremamente rico em recursos naturais, sendo o segundo maior produtor
de petróleo na África Subsariana e ocupa o quarto lugar no ranking mundial na
produção de diamantes em bruto.
Todavia
e apesar dos recursos existentes no país, 68% da população vive no limiar da
pobreza, a educação é gratuita, mas sem qualidade, 30% das crianças estão
subnutridas, a esperança média de vida é de 41 anos e o desemprego elevado.
O
artigo avança que em vez de partilhar o crescimento económico de Angola com a
população, José Eduardo dos Santos conduz uma política de intimidação,
sobretudo nos meios de comunicação social e canaliza os fundos do Estado para
contas pessoais ou de familiares. A Forbes dá ainda o exemplo de que a família
do chefe de Estado controla o sector económico no país, e que a sua filha
Isabel serve-se do poder do pai para comprar activos em empresas portuguesas,
como é o caso da ZON Multimédia, Banco Espírito Santo e Banco Português de
Investimento, entre outros.
De
referir que o relatório publicado na revista norte americana classifica o presidente
Robert Mugabe do Zimbabué, o rei Mswati II da Suazilândia e o presidente do
Sudão, Omar Al-Bashir, na terceira, quarta e quinta posição respectivamente.
ERA
UMA VEZ… OS OVOS DE OURO
Filipe
S. Fernandes, autor da biografia de Isabel dos Santos (a rainha santa do clã
Eduardo dos Santos), diz que o poder da empresária se explica pela proximidade
em relação ao poder, sobretudo no que diz respeito ao acesso aos negócios.
“O
que explica Isabel dos Santos, assim como outras entidades, não só em Angola,
é a proximidade do poder para os negócios. Não são precisos meios obscuros,
basta o acesso aos negócios”, diz o autor do livro “Isabel dos Santos —
Segredos e poder do dinheiro”.
Para
Filipe Fernandes, normalmente associa-se a fortuna de Isabel dos Santos aos
diamantes que o pai lhe teria dado, mas “há uma hipótese muito mais simples”
que pode explicar a fortuna como, por exemplo, a concessão das telecomunicações
(UNITEL) nos anos 1990.
Na
altura, Angola estava a tentar que houvesse uma empresa internacional a
concorrer à licença de concessão de telemóveis e em plena guerra civil ninguém
queria arriscar e, “de certo modo”, explica o autor, o negócio teria de ser
dado a alguém que tinha de estar próximo do poder. E quem melhor do que a filha
do Presidente?
“Só
o facto de ter tido aquela concessão pode ter sido uma boa base para uma boa
fortuna e basta ver o valor dos dividendos que são pagos pela UNITEL desde que
foi criada sendo que teve dividendos desde muito cedo”, explicou.
“Foi
em Baku que José Eduardo dos Santos conheceu a mãe de Isabel dos Santos,
Tatiana Kukanova, uma russa campeã de xadrez que estudava geologia. O
Azerbeijão, então posto avançado russo, acolhia jovens quadros promissores
dos movimentos de libertação alinhados com o regime comunista como o MPLA”, refere
o autor, sublinhando que o encontro entre os dois não foi promovido pelo KGB,
os serviços secretos da ex-URSS.
“Depois
do casamento sabe-se muito pouco sobre Tatiana. Sabe-se que trabalhou na
SONANGOL quando foi para Angola, que após o divórcio continuou em Angola tendo
depois ido viver com a filha para Londres. Fala várias línguas e foi sempre o
‘porto seguro’ da Isabel dos Santos”, diz Filipe Fernandes que refere no livro
os poucos dados sobre a actividade empresarial da mãe da empresária.
“Tatiana
Kukanova surge nas contas divulgadas pelo denominado SwissLeaks, que se baseia
nas listas das contas na filial do HSBC, obtidas por Hervé Falciani, um
ex-funcionário, em 2008, e agora divulgadas. Na sua conta estavam, em
2006-2007, mais de 4,5 milhões de euros”, escreve Filipe Fernandes.
Além
das questões familiares o livro recorda o caso “Angolagate” e os complexos
movimentos de Arcadi Gaydamak e Pierre Falcone acusados pela justiça francesa
da venda ilegal de armas em Angola durante a guerra civil.
“Em
2011, o tribunal de Paris retira as acusações de tráfico de armas e de influências
mas condena-os por fraude fiscal e branqueamento de capitais”, refere o autor.
Na
sequência do caso, o livro sublinha ainda o papel de Lev Leviev, negociante de
diamantes natural de Uzbequistão e apresentado à cúpula do poder em Angola por
Gaydamak e que “afrontou” a companhia diamantífera De Beers conseguindo
negociar directamente em Angola e Rússia.
No
seguimento destes contactos, recorda a biografia, surge a empresa
Africa-Israel Investiments (AFIL) que dá origem a partir da reorganização de
2009 à Ascorp, cujos accionistas eram a Sociedade de Comercialização de
Diamantes de Angola e a Trans-African Investment Services (TAIS).
O
memorando do acordo assinado em 1999 assegurava à TAIS e à Welox a compra de
um mínimo de 150 milhões de dólares em diamantes.
“Esta
associação teve mais uma confirmação com a revelação de documentação da filial
suíça do HSBC. Isabel dos Santos, por sua vez, deteria 75% da Trans-African
Investments Services enquanto a mãe, Tatiana, que entretanto se tornou cidadã
britânica, ficava com 25%”, lê-se na biografia que cita a imprensa
internacional.
O
livro, ainda no capítulo dedicado aos “diamantes e à guerra civil” indica mesmo
que, segundo Gaydamak, TAIS é um acrónimo das iniciais Tatiana e Isabel,
empresa que entretanto acaba por mudar de nome para Iaxon Limited, registada
na colónia britânica de Gibraltar.
São
também referidas as ligações de Isabel dos Santos ao empresário português
Américo Amorim, “a guerra na Galp Energia” e os vários pontos de contacto com
Portugal.
“Ela
faz estas ligações porque são estratégicas para os negócios em Angola. Ao mesmo tempo
por segurança: se alguma coisa acontecer de grave também tem um refúgio e
aquilo que é racional com a ligação com Portugal é o sector empresarial, a eficiência
e a máxima rentabilidade nos negócios além de assegurar o seu controlo
estratégico em Angola”, disse o autor da biográfica.
Para
Filipe Fernandes, a empresária encontrou alguma consistência nos sectores que
escolheu: o financeiro e a articulação que ela tem que ter porque, “apesar de
tudo”, os bancos em Angola, têm alguns accionistas portugueses e
consequentemente com os meios accionistas internacionais que “sozinha não
teria”.
REGIME
TIRA O TAPETE A PORTUGAL
Quando
o império do Grupo Espírito Santos ruiu, o BES não tinha apenas uma
participação, mas uma exposição creditícia ao BESA de cerca de 3 mil milhões
de euros. E até aí tudo fazia sentido. Angola é produtora de petróleo, dispõe
de enormes recursos e a economia cresce de forma acelerada e sustentada. Com
esta crise, Portugal esqueceu-se que sempre que vinha cá com a mão estendida o
regime abria a torneira. Lisboa picou a onça. Mas o pau era curto…
Não
admira, por isso, que Portugal apostasse tudo e a qualquer preço no regime de
Eduardo dos Santos, o que é diferente – muito diferente – de apostar em Angola. Lisboa
sempre soube que o regime é um dos mais corruptos do mundo e que os angolanos
na sua maioria são pobres. Mas isso nunca preocupou os diferentes governos
portugueses.
Neste
jogo sempre estiveram duas variantes. Uma que nos diz que mais de 40% da nossa
população vive com menos de 2 dólares por dia, que a maioria têm pouco ou
nenhum acesso a água canalizada, saneamento básico ou electricidade. Outra que
mostra à saciedade que Eduardo dos Santos é um dos homens mais ricos de África
e que a sua filha Isabel é a mulher mais rica de África.
Por
razões óbvias, Portugal sempre esteve ao lado do regime. Tanto roubou como
ficou a guardar os que roubavam. Foi uma sociedade mafiosa que, como sempre,
fez com que – em ambos os países – poucos tivessem mais milhões e mais milhões
tivesses pouco ou nada.
Portugal
esqueceu-se, contudo, que os donos do regime aprenderam com os melhores
professores, os próprios portugueses. De forma quase contínua desde 1975, os
sucessivos governos lusos forneceram quilómetros de corda ao MPLA que,
supostamente, serviria para amarrar as relações entre os dois países. Mas a
prática mostrou que a estratégia de Eduardo dos Santos era outra. Essa corda
vai servindo para “enforcar” os próprios portugueses.
Mesmo
sabendo que fazer negócios em Angola é praticamente impossível sem o
envolvimento directo de políticos do partido do governo, Portugal nunca se
preocupou. Pelo contrário. Alinhou. Lisboa precisava e Luanda tinha.
Sendo
que corrupção no caso BES é muito mais grave do que se imagina, o BESA é, sem
dúvida, um parceiro do regime, o banco do regime. Não porque tenha investido
de forma produtiva na economia angolana mas, antes, por financiar sem retorno
os políticos do regime com dinheiro roubado ao erário público.
Como
todos os bancos angolanos, o BESA concedeu empréstimos excessivamente nos
últimos anos: a sua carteira de crédito duplicou de volume entre 2010 e 2012,
deixando-a com um rácio de crédito/depósitos de cerca de 200% e a qualidade da
carteira de crédito tem vindo a deteriorar-se rapidamente, levantando
preocupações sobre a sua solvência e liquidez.
Em
Dezembro de 2013 a própria Angop dizia que os accionistas concordaram com
recapitalizar o banco, no montante de 500 milhões de dólares. Ao mesmo tempo,
o Estado (regime) avalizou até 5,7 mil milhões de empréstimos contabilizados
no BESA. A garantia foi concedida por insistência pessoal do presidente
angolano, José Eduardo dos Santos, após uma reunião com Ricardo Espírito Santo
Salgado, então o DDT (Dono Disto Tudo) do grupo.
Embora
a maioria das jogadas tenha sido feita longe de critérios de transparência,
no passado dia 1 o Banco de Portugal dividiu o BES em dois bancos, o “bom” e o
“mau”, nacionalizando temporariamente o “bom” e deixando os detentores de
dívida subordinados às perdas no banco “mau”.
A
parte angolana de investimentos do BES manteve-se no banco “mau”. O regime
de Eduardo dos Santos não gostou. No dia 4 o Banco Nacional de Angola pôs o
BESA sob sua jurisdição e revogou a garantia soberana. Com isso o BES/“banco
mau” teve uma perda imediata de cerca de 3 mil milhões de euros.
Ao
contrário do que pensam os peritos de Lisboa, os homens do regime não são
matumbos. O governo angolano concedeu uma garantia ao BESA que não foi
retribuída pelo executivo português. Ao recusar o apoio aos investimentos do
BES no BESA, Passos Coelho denunciou unilateralmente o acordo. A retaliação
era inevitável.
Num
artigo incisivo que, com alguma benevolência analítica, mostra a promiscuidade
ente a política e actividade bancária, a revista norte-americana Forbes dizia
então que a crise no BES poderia ainda estar no adro, muito embora os párocos
de serviço digam o contrário. Desta feita, indica que o BESA poderá revelar-se
o verdadeiro “calcanhar de Aquiles” ou, até mesmo, o epicentro de um pântano de
areias movediças.
“Como
se ter sido posto de joelhos por um conglomerado corrupto de base familiar
não fosse o suficiente, o Banco Espírito Santo poderá agora conhecer novas
perdas devido ao falhanço da sua subsidiária em Angola. O BES é dono
de 55% do segundo maior banco de Angola, o BES Angola. Em anos recentes, o BESA
tornou-se criticamente dependente do BES para se financiar, por causa do seu
rácio de depósitos/empréstimos e da deterioração da sua carteira de depósitos”,
diz a Forbes.
Assim,
desta forma pura e dura, a Forbes passa a pente fino as implicações do BESA no
banco português, sobretudo pela exposição do BES ao banco angolano, que rondará
os três mil milhões de euros.
Na
mesmo artigo diz-se que que o BESA, mais do que ser um banco como deveria ser
entendido, acabou por ser um parceiro do governo de Eduardo dos Santos, tanto
que os seus investimentos ignoraram pressupostos de produtividade, ficando o
banco aos dispor dos poderes instalados.
Explica
a Forbes que, após a separação do BES em dois bancos, com os investimentos
portugueses em Angola a permanecerem no “banco mau”, o governo angolano
encarou isso como um ato hostil, tendo a garantia soberana sobre o BESA sido
cancelada.
Agora,
numa altura em que ainda há muita incerteza relativamente à forma como será
gerida a situação do “banco mau”, é certo que as relações económicas entre
Portugal e Angola, através do BESA, poderão ter os dias contados.
Por
sua vez o The New York Times diz que um grupo de investidores que foi atingido
pela crise do BES afirma que “alguns empréstimos duvidosos concedidos pela
subsidiária bancária do BES em Angola, o Banco Espírito Santo Angola (BESA),
foram para o banco bom e não para o banco mau, onde pertenciam”. Os investidores
ponderam avançar contra uma “acção legal contra os reguladores portugueses”.
O
The New York Times escreve que “investidores de fundos de alto risco, furiosos
por verem as suas participações no Banco Espírito Santo reduzidas a zero, estão
a ponderar avançar com uma acção legal contra os reguladores portugueses”.
“De
acordo com banqueiros e advogados envolvidos na iniciativa, os fundos incluem
o Third Point, fundado por Daniel Loeb, e o GLG, em Londres, e grupos mais
pequenos especializados em obrigações problemáticas, tais como Aurelius,
Golden Tree e VR Global”, avança a publicação, acrescentando que “entre os
maiores investidores que sofreram perdas encontram-se o EJF Capital, um fundo
sediado em Arlington, Virgínia., e a unidade de gestão de activos com sede em
Londres do BTG Pactual, o banco de investimento brasileiro”.
Sublinhando
que “os títulos em causa constituíam uma variedade especialmente arriscada de
dívida júnior que o BES emitiu no ano passado”, e que passaram agora para o
“banco mau”, o correspondente de Economia e Finanças do NYT, Landon Thomas
Jr., afirma que “este episódio realça até que ponto as taxas de juros
baixíssimos nos EUA levaram muitos investidores a fazerem apostas arriscadas
em títulos de alto rendimento de bancos e do governo em Portugal e na Grécia”.
“Durante
mais de um ano, estes investimentos obtiveram altos rendimentos. Mas à medida
que surgiam dúvidas sobre a capacidade de crescimento da Europa e a
capacidade dos bancos para suportar um número crescente de maus empréstimos,
estas obrigações e acções altamente rentáveis inverteram a sua direcção”,
esclarece o jornalista.
No
seu artigo, Landon Thomas Jr. assinala ainda que “o grupo de investidores
afirma que alguns empréstimos duvidosos concedidos pela subsidiária bancária
do BES em Angola, o Banco Espírito Santo Angola (BESA), foram para o banco bom
e não para o banco mau, onde pertenciam”.
“Eles
alegam que este conjunto de cerca de 3,3 mil milhões de euros em empréstimos
duvidosos vai melhorar o seu valor ao longo do tempo porque os credores
incluem membros poderosos da elite política e económica angolana. E dizem que
os reguladores portugueses encaminharam estes activos para o banco bom por
forma a aumentar o seu valor – assumindo que os empréstimos vão crescer em
valor”, avança o correspondente do NYT.
FARTO
DE CHORAR, O POVO RI-SE
Cá
no Folha 8, reflectindo o que é um desejo generalizados do povo faminto e, é
claro, na linha da ONU que dá toda a cobertura a José Eduardo dos Santos, reiteramos
o nosso contributo para o dossier de candidatura ao Prémio Nobel do
Presidente, reconhecendo – ao contrário da Forbes – que ele é, no mínimo, o
“querido líder” ou “o escolhido de Deus”.
Uma
das suas características genéticas, que passou ao lado da Forbes e de todos
quantos teimam em denegrir a sua divina visão estratégica, tem a ver com a
capacidade de adaptação, interna e externa, para não olhar a meios para atingir
os (seus) fins. Sobreviveu às mutações internas do MPLA, mesmo recorrendo aos
jacarés para eliminar camaradas, e às externas, mantendo-se a flutuar com a
queda do Muro de Berlim.
A
sua longevidade no poder é digna de registo. José Eduardo dos Santos é, por
enquanto, o segundo presidente da República há mais tempo em funções em todo o
mundo. Apenas por um mês perde o primeiro lugar (tal como na actual análise da
Fornbes) para o seu amigo Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, da Guiné Equatorial.
Nunca foi nominalmente eleito. Mas é nisso que reside o seu segredo. Como reconhece,
aceitou uma “democracia que foi imposta”, sabe que um dia passará de bestial a
besta mas não está preocupado. Os paraísos fiscais não falam quando são
alimentados pelo dinheiro do petróleo e dos diamantes.
José
Eduardo dos Santos chegou à Presidência da então República Popular de Angola quando
tinha 37 anos, sucedendo a Agostinho Neto, assassinado em Moscovo por complicações,
diz-se, após uma cirurgia a um cancro hepático.
Passando
oficialmente, até talvez com alguma glorificação, ao lado dos massacres de 80
mil compatriotas do 27 de Maio, ultrapassou pela esquerda e pela direita os
potenciais candidatos à sucessão de Agostinho Neto, casos de Lúcio Lara,
Ambrósio Lukoki e Pascoal Luvualu. E conseguiu tal feito porque os que
mandavam no MPLA acreditaram que ele seria um mero sipaio. Enganaram-se.
“Durante
os primeiros anos fingi-me de morto. Deixei que me vissem como um fiel herdeiro
do falecido Presidente e, ao mesmo tempo, fui libertando sem alarde os
fraccionistas que haviam sobrevivido aos fuzilamentos e aos campos de
concentração. Nomeei alguns para importantes cargos governamentais. Nunca mais
criaram problemas”, escreve José Eduardo Agualusa no conto “O bom déspota”.
É
claro que Eduardo dos Santos tem uma visão deferente sobre o tempo que leva no
poder: “Eu acho que é muito tempo, até demasiado, mas também temos que ver as
razões de natureza conjuntural que nos levaram a esta situação”, disse à
Bandeirantes do Brasil, acrescentando que, “depois da independência, acho que
foram trinta e tal anos de guerra, em que o país ficou adiado, portanto não
pôde consolidar essas instituições do Estado, nem sequer pôde tornar regular o
funcionamento do processo de democratização, por isso muitas vezes as eleições
tiveram que ser adiadas”.
O
que para o presidente foram “trinta e tal anos” foram de facto, 27. Ou seja, de
1975 e 2002. Forte, forte ele é só nas contas que envolvem o dinheiro sacado
ao erário público. Nessas ele não se engana.
“A
queda do Muro de Berlim aconteceu no momento certo. Por um lado, permitiu-me
afastar um ou outro marxista fanático, trôpegas múmias ideológicas, perdidas
no tempo, que não se deixavam comprar, nem com cargos nem com bens de consumo.
Por outro, permitiu-me abrir o país às delícias do capitalismo, para benefício
de toda a nossa grande família e do país em geral. A abertura ao capitalismo foi também a
grande machadada na guerrilha, até essa altura apoiada pelos Estados Unidos e
pela direita internacional. Se nós nos juntávamos ao capitalismo, porque
haveria o capitalismo de nos combater?”, interroga José Eduardo Agualusa no
referido conto.
Pois
é. Foi isso mesmo. Como líder do MPLA, do governo e da República, Eduardo dos
Santos, enterrou Lenine, o comunismo e rendeu-se ao capitalismo, aceitando
mesmo que figurativamente se desse ao país uns laivos de democracia e de
multipartidarismo.
Eduardo
dos Santos, engenheiro de petróleo formado pelo Instituto de Petróleo e
Química de Baku, na então União Soviética, engavetou o socialismo em parte
incerta e, em entrevista ao Expresso, em 18 de Julho de 1992, disse: “Penso que
o socialismo estava condenado ao fracasso. Mas não era essa a conclusão a que
se tinha chegado naquela altura, em que se pensava que o socialismo era uma
alternativa ao capitalismo”.
“O
sistema de gestão da economia socialista não era capaz de dar resposta aos
numerosos problemas com que se defrontava a sociedade. O afundamento do sistema
socialista não foi uma grande surpresa para nós e não nos afectou
profundamente. Nós já nos havíamos engajado em todo um processo de reajustamento
do nosso sistema,” afirmou Eduardo dos Santos em Abril de 1992 ao Le Courrier.
Nessa
enorme capacidade de assassinar os camaras de ontem e bajular os de hoje,
Eduardo dos Santos fez com que o MPLA, no III Congresso extraordinário de
1992, deixasse de ser “Partido do Trabalho”, a República deixasse se ser
“Popular” e até a Assembleia do Povo passa a ser Assembleia Nacional.
Sem
o fantasma de Jonas Savimbi no activo, o país cresceu, cresceu. Entre 2004 e
2008 a economia registou um crescimento médio de 17% ao ano; a crise
financeira internacional provocou uma sensível desaceleração entre 2009 e 2011,
com valores entre 2,4% e 3,4%; mas o índice subiu em 2012 para perto dos 7%.
Mfonobong
Nsehe, articulista da Forbes, diz que ”para cumprir os seus novos desígnios,
José Eduardo dos Santos passou a conduzir o governo como se fosse a sua
empresa de investimentos privada”. E fá-lo “canalizando as suas energias para
intimidar os média e desviar fundos para a sua conta pessoal e da sua família”.
Família
em que surge como rainha a filha Isabel que, por sinal, no início do de 2013 se
tornou, segundo a Forbes, a primeira bilionária africana. As acções de
empresas cotadas em Portugal, caso do BPI e da ZON, juntamente com activos em
Angola, “elevaram o valor líquido [da fortuna de Isabel dos Santos] acima da
fasquia de mil milhões de dólares, fazendo da empresária de 40 anos a primeira
mulher bilionária africana”.
Acrescenta
a revista que os negócios de Isabel dos Santos são uma forma de “extrair
dinheiro do seu país, enquanto se mantém à distância, de maneira formal.
Garante igualmente que se o pai for derrubado pode reclamar os seus bens,
através da sua filha. Se morrer enquanto está no poder, ela mantém o saque na
família.”
O
segundo filho, por ordem de idade, é José Filomeno dos Santos, “Zenú”, nascido
da ligação com Maria Luísa Perdigão Abrantes, a segunda mulher de José Eduardo
dos Santos. Zenú, apontado como sucessor nesta dinastia, foi nomeado para gerir
o Fundo Soberano de Angola, dotado de 5.000 milhões de dólares.
Coréon
Dú, outro filho, chegou a usar, em 2006, o endereço do Palácio Presidencial
como residência privada para criar a Semba Comunicação, empresa(?) que recebe
mais de 40 milhões de dólares do orçamento da Presidência para a gestão da TPA
2 e outras supostas acções de melhoria da imagem presidencial.
Rafael
Marques diz que, para além da família, “o círculo dos mais endinheirados
empresários angolanos é fechado por pessoas muito próximas a José Eduardo dos
Santos de entre as quais avultam os generais Kopelipa e Dino Fragoso e Manuel
Vicente, o vice-presidente.
Também
nesta matéria Eduardo dos Santos tem uma explicação para, é claro, justificar e
legitimar uma elite de ricos empresários, tal como o fez no discurso do Estado
da Nação, em 16 de Outubro de 2013: “A acumulação primitiva do capital nos
países ocidentais ocorreu há centenas de anos e nessa altura as suas regras de
jogo eram outras. A acumulação primitiva de capital que tem lugar hoje em
África deve ser adequada à nossa realidade”.
E
se, segundo Eduardo dos Santos, empresas americanas, inglesas e francesas do
sector dos petróleos, bem como as empresas e bancos comerciais com interesses
portugueses “levam de Angola todos os anos dezenas de biliões de dólares, por
que é que eles podem ter empresas privadas dessa dimensão e os angolanos
não?”
“Nós
precisamos de empresas, empresários e grupos económicos nacionais fortes e
eficientes no sector público e privado e de elites capazes em todos os
domínios, para sairmos progressivamente da situação de país subdesenvolvido”,
explica o “querido líder”.
Pois
é. E o resto, o subdesenvolvimento do país? O relatório Africa Progress Report
2013, elaborado por um grupo de personalidades coordenada por Kofi Annan e do
qual fez parte Graça Machel, diz: “Enquanto a elite angolana usa o rendimento
do petróleo para comprar activos no estrangeiro, em Angola as crianças passam
fome”. A taxa de mortalidade infantil, até aos cinco anos, de Angola está no
topo da lista: é a oitava maior do mundo, com 161 mortes em 1000 crianças por
ano, o que representa 116 mil mortes todos os anos. A subnutrição explica um
terço destes óbitos de crianças.
“Em
nome do desenvolvimento económico, sob a égide do capitalismo, encontram-se
justificações para a prática da corrupção, a falta de transparência nas
contas do Estado e a falta de reconhecimento dos direitos de propriedade. A
moral e a ética não fazem parte da cultura da ‘burguesia angolana emergente’,
o que ‘legitima’ a coartação da democracia em defesa do status quo da elite
reinante”, afirma o economista José Dias Amaral.
“José
Eduardo dos Santos está há tanto tempo no cargo que passou a governar o país
como um autêntico monarca”, acusa por sua vez o cientista político Nelson
Pestana, da Universidade Católica de Angola, e dirigente do Bloco
Democrático.
A
Primavera árabe espalhou o pavor no círculo presidencial, ainda atormentado
subconscientemente pelo fantasma de Jonas Savimbi.
“Nas
chamadas redes sociais, que são organizadas via Internet, e nalguns outros
meios de comunicação social fala-se de revolução, mas não se fala de alternância
democrática. Para essa gente, revolução quer dizer juntar pessoas e fazer
manifestações, mesmo as não autorizadas, para insultar, denegrir, provocar
distúrbios e confusão, com o propósito de obrigar a polícia a agir e poderem
dizer que não há liberdade de expressão e não há respeito pelos direitos. É
esta via de provocação que estão a escolher para tentar derrubar governos
eleitos que estão no cumprimento do seu mandato”, disse à nação Eduardo dos
Santos em 2011.
Quanto
ao seu enriquecimento, Eduardo dos Santos explica: “Na Internet, alguém pôs a
circular a notícia de que o Presidente de Angola tem uma fortuna de vinte
biliões de dólares no estrangeiro. Se essa pessoa fosse honesta e séria, devia
indicar imediatamente ao Departamento de Inteligência Financeira do Banco
Nacional de Angola (BNA) os nomes dos bancos e os números das contas em que
esse dinheiro está depositado, para que o Tesouro Nacional possa transferir
esse montante para as suas contas”.
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