quarta-feira, 10 de junho de 2015

Nova medalha para Eduardo dos Santos. É o segundo pior presidente de África



Folha 8 digital (ao), 06 junho 2015

A revista nor­te-america­na Forbes considera José Eduar­do dos San­tos, no po­der desde 1979 sem nunca ter sido nominalmente eleito, como o segundo pior presidente em África, logo a seguir ao seu homó­logo da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema. Essa constatação, que todo o mundo vê, não impediu – por exemplo – que Angola seja membro do Conselho de Segurança da ONU.

A revista Forbes lembra que o chefe de Estado an­golano, José Eduardo dos Santos, chegou ao poder 1979, depois da morte do seu antecessor, Agostinho Neto, e para seu descré­dito tem conduzido o país como se gerisse a sua pró­pria empresa.

No artigo, assinado por Mfonobong Nsehe, pode ler-se que a governação do Presidente Eduardo dos Santos se tem pautado por casos de nepotismo, onde o primo ocupa o cargo de vice-presidente e a sua fi­lha Isabel é a mulher mais poderosa em Angola.

A Forbes destaca ainda que, segundo a Agência Internacional para o De­senvolvimento, o país é extremamente rico em recursos naturais, sendo o segundo maior produtor de petróleo na África Sub­sariana e ocupa o quarto lugar no ranking mundial na produção de diamantes em bruto.

Todavia e apesar dos re­cursos existentes no país, 68% da população vive no limiar da pobreza, a edu­cação é gratuita, mas sem qualidade, 30% das crian­ças estão subnutridas, a esperança média de vida é de 41 anos e o desemprego elevado.

O artigo avança que em vez de partilhar o cres­cimento económico de Angola com a população, José Eduardo dos Santos conduz uma política de in­timidação, sobretudo nos meios de comunicação social e canaliza os fundos do Estado para contas pes­soais ou de familiares. A Forbes dá ainda o exemplo de que a família do chefe de Estado controla o sector económico no país, e que a sua filha Isabel serve-se do poder do pai para comprar activos em empresas por­tuguesas, como é o caso da ZON Multimédia, Ban­co Espírito Santo e Banco Português de Investimen­to, entre outros.

De referir que o relatório publicado na revista norte americana classifica o pre­sidente Robert Mugabe do Zimbabué, o rei Mswati II da Suazilândia e o presi­dente do Sudão, Omar Al­-Bashir, na terceira, quarta e quinta posição respecti­vamente.

ERA UMA VEZ…  OS OVOS DE OURO

Filipe S. Fernandes, autor da biografia de Isabel dos Santos (a rainha santa do clã Eduardo dos Santos), diz que o poder da empre­sária se explica pela pro­ximidade em relação ao poder, sobretudo no que diz respeito ao acesso aos negócios.

“O que explica Isabel dos Santos, assim como ou­tras entidades, não só em Angola, é a proximidade do poder para os negócios. Não são precisos meios obscuros, basta o acesso aos negócios”, diz o autor do livro “Isabel dos Santos — Segredos e poder do di­nheiro”.

Para Filipe Fernandes, normalmente associa-se a fortuna de Isabel dos San­tos aos diamantes que o pai lhe teria dado, mas “há uma hipótese muito mais simples” que pode explicar a fortuna como, por exem­plo, a concessão das teleco­municações (UNITEL) nos anos 1990.

Na altura, Angola estava a tentar que houvesse uma empresa internacional a concorrer à licença de con­cessão de telemóveis e em plena guerra civil ninguém queria arriscar e, “de certo modo”, explica o autor, o negócio teria de ser dado a alguém que tinha de estar próximo do poder. E quem melhor do que a filha do Presidente?

“Só o facto de ter tido aque­la concessão pode ter sido uma boa base para uma boa fortuna e basta ver o valor dos dividendos que são pagos pela UNITEL desde que foi criada sendo que teve dividendos desde muito cedo”, explicou.

“Foi em Baku que José Eduardo dos Santos co­nheceu a mãe de Isabel dos Santos, Tatiana Kukanova, uma russa campeã de xa­drez que estudava geolo­gia. O Azerbeijão, então posto avançado russo, aco­lhia jovens quadros pro­missores dos movimentos de libertação alinhados com o regime comunista como o MPLA”, refere o autor, sublinhando que o encontro entre os dois não foi promovido pelo KGB, os serviços secretos da ex­-URSS.

“Depois do casamento sabe-se muito pouco so­bre Tatiana. Sabe-se que trabalhou na SONANGOL quando foi para Angola, que após o divórcio con­tinuou em Angola tendo depois ido viver com a fi­lha para Londres. Fala vá­rias línguas e foi sempre o ‘porto seguro’ da Isabel dos Santos”, diz Filipe Fernan­des que refere no livro os poucos dados sobre a acti­vidade empresarial da mãe da empresária.

“Tatiana Kukanova surge nas contas divulgadas pelo denominado SwissLeaks, que se baseia nas listas das contas na filial do HSBC, obtidas por Hervé Falcia­ni, um ex-funcionário, em 2008, e agora divulgadas. Na sua conta estavam, em 2006-2007, mais de 4,5 mi­lhões de euros”, escreve Filipe Fernandes.

Além das questões familia­res o livro recorda o caso “Angolagate” e os comple­xos movimentos de Arcadi Gaydamak e Pierre Falco­ne acusados pela justiça francesa da venda ilegal de armas em Angola durante a guerra civil.

“Em 2011, o tribunal de Pa­ris retira as acusações de tráfico de armas e de in­fluências mas condena-os por fraude fiscal e bran­queamento de capitais”, refere o autor.

Na sequência do caso, o li­vro sublinha ainda o papel de Lev Leviev, negociante de diamantes natural de Uzbequistão e apresentado à cúpula do poder em An­gola por Gaydamak e que “afrontou” a companhia diamantífera De Beers con­seguindo negociar directa­mente em Angola e Rússia.

No seguimento destes contactos, recorda a bio­grafia, surge a empresa Africa-Israel Investiments (AFIL) que dá origem a partir da reorganização de 2009 à Ascorp, cujos ac­cionistas eram a Socieda­de de Comercialização de Diamantes de Angola e a Trans-African Investment Services (TAIS).

O memorando do acordo assinado em 1999 assegu­rava à TAIS e à Welox a compra de um mínimo de 150 milhões de dólares em diamantes.

“Esta associação teve mais uma confirmação com a revelação de documenta­ção da filial suíça do HSBC. Isabel dos Santos, por sua vez, deteria 75% da Trans­-African Investments Services enquanto a mãe, Tatiana, que entretanto se tornou cidadã britâni­ca, ficava com 25%”, lê-se na biografia que cita a im­prensa internacional.

O livro, ainda no capítulo dedicado aos “diamantes e à guerra civil” indica mes­mo que, segundo Gayda­mak, TAIS é um acrónimo das iniciais Tatiana e Isa­bel, empresa que entre­tanto acaba por mudar de nome para Iaxon Limited, registada na colónia britâ­nica de Gibraltar.

São também referidas as ligações de Isabel dos San­tos ao empresário portu­guês Américo Amorim, “a guerra na Galp Energia” e os vários pontos de con­tacto com Portugal.

“Ela faz estas ligações por­que são estratégicas para os negócios em Angola. Ao mesmo tempo por se­gurança: se alguma coisa acontecer de grave tam­bém tem um refúgio e aquilo que é racional com a ligação com Portugal é o sector empresarial, a efi­ciência e a máxima renta­bilidade nos negócios além de assegurar o seu contro­lo estratégico em Angola”, disse o autor da biográfica.

Para Filipe Fernandes, a empresária encontrou al­guma consistência nos sectores que escolheu: o financeiro e a articulação que ela tem que ter porque, “apesar de tudo”, os bancos em Angola, têm alguns accionistas portugueses e consequentemente com os meios accionistas inter­nacionais que “sozinha não teria”.

REGIME TIRA O TAPETE A PORTUGAL

Quando o império do Gru­po Espírito Santos ruiu, o BES não tinha apenas uma participação, mas uma ex­posição creditícia ao BESA de cerca de 3 mil milhões de euros. E até aí tudo fa­zia sentido. Angola é pro­dutora de petróleo, dispõe de enormes recursos e a economia cresce de for­ma acelerada e sustentada. Com esta crise, Portugal esqueceu-se que sempre que vinha cá com a mão estendida o regime abria a torneira. Lisboa picou a onça. Mas o pau era curto…

Não admira, por isso, que Portugal apostasse tudo e a qualquer preço no regi­me de Eduardo dos Santos, o que é diferente – muito diferente – de apostar em Angola. Lisboa sempre soube que o regime é um dos mais corruptos do mundo e que os angolanos na sua maioria são pobres. Mas isso nunca preocupou os diferentes governos portugueses.

Neste jogo sempre estive­ram duas variantes. Uma que nos diz que mais de 40% da nossa população vive com menos de 2 dó­lares por dia, que a maio­ria têm pouco ou nenhum acesso a água canalizada, saneamento básico ou electricidade. Outra que mostra à saciedade que Eduardo dos Santos é um dos homens mais ricos de África e que a sua filha Isa­bel é a mulher mais rica de África.

Por razões óbvias, Portu­gal sempre esteve ao lado do regime. Tanto roubou como ficou a guardar os que roubavam. Foi uma so­ciedade mafiosa que, como sempre, fez com que – em ambos os países – poucos tivessem mais milhões e mais milhões tivesses pou­co ou nada.

Portugal esqueceu-se, con­tudo, que os donos do re­gime aprenderam com os melhores professores, os próprios portugueses. De forma quase contínua des­de 1975, os sucessivos go­vernos lusos forneceram quilómetros de corda ao MPLA que, supostamente, serviria para amarrar as re­lações entre os dois países. Mas a prática mostrou que a estratégia de Eduardo dos Santos era outra. Essa corda vai servindo para “enforcar” os próprios por­tugueses.

Mesmo sabendo que fazer negócios em Angola é pra­ticamente impossível sem o envolvimento directo de políticos do partido do go­verno, Portugal nunca se preocupou. Pelo contrário. Alinhou. Lisboa precisava e Luanda tinha.

Sendo que corrupção no caso BES é muito mais grave do que se imagina, o BESA é, sem dúvida, um parceiro do regime, o ban­co do regime. Não porque tenha investido de forma produtiva na economia angolana mas, antes, por financiar sem retorno os políticos do regime com dinheiro roubado ao erário público.

Como todos os bancos an­golanos, o BESA concedeu empréstimos excessiva­mente nos últimos anos: a sua carteira de crédito duplicou de volume entre 2010 e 2012, deixando-a com um rácio de crédi­to/depósitos de cerca de 200% e a qualidade da car­teira de crédito tem vindo a deteriorar-se rapidamen­te, levantando preocupa­ções sobre a sua solvência e liquidez.

Em Dezembro de 2013 a própria Angop dizia que os accionistas concordaram com recapitalizar o banco, no montante de 500 mi­lhões de dólares. Ao mes­mo tempo, o Estado (re­gime) avalizou até 5,7 mil milhões de empréstimos contabilizados no BESA. A garantia foi concedida por insistência pessoal do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, após uma reunião com Ricar­do Espírito Santo Salgado, então o DDT (Dono Disto Tudo) do grupo.

Embora a maioria das joga­das tenha sido feita longe de critérios de transpa­rência, no passado dia 1 o Banco de Portugal dividiu o BES em dois bancos, o “bom” e o “mau”, naciona­lizando temporariamente o “bom” e deixando os de­tentores de dívida subordi­nados às perdas no banco “mau”.

A parte angolana de inves­timentos do BES manteve­-se no banco “mau”. O regi­me de Eduardo dos Santos não gostou. No dia 4 o Ban­co Nacional de Angola pôs o BESA sob sua jurisdição e revogou a garantia sobera­na. Com isso o BES/“banco mau” teve uma perda ime­diata de cerca de 3 mil mi­lhões de euros.

Ao contrário do que pen­sam os peritos de Lisboa, os homens do regime não são matumbos. O governo angolano concedeu uma garantia ao BESA que não foi retribuída pelo executi­vo português. Ao recusar o apoio aos investimentos do BES no BESA, Passos Coelho denunciou unilate­ralmente o acordo. A reta­liação era inevitável.

Num artigo incisivo que, com alguma benevolência analítica, mostra a promis­cuidade ente a política e actividade bancária, a re­vista norte-americana For­bes dizia então que a crise no BES poderia ainda estar no adro, muito embora os párocos de serviço digam o contrário. Desta feita, indica que o BESA pode­rá revelar-se o verdadeiro “calcanhar de Aquiles” ou, até mesmo, o epicentro de um pântano de areias mo­vediças.

“Como se ter sido posto de joelhos por um conglome­rado corrupto de base fa­miliar não fosse o suficien­te, o Banco Espírito Santo poderá agora conhecer novas perdas devido ao falhanço da sua subsidiária em Angola. O BES é dono de 55% do segundo maior banco de Angola, o BES Angola. Em anos recentes, o BESA tornou-se critica­mente dependente do BES para se financiar, por causa do seu rácio de depósitos/empréstimos e da deterio­ração da sua carteira de de­pósitos”, diz a Forbes.

Assim, desta forma pura e dura, a Forbes passa a pen­te fino as implicações do BESA no banco português, sobretudo pela exposição do BES ao banco angolano, que rondará os três mil mi­lhões de euros.

Na mesmo artigo diz-se que que o BESA, mais do que ser um banco como deveria ser entendido, aca­bou por ser um parceiro do governo de Eduardo dos Santos, tanto que os seus investimentos ignoraram pressupostos de produtivi­dade, ficando o banco aos dispor dos poderes insta­lados.

Explica a Forbes que, após a separação do BES em dois bancos, com os inves­timentos portugueses em Angola a permanecerem no “banco mau”, o gover­no angolano encarou isso como um ato hostil, tendo a garantia soberana sobre o BESA sido cancelada.

Agora, numa altura em que ainda há muita in­certeza relativamente à forma como será gerida a situação do “banco mau”, é certo que as relações económicas entre Portugal e Angola, através do BESA, poderão ter os dias conta­dos.

Por sua vez o The New York Times diz que um grupo de investidores que foi atingido pela crise do BES afirma que “alguns empréstimos duvidosos concedidos pela subsidiá­ria bancária do BES em An­gola, o Banco Espírito San­to Angola (BESA), foram para o banco bom e não para o banco mau, onde pertenciam”. Os investi­dores ponderam avançar contra uma “acção legal contra os reguladores por­tugueses”.

O The New York Times escreve que “investidores de fundos de alto risco, fu­riosos por verem as suas participações no Banco Espírito Santo reduzidas a zero, estão a ponderar avançar com uma acção legal contra os reguladores portugueses”.

“De acordo com banquei­ros e advogados envolvi­dos na iniciativa, os fundos incluem o Third Point, fun­dado por Daniel Loeb, e o GLG, em Londres, e gru­pos mais pequenos espe­cializados em obrigações problemáticas, tais como Aurelius, Golden Tree e VR Global”, avança a pu­blicação, acrescentando que “entre os maiores in­vestidores que sofreram perdas encontram-se o EJF Capital, um fundo sediado em Arlington, Virgínia., e a unidade de gestão de acti­vos com sede em Londres do BTG Pactual, o banco de investimento brasilei­ro”.

Sublinhando que “os títulos em causa constituíam uma variedade especialmente arriscada de dívida júnior que o BES emitiu no ano passado”, e que passaram agora para o “banco mau”, o correspondente de Eco­nomia e Finanças do NYT, Landon Thomas Jr., afirma que “este episódio realça até que ponto as taxas de juros baixíssimos nos EUA levaram muitos investido­res a fazerem apostas ar­riscadas em títulos de alto rendimento de bancos e do governo em Portugal e na Grécia”.

“Durante mais de um ano, estes investimentos obti­veram altos rendimentos. Mas à medida que surgiam dúvidas sobre a capacida­de de crescimento da Eu­ropa e a capacidade dos bancos para suportar um número crescente de maus empréstimos, estas obri­gações e acções altamente rentáveis inverteram a sua direcção”, esclarece o jor­nalista.

No seu artigo, Landon Thomas Jr. assinala ainda que “o grupo de investido­res afirma que alguns em­préstimos duvidosos con­cedidos pela subsidiária bancária do BES em Ango­la, o Banco Espírito Santo Angola (BESA), foram para o banco bom e não para o banco mau, onde perten­ciam”.

“Eles alegam que este conjunto de cerca de 3,3 mil milhões de euros em empréstimos duvidosos vai melhorar o seu valor ao longo do tempo por­que os credores incluem membros poderosos da elite política e económica angolana. E dizem que os reguladores portugueses encaminharam estes acti­vos para o banco bom por forma a aumentar o seu valor – assumindo que os empréstimos vão crescer em valor”, avança o corres­pondente do NYT.

FARTO DE CHORAR, O POVO RI-SE

Cá no Folha 8, reflectindo o que é um desejo generali­zados do povo faminto e, é claro, na linha da ONU que dá toda a cobertura a José Eduardo dos Santos, reite­ramos o nosso contributo para o dossier de candida­tura ao Prémio Nobel do Presidente, reconhecendo – ao contrário da Forbes – que ele é, no mínimo, o “querido líder” ou “o esco­lhido de Deus”.

Uma das suas característi­cas genéticas, que passou ao lado da Forbes e de to­dos quantos teimam em denegrir a sua divina visão estratégica, tem a ver com a capacidade de adaptação, interna e externa, para não olhar a meios para atingir os (seus) fins. Sobreviveu às mutações internas do MPLA, mesmo recorrendo aos jacarés para eliminar camaradas, e às externas, mantendo-se a flutuar com a queda do Muro de Ber­lim.

A sua longevidade no po­der é digna de registo. José Eduardo dos Santos é, por enquanto, o segundo pre­sidente da República há mais tempo em funções em todo o mundo. Apenas por um mês perde o pri­meiro lugar (tal como na actual análise da Fornbes) para o seu amigo Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, da Guiné Equatorial. Nun­ca foi nominalmente eleito. Mas é nisso que reside o seu segredo. Como reco­nhece, aceitou uma “de­mocracia que foi imposta”, sabe que um dia passará de bestial a besta mas não está preocupado. Os paraísos fiscais não falam quando são alimentados pelo di­nheiro do petróleo e dos diamantes.

José Eduardo dos Santos chegou à Presidência da então República Popular de Angola quando tinha 37 anos, sucedendo a Agos­tinho Neto, assassinado em Moscovo por compli­cações, diz-se, após uma cirurgia a um cancro hepá­tico.

Passando oficialmente, até talvez com alguma glorificação, ao lado dos massacres de 80 mil com­patriotas do 27 de Maio, ultrapassou pela esquerda e pela direita os potenciais candidatos à sucessão de Agostinho Neto, casos de Lúcio Lara, Ambrósio Lukoki e Pascoal Luvualu. E conseguiu tal feito por­que os que mandavam no MPLA acreditaram que ele seria um mero sipaio. Enganaram-se.

“Durante os primeiros anos fingi-me de morto. Deixei que me vissem como um fiel herdeiro do falecido Presidente e, ao mesmo tempo, fui libertando sem alarde os fraccionistas que haviam sobrevivido aos fuzilamentos e aos campos de concentração. Nomeei alguns para importantes cargos governamentais. Nunca mais criaram pro­blemas”, escreve José Eduardo Agualusa no con­to “O bom déspota”.

É claro que Eduardo dos Santos tem uma visão de­ferente sobre o tempo que leva no poder: “Eu acho que é muito tempo, até demasiado, mas também temos que ver as razões de natureza conjuntural que nos levaram a esta situa­ção”, disse à Bandeirantes do Brasil, acrescentando que, “depois da indepen­dência, acho que foram trinta e tal anos de guerra, em que o país ficou adiado, portanto não pôde conso­lidar essas instituições do Estado, nem sequer pôde tornar regular o funcio­namento do processo de democratização, por isso muitas vezes as eleições ti­veram que ser adiadas”.

O que para o presidente foram “trinta e tal anos” foram de facto, 27. Ou seja, de 1975 e 2002. Forte, forte ele é só nas contas que en­volvem o dinheiro sacado ao erário público. Nessas ele não se engana.

“A queda do Muro de Berlim aconteceu no mo­mento certo. Por um lado, permitiu-me afastar um ou outro marxista fanático, trôpegas múmias ideoló­gicas, perdidas no tempo, que não se deixavam com­prar, nem com cargos nem com bens de consumo. Por outro, permitiu-me abrir o país às delícias do capitalis­mo, para benefício de toda a nossa grande família e do país em geral. A abertura ao capitalismo foi também a grande machadada na guerrilha, até essa altu­ra apoiada pelos Estados Unidos e pela direita inter­nacional. Se nós nos juntá­vamos ao capitalismo, por­que haveria o capitalismo de nos combater?”, interro­ga José Eduardo Agualusa no referido conto.

Pois é. Foi isso mesmo. Como líder do MPLA, do governo e da República, Eduardo dos Santos, enter­rou Lenine, o comunismo e rendeu-se ao capitalismo, aceitando mesmo que fi­gurativamente se desse ao país uns laivos de demo­cracia e de multipartidaris­mo.

Eduardo dos Santos, enge­nheiro de petróleo formado pelo Instituto de Petróleo e Química de Baku, na então União Soviética, engave­tou o socialismo em parte incerta e, em entrevista ao Expresso, em 18 de Julho de 1992, disse: “Penso que o socialismo estava conde­nado ao fracasso. Mas não era essa a conclusão a que se tinha chegado naquela altura, em que se pensava que o socialismo era uma alternativa ao capitalismo”.

“O sistema de gestão da economia socialista não era capaz de dar resposta aos numerosos problemas com que se defrontava a sociedade. O afundamento do sistema socialista não foi uma grande surpresa para nós e não nos afec­tou profundamente. Nós já nos havíamos engajado em todo um processo de rea­justamento do nosso siste­ma,” afirmou Eduardo dos Santos em Abril de 1992 ao Le Courrier.

Nessa enorme capacidade de assassinar os camaras de ontem e bajular os de hoje, Eduardo dos Santos fez com que o MPLA, no III Congresso extraordi­nário de 1992, deixasse de ser “Partido do Trabalho”, a República deixasse se ser “Popular” e até a Assem­bleia do Povo passa a ser Assembleia Nacional.

Sem o fantasma de Jonas Savimbi no activo, o país cresceu, cresceu. Entre 2004 e 2008 a economia registou um crescimento médio de 17% ao ano; a cri­se financeira internacional provocou uma sensível desaceleração entre 2009 e 2011, com valores entre 2,4% e 3,4%; mas o índice subiu em 2012 para perto dos 7%.

Mfonobong Nsehe, arti­culista da Forbes, diz que ”para cumprir os seus no­vos desígnios, José Eduar­do dos Santos passou a conduzir o governo como se fosse a sua empresa de investimentos privada”. E fá-lo “canalizando as suas energias para intimidar os média e desviar fundos para a sua conta pessoal e da sua família”.

Família em que surge como rainha a filha Isabel que, por sinal, no início do de 2013 se tornou, segundo a Forbes, a primeira bilio­nária africana. As acções de empresas cotadas em Portugal, caso do BPI e da ZON, juntamente com activos em Angola, “eleva­ram o valor líquido [da for­tuna de Isabel dos Santos] acima da fasquia de mil mi­lhões de dólares, fazendo da empresária de 40 anos a primeira mulher bilionária africana”.

Acrescenta a revista que os negócios de Isabel dos Santos são uma forma de “extrair dinheiro do seu país, enquanto se mantém à distância, de maneira for­mal. Garante igualmente que se o pai for derruba­do pode reclamar os seus bens, através da sua filha. Se morrer enquanto está no poder, ela mantém o sa­que na família.”

O segundo filho, por ordem de idade, é José Filomeno dos Santos, “Zenú”, nasci­do da ligação com Maria Luísa Perdigão Abrantes, a segunda mulher de José Eduardo dos Santos. Zenú, apontado como sucessor nesta dinastia, foi nomeado para gerir o Fundo Sobe­rano de Angola, dotado de 5.000 milhões de dólares.

Coréon Dú, outro filho, chegou a usar, em 2006, o endereço do Palácio Pre­sidencial como residência privada para criar a Sem­ba Comunicação, empre­sa(?) que recebe mais de 40 milhões de dólares do orçamento da Presidência para a gestão da TPA 2 e outras supostas acções de melhoria da imagem presi­dencial.

Rafael Marques diz que, para além da família, “o cír­culo dos mais endinheira­dos empresários angolanos é fechado por pessoas mui­to próximas a José Eduar­do dos Santos de entre as quais avultam os generais Kopelipa e Dino Fragoso e Manuel Vicente, o vice­-presidente.

Também nesta matéria Eduardo dos Santos tem uma explicação para, é claro, justificar e legitimar uma elite de ricos empre­sários, tal como o fez no discurso do Estado da Na­ção, em 16 de Outubro de 2013: “A acumulação primi­tiva do capital nos países ocidentais ocorreu há cen­tenas de anos e nessa altura as suas regras de jogo eram outras. A acumulação pri­mitiva de capital que tem lugar hoje em África deve ser adequada à nossa reali­dade”.

E se, segundo Eduardo dos Santos, empresas ameri­canas, inglesas e francesas do sector dos petróleos, bem como as empresas e bancos comerciais com interesses por­tugueses “levam de Angola todos os anos dezenas de biliões de dó­lares, por que é que eles podem ter empresas pri­vadas dessa dimen­são e os angolanos não?”

“Nós precisamos de em­presas, empresários e gru­pos económicos nacionais fortes e eficientes no sec­tor público e privado e de elites capazes em todos os domínios, para sairmos progressivamente da situa­ção de país subdesenvol­vido”, explica o “querido líder”.

Pois é. E o resto, o subde­senvolvimento do país? O relatório Africa Progress Report 2013, elaborado por um grupo de personalida­des coordenada por Kofi Annan e do qual fez parte Graça Machel, diz: “En­quanto a elite angolana usa o rendimento do petróleo para comprar activos no estrangeiro, em Angola as crianças passam fome”. A taxa de mortalidade in­fantil, até aos cinco anos, de Angola está no topo da lista: é a oitava maior do mundo, com 161 mor­tes em 1000 crianças por ano, o que representa 116 mil mortes todos os anos. A subnutrição explica um terço destes óbitos de crianças.

“Em nome do desenvol­vimento económico, sob a égide do capitalismo, encontram-se justificações para a prática da corrup­ção, a falta de transparên­cia nas contas do Estado e a falta de reconhecimento dos direitos de proprieda­de. A moral e a ética não fazem parte da cultura da ‘burguesia angolana emer­gente’, o que ‘legitima’ a coartação da democracia em defesa do status quo da elite reinante”, afirma o economista José Dias Amaral.

“José Eduardo dos Santos está há tanto tempo no car­go que passou a governar o país como um autêntico monarca”, acusa por sua vez o cientista político Nelson Pestana, da Uni­versidade Católica de An­gola, e dirigente do Bloco Democrático.

A Primavera árabe espa­lhou o pavor no círculo presidencial, ainda ator­mentado subconsciente­mente pelo fantasma de Jonas Savimbi.

“Nas chamadas redes so­ciais, que são organizadas via Internet, e nalguns ou­tros meios de comunicação social fala-se de revolução, mas não se fala de alter­nância democrática. Para essa gente, revolução quer dizer juntar pessoas e fazer manifestações, mesmo as não autorizadas, para in­sultar, denegrir, provocar distúrbios e confusão, com o propósito de obrigar a polícia a agir e poderem dizer que não há liberdade de expressão e não há res­peito pelos direitos. É esta via de provocação que es­tão a escolher para tentar derrubar governos eleitos que estão no cumprimento do seu mandato”, disse à nação Eduardo dos Santos em 2011.

Quanto ao seu enriqueci­mento, Eduardo dos San­tos explica: “Na Internet, alguém pôs a circular a notícia de que o Presi­dente de Angola tem uma fortuna de vinte biliões de dólares no estrangeiro. Se essa pessoa fosse honesta e séria, devia indicar imedia­tamente ao Departamento de Inteligência Financeira do Banco Nacional de An­gola (BNA) os nomes dos bancos e os números das contas em que esse dinhei­ro está depositado, para que o Tesouro Nacional possa transferir esse mon­tante para as suas contas”.


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