José
Mendes – Jornal de Notícias, opinião
A
insistência do Presidente da República em passar a mensagem de que não está
disposto a dar posse a um governo minoritário ameaça transformar o seu final de
mandato num "case study". Este protagonismo de fim de ciclo não
encontra no texto constitucional premissas que o suportem, sobretudo porque
antecipa e pressiona a decisão das urnas, que é aquela que conta num regime
democrático.
A
leitura da Constituição mostra que nada obsta a que exista um governo
minoritário. E não faltam exemplos, a começar pelo governo de 1985, por ironia
chefiado pelo próprio Cavaco Silva. O sistema parlamentar funcionou, já que
dois anos mais tarde esse governo caiu, dando origem a eleições que consagraram
uma maioria. Foi através do voto que o eleitorado viabilizou a solução governativa
estável.
A
zona cinzenta do pensamento do PR está, todavia, numa outra vertente da
Constituição, aquela que limita os seus poderes nos últimos seis meses de
mandato, retirando-lhe nomeadamente o poder de dissolver a Assembleia da
República e de convocar eleições intercalares. Acresce que a nova Assembleia
não pode, também ela, ser dissolvida nos primeiros seis meses, resultando assim
a impossibilidade de novas eleições antes do verão de 2016.
As
sondagens dos últimos tempos têm demonstrado a possibilidade de nenhum dos
partidos conseguir a maioria absoluta. Neste quadro, não dar posse a um governo
minoritário significa que a solução governativa imediata para o país não terá a
legitimidade do voto. E é justamente aqui que faz sentido questionar o que
pretende Cavaco Silva.
O
cenário mais benigno atira para uma influência no jogo político-partidário. O
PR acreditaria que os portugueses desejam a governabilidade e votariam num dos
dois blocos (PS e PSD/CDS) que podem aspirar à maioria absoluta. Significa que
o árbitro não é neutro, pela simples razão de que estaria a apelar à
bipolarização, remetendo os restantes partidos para o papel de verbos de
encher.
O
segundo cenário seria a manutenção do atual governo em funções até novas
eleições, estendendo-lhe o mandato por mais quase um ano. Uma solução sem
qualquer legitimidade democrática, que agitaria as águas a um nível
insuportável.
Por
fim, Cavaco poderia tentar um governo de salvação de iniciativa presidencial.
Este é o cenário que colocaria o PR na história com a glória que ele pensa
merecer, mas seria subverter a democracia e a legitimidade do voto.
A
estes três cenários, oponho um simples "por que não deixar simplesmente a
democracia funcionar?". É governo quem ganha as eleições e o Parlamento cá
estará para os acordos e desacordos.
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