Num
acampamento na cidade portuária de Calais, migrantes vindos de países como
Síria e Sudão sonham em atravessar o Canal da Mancha rumo ao Reino Unido. O
sudanês Younis conta sobre a difícil espera por um recomeço.
Quartas
e quintas costumam ser dias de engarrafamento em Calais, no norte da França,
com muitos caminhões parados nas vias de acesso às balsas. Lá embaixo, na
"selva", como os moradores chamam o acampamento numa área de dunas
logo abaixo da estrada, os primeiros saem correndo. Younis corre encosta acima,
junto com uma centena de outros, que se dividem em pequenos grupos. Younis
entra num caminhão polonês e logo sai de novo. "Não tem nada, só
geladeiras", grita. Entre as grandes caixas, é difícil se esconder.
Segundo o jovem, há 80% de chance de escapar. A maioria consegue fugir à noite,
quando o escuro torna tudo mais fácil, diz.
''Por
todos os lados, refugiados tentam abrir as portas e se esconder entre a carga.
Eles têm que ser rápidos, porque em poucos minutos chegam os carros da polícia.
Eles seguem pelo acostamento até o começo do engarrafamento, os policiais
saltam dos veículos segurando cassetetes.
Quem
já está dentro de um caminhão, com as portas fechadas, está relativamente em
segurança, pois inspecionar todos os caminhões levaria muito tempo. Mais para
trás, a polícia arrasta um punhado de sudaneses para fora de um veículo
lituano. Younis já está correndo de volta para o acampamento, e o compatriota
Tahir corre atrás dele.
"A
polícia é violenta, nos impede de entrar nos caminhões", diz Younis, que
já tentou entrar num caminhão 30 vezes. "Eles usam spray de gás
lacrimogêneo, e muitos são feridos por cassetetes. Isso não é humano, a Europa
devia ser humana."
Rota
pela Líbia
Younis,
de 26 anos, vem do norte do Sudão e pertence à tribo dos núbios, que são
discriminados e perseguidos há décadas pelos governantes na capital, Cartum.
Ele é professor, mas tem que ganhar a vida com outros bicos. Ele e seu amigo
Khalid se conheceram na fuga do Sudão para a Líbia. Khalid também era professor
e é chamado pelos moradores da "selva", respeitosamente, de
"professor", porque fala inglês e é um dos mais velhos do lugar.
Os
dois foram levados à Líbia por traficantes de pessoas, na caçamba de caminhões,
através do deserto do Sudão. Havia muito pouca água, quem protestasse era
espancado, houve mortes. Por fim, chegaram a um acampamento, e só os que ainda
tinham algum dinheiro conseguiram sair.
Eles
viveram, então, um ano e meio como trabalhadores ilegais na Líbia. Mas Khalid
conta que a situação tem se agravado recentemente. Há armas em todos os
lugares. "As pessoas são assaltadas e roubadas na rua", diz. Ele
próprio foi espancado por um empregador, e Younis foi preso pela polícia. Era
hora de seguir adiante na fuga.
De
pesqueiro rumo à Itália
Na
cidade portuária de Suara, Younis pagou 2 mil euros para um traficante e foi
despachado à noite num barco de pesca, junto com cerca de 350 outras pessoas.
Depois de algumas horas, o barco ainda circulava perto da costa da Líbia. O
timoneiro era um rapaz de 18 anos, que nunca tinha conduzido um barco. No
final, o traficante os contatou por celular e veio logo depois, a bordo de uma
lancha, com a qual rebocou o pequeno barco rumo a águas internacionais. Isso
porque, "se os refugiados se afogassem, seria ruim para a reputação
dele", conta Younis.
Finalmente,
o grupo foi capaz de fazer uma chamada de emergência. Autoridades italianas os
resgataram e os levaram para a Sicília, como já ocorreu com outros 50 mil
migrantes neste ano. Alguns dias mais tarde, as autoridades colocaram Younis
num ônibus em direção a Milão. De trem, ele finalmente chegou a Calais,
escondendo-se no banheiro. Todo o caminho através da Europa durou apenas 12
dias.
Vida
difícil na "selva"
"Só
quero encontrar um lugar para viver. Quero trazer minha família de qualquer
jeito. Sinto muitas saudades! Quero comprar uma bicicleta para meu filho,
abraçar minha filha e minha esposa", diz Younis. Ele suportou a fuga
através do Saara, sobreviveu à viagem pelo Mediterrâneo e teve muita sorte por
não ter se afogado. "Mas a maior sorte seria me reunir com a minha
família. Só não sei como as coisas vão correr aqui em Calais."
Todas
as tardes, ele enfrenta no acampamento uma longa fila de distribuição de
alimentos. Esse é um ritual diário para cerca de 3 mil refugiados na
"selva". O governo francês paga a comida, e uma ONG cuida da cozinha.
O lugar também abriga 50 mulheres e crianças, que são os únicos a terem um teto
fixo sobre a cabeça. Depois da refeição, os homens têm que retornar à cidade
improvisada, com barracos de madeira, abrigos feitos com lonas plásticas e
barracas de acampamento. Organizações de ajuda humanitária disponibilizam os
materiais, mas cada um tem que construir seu próprio refúgio. Lixo se acumula
entre os barracos. "Viemos do inferno do mundo árabe para a sujeira da
Europa", diz Younis.
Aqui
também há hierarquia. Os afegãos, endurecidos pela guerra, são os governantes
silenciosos do acampamento. Eles também administram algumas vendas, onde os
refugiados podem comprar sopas instantâneas, peixe em conserva e refrigerantes.
Vez ou outra, acontecem brigas entre eles, sudaneses e eritreus. Duas semanas
atrás, barracas foram incendiadas durante a noite, e a polícia foi chamada.
O
local reúne diferentes nacionalidades, mas os sírios construíram suas tendas
num lugar mais afastado. Eles querem ir o mais rápido possível para Londres,
onde a maioria tem parentes. Quando perguntado sobre sua história, um jovem
sírio não consegue segurar as lágrimas. "Venho de Aleppo, Aleppo não
existe mais."
Poucos
dias depois da 30ª tentativa de entrar num caminhão e atravessar o Canal da
Mancha, Younis tem um novo plano. O amigo Khalid foi o primeiro a entrar com
pedido de asilo junto às autoridades francesas, recebendo um lugar num abrigo
numa pequena cidade francesa, o que significa que ele pode deixar a
"selva".
Em
maio deste ano, o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, aconselhou os
refugiados a pedirem asilo na França ao invés de tentarem o caminho incerto até
o Reino Unido, onde as chances são ruins mesmo para os refugiados da guerra na
Síria.
A
resposta do governo britânico para a crise de refugiados na Europa é "não
aceitamos mais ninguém". Para milhares que arriscam a travessia passando
por Calais, isso significa uma vida na ilegalidade ou a detenção à espera da
deportação. Younis também decidiu pedir asilo na França. E prefere nem pensar
na hipótese de o plano não dar certo.
Barbara
Wesel (md) – Deutsche Welle
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