Rosenildo
Ferreira Gomes* - Afropress, opinião
Mais
uma “campanha fofinha” como reação ao racismo no Brasil. Mais uma chance de que
as coisas permaneçam ruins.
Lamento,
mas não me deixo mais amolecer com as campanhas fofinhas. Até porque, meus 53
anos de estrada já me mostraram que isso é bom apenas para os promotores da
ideia bacanuda. Mas não ajuda, em um milímetro sequer, a encaminhar resoluções
ou a resolver a questão do racismo neste Brasil nada cordial.
Foi
assim no caso do triste episódio envolvendo Daniel Alves, jogador do Barcelona,
que rendeu a desonesta campanha “Somos Todos Macacos”. Como num passe de
mágica, os adeptos da infeliz ideia achavam que estavam dando um xeque-mate no
preconceito dentro e fora de campo. Resultado, a campanha acabou sendo
“sequestrada” até por notórios racistas.
Agora,
diante da terceira onda de ataques racistas contra a jornalista Maria Julia,
Maju, da TV Globo, a história se repte. A bem da verdade, pela primeira vez, os
poderosos da emissora falaram nos atos racistas como sendo um “crime grave”.
Uma subida de tom e tanto. Mas a decepção veio na sequência com o anúncio de
que a emissora “estudando as medidas cabíveis”. Deu-me vontade de chorar. De
raiva!
O
racismo é uma chaga na sociedade brasileira e, ao contrário do que pensam
alguns bem intencionados, só tem feito aumentar. A popularização de agressões
do tipo nas redes sociais indica que não estamos diante de casos isolados como
pregam alguns, ou de incidentes baseados em viés político, como outros tentam
“sequestrar” o debate.
O
que temos de concreto é o fortalecimento violento do racismo em sua face mais
cruel que é o “apartamento” de pessoas, a partir da cor de sua tez ou de sua
origem geográfica (os nordestinos que o digam!).
Mas
a emissora de TV que deplora o caso grave (mas não se posiciona, de forma
prática, por meio de seu departamento jurídico) é a mesma que ajuda, de uma
forma torta, a aprofundar o fosso no qual se encontram boa parte dos
afro-brasileiros em relação aos demais brasileiros.
Aliás,
nisso, ela é copiada com maestria pelas demais. As exceções de praxe ficam por
conta das emissoras educativas e de alguns canais fechados.
A
TV Globo já teve a chance de fazer da luta contra o racismo no Brasil e da
promoção dos direitos dos afro-brasileiros, uma bandeira. Poderia ter saído na
frente e surfado nesta onda. Afinal, ela já contou (ou conta) em seu casting
jornalístico com personalidades como Jorge Majestade, Anna Davis, Glória Maria
(que começou por lá na usava um desafiante cabelo black power na década de
1980).
Também
já teve a oportunidade de acionar seu departamento jurídico para proteger seus
contratados, atacados por injúrias raciais em cartas (ou seja, pessoas que
forneceram provas contra elas mesmas!). Falo do caso ocorrido em 1986 com Zezé
Motta, que fazia par romântico com Marcos Paulo em uma novela.
A
enxurrada de cartas e telefonemas com teor racista, enviados à emissora foi
absurda. E nada foi feito além de uma tímida campanha fofinha, colocando o
casal para falar aqui e acolá sobre o caso! A seguir, um trecho do programa “Na
Moral”, no qual Zezé Motta fala sobre aquele episódio, para os considerarem que
estou exagerando em algo! “(...) Foi uma loucura! Tinha gente que dizia que não
acreditava no amor daquele casal, outros questionavam se o Marcos Paulo
precisava tanto de dinheiro para ele se humilhar beijando uma negra feia. Teve
um senhor que disse que se fosse obrigado pela Globo a beijar uma negra, ele
lavaria a boca com água sanitária todos os dias ao chegar em casa', lembrou a
atriz." (...)
O
mesmo programa de TV fez um debate sobre racismo na TV. Colocou personalidades
negras de grande destaque o diretor Daniel Filho. Daniel falou sobre as
memórias de infância e de como Grande Otello, era tratado no dia a dia, sendo
obrigado a usar o elevador de serviço quando ia a festas na Zona Sul do Rio.
Daniel Filho só faltou chorar. Beleza.
Contudo,
o que fez Daniel Filho ao longo de sua poderosa trajetória na emissora e também
como o poderoso chefão da Globo Filmes? Pouco ou quase nada se levarmos em
conta que algumas produções da GF têm apenas um ou dois atores negros! Em um
país no qual 51% da população se declaram não brancos, isso cheira a piada!
Dá
para enxergar mais negros nas ruas de Estocolmo que nas produções da Globo e da
GF! A TV Globo é uma empresa privada e como tal seus gestores é que sabem o que
é melhor para ela. Mas além de usar sua força de articulação legal e jurídica
para enquadrar os racistas que atacaram a jornalista Maju, poderiam mostrar
que, de fato, não concordam com o racismo (quer seja ele velado,
institucionalizado ou odioso) abrindo espaço para os muitos não brancos
competentes que existem não apenas no jornalismo como também na dramaturgia, na
engenharia...
Afinal
de contas, a construção de um mundo melhor começa dentro de nossa própria casa,
né não!
*Rosenildo
Gomes Ferreira (na foto) é Jornalista especializado em sustentabilidade e
negócios. Também atua como empreendedor social, à frente da startup 1 Papo Reto,
uma plataforma dedicada ao debate da sustentabilidade.
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