domingo, 5 de julho de 2015

Brasil. MAIS UMA “CAMPANHA FOFINHA” CONTRA O RACISMO



Rosenildo Ferreira Gomes* - Afropress, opinião

Mais uma “campanha fofinha” como reação ao racismo no Brasil. Mais uma chance de que as coisas permaneçam ruins.

Lamento, mas não me deixo mais amolecer com as campanhas fofinhas. Até porque, meus 53 anos de estrada já me mostraram que isso é bom apenas para os promotores da ideia bacanuda. Mas não ajuda, em um milímetro sequer, a encaminhar resoluções ou a resolver a questão do racismo neste Brasil nada cordial.

Foi assim no caso do triste episódio envolvendo Daniel Alves, jogador do Barcelona, que rendeu a desonesta campanha “Somos Todos Macacos”. Como num passe de mágica, os adeptos da infeliz ideia achavam que estavam dando um xeque-mate no preconceito dentro e fora de campo. Resultado, a campanha acabou sendo “sequestrada” até por notórios racistas.

Agora, diante da terceira onda de ataques racistas contra a jornalista Maria Julia, Maju, da TV Globo, a história se repte. A bem da verdade, pela primeira vez, os poderosos da emissora falaram nos atos racistas como sendo um “crime grave”. Uma subida de tom e tanto. Mas a decepção veio na sequência com o anúncio de que a emissora “estudando as medidas cabíveis”. Deu-me vontade de chorar. De raiva!

O racismo é uma chaga na sociedade brasileira e, ao contrário do que pensam alguns bem intencionados, só tem feito aumentar. A popularização de agressões do tipo nas redes sociais indica que não estamos diante de casos isolados como pregam alguns, ou de incidentes baseados em viés político, como outros tentam “sequestrar” o debate.

O que temos de concreto é o fortalecimento violento do racismo em sua face mais cruel que é o “apartamento” de pessoas, a partir da cor de sua tez ou de sua origem geográfica (os nordestinos que o digam!).

Mas a emissora de TV que deplora o caso grave (mas não se posiciona, de forma prática, por meio de seu departamento jurídico) é a mesma que ajuda, de uma forma torta, a aprofundar o fosso no qual se encontram boa parte dos afro-brasileiros em relação aos demais brasileiros.

Aliás, nisso, ela é copiada com maestria pelas demais. As exceções de praxe ficam por conta das emissoras educativas e de alguns canais fechados.

A TV Globo já teve a chance de fazer da luta contra o racismo no Brasil e da promoção dos direitos dos afro-brasileiros, uma bandeira. Poderia ter saído na frente e surfado nesta onda. Afinal, ela já contou (ou conta) em seu casting jornalístico com personalidades como Jorge Majestade, Anna Davis, Glória Maria (que começou por lá na usava um desafiante cabelo black power na década de 1980).

Também já teve a oportunidade de acionar seu departamento jurídico para proteger seus contratados, atacados por injúrias raciais em cartas (ou seja, pessoas que forneceram provas contra elas mesmas!). Falo do caso ocorrido em 1986 com Zezé Motta, que fazia par romântico com Marcos Paulo em uma novela.

A enxurrada de cartas e telefonemas com teor racista, enviados à emissora foi absurda. E nada foi feito além de uma tímida campanha fofinha, colocando o casal para falar aqui e acolá sobre o caso! A seguir, um trecho do programa “Na Moral”, no qual Zezé Motta fala sobre aquele episódio, para os considerarem que estou exagerando em algo! “(...) Foi uma loucura! Tinha gente que dizia que não acreditava no amor daquele casal, outros questionavam se o Marcos Paulo precisava tanto de dinheiro para ele se humilhar beijando uma negra feia. Teve um senhor que disse que se fosse obrigado pela Globo a beijar uma negra, ele lavaria a boca com água sanitária todos os dias ao chegar em casa', lembrou a atriz." (...)

O mesmo programa de TV fez um debate sobre racismo na TV. Colocou personalidades negras de grande destaque o diretor Daniel Filho. Daniel falou sobre as memórias de infância e de como Grande Otello, era tratado no dia a dia, sendo obrigado a usar o elevador de serviço quando ia a festas na Zona Sul do Rio. Daniel Filho só faltou chorar. Beleza.

Contudo, o que fez Daniel Filho ao longo de sua poderosa trajetória na emissora e também como o poderoso chefão da Globo Filmes? Pouco ou quase nada se levarmos em conta que algumas produções da GF têm apenas um ou dois atores negros! Em um país no qual 51% da população se declaram não brancos, isso cheira a piada!

Dá para enxergar mais negros nas ruas de Estocolmo que nas produções da Globo e da GF! A TV Globo é uma empresa privada e como tal seus gestores é que sabem o que é melhor para ela. Mas além de usar sua força de articulação legal e jurídica para enquadrar os racistas que atacaram a jornalista Maju, poderiam mostrar que, de fato, não concordam com o racismo (quer seja ele velado, institucionalizado ou odioso) abrindo espaço para os muitos não brancos competentes que existem não apenas no jornalismo como também na dramaturgia, na engenharia...

Afinal de contas, a construção de um mundo melhor começa dentro de nossa própria casa, né não!

*Rosenildo Gomes Ferreira (na foto) é Jornalista especializado em sustentabilidade e negócios. Também atua como empreendedor social, à frente da startup 1 Papo Reto, uma plataforma dedicada ao debate da sustentabilidade.

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