A
crise, ou as crises, se instalaram. Isto ninguém pode negar. São tantas -
financeira, ética, de competência administrativa, de caráter, de respeito
humano, de sensibilidade, de percepção da inteligência popular e dos valores
patrióticos, e outras mais - que a situação política na Europa sob a liderança
da União Europeia de braços dados com o FMI e o Pentágono tem ministrado um
curso intensivo de política que aponta metas contrárias às dos seus dirigentes.
Saltando de galho em galho para corrigir as escorregadelas conseguiram
aproximar o raciocínio de toda a gente honrada, seja de esquerda ou de direita.
A dialética passou a gerir as consciências.
Fica
claro que os tecnocratas de serviço só conseguem pensar em dinheiro sonante
quando falam em
desenvolvimento. São capazes de recomendar a uma família em
dificuldade para sustentar 10 filhos que a solução é exportar 3 dos mais
fortes, deixar morrer 4 dos mais débeis e manter sob controle austero os que
restam para poder amealhar cada ano mais uns tostões. E com as oportunidades
oferecidas pelo turismo e graças à paisagem e à culinária de origem rural,
vende-se de tudo um pouco para aumentar o pé de meia a qualquer custo. A visão
reduzida dos financistas dogmáticos impede que lembrem o que é um ser humano,
os seus valores tradicionais, a sua sensibilidade e afeto, a criatividade
comprovada, a história patriótica e o património herdado, a dignidade de um
povo, a independência nacional.
Diante
da catástrofe que é ter por dirigentes continentais e nacionais espécimes tão
precários, naturalmente as pessoas normais se encontram no protesto apesar de
divergências ideológicas ou de tendências menos drásticas. Em Portugal todos os
dias alguém protesta e faz greve por falta de interlocutor governamental: os
trabalhadores mal pagos, os desempregados, os pensionistas que morrem à mingua,
os reformados com os cortes nos rendimentos, os espoliados das suas moradias
por não poderem suportar as coimas, os doentes que não podem pagar os
medicamentos, os que não são atendidos nos Centros de Saúde, os médicos
contratados com salários de quem não tem formação superior, os enfermeiros que
não têm descanso, os juízes que não têm condições de trabalho, os estudantes
que não têm aulas, os professores que não são contratados, os comerciantes que
depositaram os seus recursos e foram roubados por banqueiros sem escrúpulos, os
pais de crianças especiais que não são mais recebidos na escola, idosos
acamados que deixaram de ser atendidos apesar de viverem sozinhos, bombeiros
que arriscam a vida com equipamentos inadequados e sem salários suficientes,
polícias mal pagos que precisam fazer serviços remunerados incompatíveis,
militares que afirmam não existirem mais condições para a defesa do país,
autarcas que sentem as omissões do governo central pesarem sobre os concelhos
como se fossem uma federação sem orçamento próprio, políticos conservadores que
não suportam a vergonha de representarem os seus partidos que cumprem ordens
externas, toda agente que vê o património empresarial do Estado a ser vendido a
preço de saldo na feira. A lista é enorme. Ficamos à espera que entrem em greve
os padres e freiras, assim como os voluntários e os recém nascidos.
E
dizem que o caos está na Grécia onde o governo e o seu povo não aceitam mais os
sacrifícios impostos pelos credores com seus modelos de crescimento do capital
que insistem em chamar de desenvolvimento.
*Zillah
Branco - Cientista social, consultora do Cebrapaz. Tem experiência de
vida e trabalho no Brasil, Chile, Portugal e Cabo Verde.
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