Para
o sociólogo Antoine Vauchez, a crise grega destacou o papel da Comissão, do
Banco Central e do Tribunal de Justiça europeus na aplicação estrita de regras
económicas que governam a União e que se impõem aos cidadãos, aos eleitos e às
nações sem poder ser discutidas.
Numa
entrevista publicada no Libération e realizada por Philippe Douroux, o autor de Démocratiser l’Europe (Editora Seuil,
2014) denuncia a impossibilidade de existir um debate democrático sobre as
orientações económicas no seio da União.
Desta
forma, observa, “o projeto europeu inicial, o do projeto de Roma em 1957, era
também um projeto político e não simplesmente um conjunto de regras comuns para
unificar um espaço económico e monetário”.
Hoje
em dia, por outro lado, o único verdadeiro Governo europeu é o do mercado único
e da zona euro, que é regido pelas três instituições ditas “independentes”, o
Tribunal da Justiça (TJUE), a Comissão e o Banco Central (BCE) europeus. Estas
três instituições são compostas por personalidades não eleitas – ainda que os
comissários europeus sejam aprovados pelo Parlamento – e, paradoxalmente, estão
“na origem da capacidade política da Europa, mas sempre reivindicando a
independência da ideologia e da diplomacia, consideradas como portadoras de
“egoísmos nacionais”. Isto é um aspeto fundamental da União, afirma Antoine
Vauchez,
“cada
vez que se quer promover um “interesse geral” europeu, colocamo-lo nas mãos de
uma instituição independente, longe do campo da política. E a crise do euro
apenas aprofundou este sulco. Nesta política económica europeia, os membros dos
Parlamentos, europeus ou nacionais, têm uma segunda função: por não poderem
tomar iniciativas em matéria de leis europeias, estes são forçados a acompanhar
o movimento, sem desempenhar um papel de equilíbrio na união cada vez mais
estreita das economias.”
E
mesmo quando, como na recentecrise
da dívida grega, os ministros das Finanças e chefes de Estado e de Governo
da área do euro intervêm, “a própria estrutura dessas negociações entre Estados
favorece a posição daqueles que, como ministro das Finanças alemão, Wolfgang
Schäuble, defendem o reforço das regras desta constituição económica
supranacional criada pelos ‘independentes’ ao longo dos anos”, afirma Vauchez.
Quanto
ao Parlamento Europeu, este devia, após as eleições europeias de 2014,
desempenhar a sua função no debate democrático europeu. No entanto Vauchez
acredita que este “perdeu muito durante a crise”, uma vez que “não tem qualquer
representante na Troika [BCE, FMI e Comissão Europeia] e, ainda hoje, nenhum
parlamentar participou na elaboração dos planos de austeridade, em particular
no da Grécia”.
O
recurso do primeiro-ministro grego Alexis Tsipras ao referendo sobre
os planos de ajuda propostos pelo Eurogrupo é “uma forma de resposta à
impossibilidade de fazer surgir uma divisão política transnacional em torno das
políticas da União. “Desta forma”, estima o investigador francês, “ficámo-nos
por uma lei económica bastante brutal, uma relação entre credores e devedores,
entre os países do norte e do sul”. O facto de algumas pessoas terem acusado a
consulta popular de ser uma “negação da democracia” “mostra até que ponto a
votação não faz parte dos instrumentos dos compromissos políticos em Bruxelas”.
Se
nenhum político europeu consegue sobressair neste contexto, é porque “as regras
definidas pela Comissão ou pelo BCE paralisam qualquer vontade política. [...]
Quando entram na cena europeia, os atores políticos são arrastados por linha
vertiginosa do projeto europeu, que os leva a abandonar as suas prerrogativas
em favor de instituições externas à cena política”. Existem formas de
resistência a esta tendência, diz Vauchez, como o Tribunal Constitucional de
Karlsruhe na Alemanha, o Podemos na Espanha ou o Syriza na Grécia. Mas o
problema, sublinha, “é que essas expressões políticas são acusadas de não serem
legítimas por não serem “europeias”, como se a legitimidade democrática
nacional fossem anulada a nível europeu”.
De
modo a corrigir esta lacuna, Vauchez propõe que o BCE e a Comissão tornem
públicos os debates em que intervêm, organizando o que chama de “a expressão
pública de desacordos e das discussões envolvidas”. A intervenção de atores
externos, tais como partidos, representantes de sociedades civis, sindicatos
com membros do conselho do BCE assegurariam a ligação com a sociedade.
Os
instrumentos para garantir a proeminência da política sobre a economia existem,
garante Vauchez, que afirma que “o Tratado de Lisboa prevê que os Parlamentos
europeus possam unir-se para se opor a uma iniciativa da Comissão”, uma
iniciativa que
foi
utilizada em 2012 contra o projeto
Monti-2 sobre a limitação do direito de greve. Uma coligação de
Parlamentos nacionais ajudou a bloqueá-lo, mostrando que poderiam fazer frente
à Comissão. Mas, para que possa existir uma política transnacional, é
necessário que os partidos nacionais reconheçam esta responsabilidade europeia.
VOX
europe – Liberation – imagem Michael
Kountouris
Sem comentários:
Enviar um comentário