Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
Não
é verdade que o Presidente da República, depois da rejeição parlamentar do
programa do Governo na passada terça-feira, tenha como opção nomear ou recusar
a nomeação de António Costa como primeiro-ministro. Demitido este Governo por
força de norma constitucional explícita (alínea d), n.º 1 do artigo 195.º),
cabe ao Presidente encetar novas diligências para encontrar uma solução
governativa que satisfaça os critérios a que sempre está vinculado mas cuja
leitura fica agora drasticamente simplificada. Com efeito, cerca de dois terços
dos eleitores, através dos seus representantes eleitos, recusaram a
continuidade das políticas de austeridade que o Governo recém-empossado se
propunha assegurar e, chegado o momento de avaliar as suas propostas,
manifestaram com clareza o seu repúdio e, na mesma ocasião, o seu apoio a uma
alternativa política liderada pelo Partido Socialista.
Aquilo
que distingue o chamado sistema "semipresidencial" adotado pela
Constituição portuguesa de outros modelos de democracia parlamentar em cuja
família se integra são, precisamente, as atribuições do Presidente na formação
do Governo. A latitude destes poderes, formulados com grande amplitude - como
convém à redação da Lei Fundamental da República - está também ali delimitada
com suficiente rigor. A definição das "principais orientações
políticas" e as "medidas a adotar ou a propor nos diversos domínios
da atividade governamental" (artigo 188.º da Constituição) devem constar
do programa de Governo que tem de ser previamente apreciado pela Assembleia da
República, sem qualquer possibilidade de interferência do Presidente. E só
depois de a Assembleia da República ter debatido e aceitado o seu programa,
assume o Governo a plenitude das suas funções ou então, cai como caiu!
De
facto - e de direito! - a larga margem de apreciação dos resultados eleitorais
de que o Presidente gozava anteriormente - sobretudo, neste quadro parlamentar
em que nenhuma força política obteve a maioria absoluta - fica agora
condicionada pela interpretação feita pelos próprios representantes eleitos, do
sentido do mandato que receberam. Não pode o Presidente sobrepor os seus
critérios ou preferências aos critérios e preferências dos próprios
representantes, enunciados no lugar soberano da representação democrática e certificados
por entendimentos escritos e declarações públicas.
Como
é bem sabido, a missão específica que o Presidente da República cumpre na nossa
democracia constitucional - o que justifica, aliás, a sua eleição por sufrágio
universal e lhe permite até, em circunstâncias excecionais, demitir o Governo e
dissolver o Parlamento - é "assegurar o regular funcionamento das
instituições democráticas" (n.º 2 do artigo 195.º). Seria absurdo que tal
poder fosse subvertido pelo seu próprio titular e que o Presidente se
transformasse no principal fator de perturbação "do regular funcionamento
das instituições democráticas" que justamente lhe cabe proteger!
Seguramente que o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, não o fará.
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