Philippe
Legrain – Diário de Notícias, opinião
Se
fosse necessário um sinal claro de que a União Europeia se está a desintegrar a
um ritmo alarmante, a construção pela Hungria de cercas de arame farpado ao
longo da fronteira com a Croácia, sendo os dois países membros da UE, é esse
sinal. É evidente que a crise na zona euro tem diminuído os fluxos
financeiros, causado a divergência das economias, desgastado o apoio político
às instituições da UE e posto os europeus uns contra os outros. Agora, com os
governos a erguerem barreiras e a restabelecerem os controlos nas fronteiras, a
crise dos refugiados tem interrompido os fluxos de pessoas e arruinado o
comércio. E, com a UE a desfazer-se, o risco de a Grã-Bretanha votar pela saída
está a aumentar.
Afirma-se
frequentemente que a UE progride através das crises, porque se concentra na
necessidade premente de uma maior integração. Mas tais avanços requerem pelo
menos quatro ingredientes: um entendimento correto e partilhado do problema, um
acordo sobre um caminho eficaz a seguir, uma vontade de partilhar mais
soberania e líderes políticos capazes de conduzir a mudança para a frente.
Estão os quatro em falta.
Os
líderes da UE estão fracos, divididos e aparentemente incapazes de definir uma
visão credível dos benefícios futuros que a integração europeia poderia trazer,
sem a qual não conseguem angariar apoio popular e convencer os governos
recalcitrantes a assumirem a sua quota-parte dos custos atuais. Na ausência de
uma resposta eficaz comum, as crises da Europa intensificam-se, alimentam-se
umas das outras e fomentam o unilateralismo.
As
crises da zona euro e dos refugiados têm características comuns que as tornam
difíceis de resolver. Ambas envolvem disputas sobre partilha de custos,
complicadas por um choque de valores, no centro do qual se encontra uma
Alemanha novamente dominante.
A
UE é uma nulidade na partilha de encargos. Os governos, em vez de chegarem a
acordo sobre uma divisão justa dos custos, quer da crise financeira quer do
acolhimento de refugiados, tentam minimizar as suas obrigações e transferi-las
para outras pessoas - aumentando, assim, os custos coletivos. Uma crise
bancária que poderia ter sido resolvida por meio de uma reestruturação justa e
decisiva das dívidas insustentáveis avolumou-se e é, agora, uma crise económica
e política muito maior que põe os credores contra os devedores, tanto dentro
dos países como entre eles.
Da
mesma forma, as regras da UE que estipulam que deve ser concedido asilo aos
refugiados no primeiro Estado membro a que cheguem provaram ser tanto inviáveis
como injustas; como os requerentes de asilo chegam principalmente ao Sul da
Europa e querem dirigir-se para o Norte, a Grécia e a Itália ignoraram as
regras e facilitaram a sua passagem. Os países de trânsito, como a Hungria,
tentam desviar os refugiados para outros sítios. Reinstalar as quase 750 000
pessoas que procuraram asilo na UE neste ano - representando apenas 0,14% da
população da UE - tornou-se assim uma crise existencial.
Parte
do problema é a miopia na tomada de decisão. Os líderes da UE concentram-se
estritamente em limitar os custos financeiros e políticos a curto prazo, em vez
de pensarem estrategicamente sobre as consequências mais amplas a longo prazo.
A
reestruturação da dívida grega em 2010 teria implicado um choque financeiro
para os bancos franceses e alemães (e para os governos que estavam por trás
deles), mas uma perda muito menor do que os custos implícitos na multiplicação
de uma crise duradoura. Da mesma forma, embora o ato de acolher refugiados
requeira um investimento inicial de fundos públicos, pode pagar dividendos
assim que os recém-chegados comecem a trabalhar. Um continente grisalho precisa
de trabalhadores jovens e dinâmicos para fazer trabalhos que os locais rejeitam
(ou para as quais não estão qualificados), sustentar e cuidar dos idosos,
começar negócios e pôr em prática ideias novas e estimulantes que impulsionam o
crescimento económico.
O
choque de valores também impede o compromisso. Os alemães insistem que os
devedores têm a obrigação moral de pagar o que devem e expiar a sua
prodigalidade pecaminosa. Um primeiro-ministro eslovaco que rejeita os
refugiados alegando que "a Eslováquia é para os eslovacos, não para as
minorias", é difícil de aliciar. Mesmo que o plano da UE para reinstalar
refugiados retirasse da Hungria os recém--chegados não desejados, Viktor Orbán,
o líder autoritário e nacionalista do país, opõe-se-lhe por princípio, acusando
a Alemanha de "imperialismo moral" ao tentar impingir aos países
vizinhos a sua atitude generosa para com os refugiados.
Até
há pouco tempo, os responsáveis políticos alemães procuravam expiar o passado
nazi do país apresentando uma Alemanha mais europeia e financiando a UE,
contribuindo assim para acalmar muitas disputas. Mas, com a posição da Alemanha
como principal credor a colocá-la na condução dos destinos da União, o governo
da chanceler Angela Merkel procura agora criar uma Europa mais germânica.
A
Alemanha recusa-se a aceitar que as suas políticas económicas protecionistas -
refletidas nos seus substanciais excedentes da balança de transações correntes
- são em simultâneo uma das causas da crise da zona euro e um grande
impedimento para a resolver. Em vez disso, intimida os outros para conseguir o
que quer, identificando erroneamente os seus interesses próprios como credor
com os do sistema no seu todo.
Merkel
tem desempenhado um papel muito mais positivo na crise dos refugiados. A
Alemanha suspendeu unilateralmente a aplicação das regras de asilo da UE e
comprometeu-se a aceitar todos os refugiados sírios que chegam. Mas a
incapacidade de Merkel para oferecer uma passagem segura a esses refugiados
agravou o caos. Ao reinstituir posteriormente os controlos fronteiriços dentro
do espaço Schengen, supostamente sem fronteiras, instaurou um precedente
terrível, levando os vizinhos da Alemanha a fazer o mesmo.
Entretanto,
com a UE a ser vista cada vez mais como uma fonte de crise económica, agitação
política e migrantes indesejados aumenta o risco de os britânicos votarem pela
saída num referendo a ter lugar antes do final de 2017. O Reino Unido está já
semidesligado - fora de Schengen e com autoexclusão do euro e de muitos
assuntos internos (incluindo a política de asilo). Com o governo agora a tentar
negociar termos de adesão ainda mais folgados, o Reino Unido vai acabar mais
afastado da UE, mesmo que se mantenha como membro.
As
sondagens estão muito equilibradas e os referendos são imprevisíveis. Num
momento de raiva contra os poderes instituídos e de agitação política, os
ativistas anti-UE podem vender três fantasias de um futuro pós-UE: um mercado
livre, um país sem estrangeiros ou a utopia socialista. O lado pró--UE, pelo
contrário, tem de vender a realidade da UE tal como ela é, com todos os seus
problemas.
Até
há pouco, a integração europeia parecia inevitável. Poderia parar, mas nunca
iria entrar em marcha-atrás. Aderiram países; nenhum saiu. Mas com a UE já a
desmoronar, o Brexit poderia inverter essa dinâmica. Essa é mais uma razão para
consertar a UE antes que seja tarde demais.
*Ex-assessor
económico do presidente da Comissão Europeia e investigador principal convidado
do Instituto Europeu da London School of Economics
-Diário
de Notícias em 20 outubro 2015
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