Luísa
Rogério – Rede Angola, opinião
Imaginem
um lugar onde é normal o consumidor pagar por algo que não usufrui. Imaginem
que nesse lugar as pessoas se limitam a suspirar. Cruzam serenamente os braços
à espera do acontecimento seguinte. Lá, os prestadores de serviço cultuam a
prática de postergar esclarecimentos sobre situações que seriam insólitas
noutros cantos do universo. Desnecessário estimular a imaginação. Sabemos que o
lugar existe. É aqui! Luanda, a capital do país que comemora quarenta anos de
independência. Os atentados aos direitos do consumidor servem para preencher
infindáveis páginas de ensaios sobre péssimo serviço público. Entre o manancial
de temas susceptíveis de mergulhar o citadino num estado de depressão profunda
escolho aquele que, ano após ano, continua imbatível no topo das questões que
mais dores de cabeça provocam ao luandense.
Em
quase toda Luanda ouvem-se reclamações. Os casos caricatos de outrora perderam
o estatuto. Vulgarizaram-se. Com excepção das novas centralidades, poucas zonas
residenciais escapam do lugar-comum no que toca à falta de energia eléctrica.
Causas e efeitos desse problema “cancerígeno” têm sido objecto de debate em
diversos círculos. Aparentemente, o crescimento exponencial da cidade que
alberga população em número muito superior ao que teria capacidade de suportar,
assim como as obras em execução são factores que contribuem para uma espécie de
vivência similar ao de uma aldeia feudal. Para ser factual, contam-se os anos
no período pós-independência em que a escuridão não assolou Luanda. No
início dos anos oitenta registaram-se os famosos derrubes de postos de energia
eléctrica. Estávamos em guerra. Veio a paz. O ex-partido guerrilheiro abraçou
os meios convencionais de luta política. A fasquia das expectactivas foi
subindo. Entretanto, foram feitos investimentos avultados no sector de energia
e águas. Com a construção da barragem de Kapanda augurou-se o fim dos problemas
de energia em Luanda. Previsão falhada. Baixo caudal, humidade, enchentes e
outros contratempos atribuídos à acção da natureza inviabilizaram o retorno à
verdadeira normalidade. A aposta em novos investimentos e projectos em Cambambe
juntou-se ao glossário para o entendimento do vasto dossier. A realidade é
clara: o problema arrasta-se e a solução tarda. A meta para o termo do calvário
parece ser 2017. Em termos matemáticos falta pouco para a mudança de cenário.
Na prática, é preferível viver o presente sem conjecturas estarrecedoras.
Enfrentar
penosas noites de calor sob a macabra sinfonia dos mosquitos e manter a
disposição na manhã seguinte é possível quando o poder da mente substitui o
termo infernal por sauna, como ironiza a Kizzy. Os optimistas dirão que calor,
mosquitos e paludismos existem desde tempos imemoriais e ainda assim
resistimos. O mesmo não se pode dizer dos produtos perecíveis e das parcas
economias. Ir quase diariamente às compras implica aumento de despesas. Os
geradores deixaram de ser as fontes alternativas de tempos idos. Só que o preço
do combustível também já não é bonificado. Pouquíssimas bolsas estarão à altura
de fazer face a tantos gastos.
Há
áreas que recebem cerca de oito horas de luz por dia da rede pública,
geralmente entre as 9 e 17 horas nos dias de benevolência. A lua tem sido a
principal fonte de iluminação nocturna, a par dos famigerados geradores
acompanhados do barulho ensurdecedor. Na maioria dos bairros de gente comum, os
tais têm de ser desligados por volta da meia-noite por causa dos elevados
riscos de acidentes. Os amigos do alheio são ousados ao ponto de roubarem os
abastecedores de energia em pleno funcionamento. Como nem tudo pode ser sempre
mau, pelo menos uma vez por semana a ENDE é justa. No meu bairro segunda-feira
feira é dia de luz. É dia de dormir com a tranquilidade desconhecida dos
combatentes de causas perdidas. De lavar, passar a ferro, assistir televisão,
ler e usar ar-condiconado. Nesse dia de magia os olhares ansiosos postos nos
relógios desaparecem. E levam a preocupação gerada pelo aproximar da hora de
recolher da energia.
Ao
contrário da irregularidade relativas ao abastecimento, as facturas mantém-se
regulares. Bem feitas as contas, o cliente beneficia de menos de um terço do
consumo a que tem direito. No fim do mês não é descontado sequer um décimo do
valor pago em períodos de menores interrupções. Dito de outro modo, a empresa
que não honra as obrigações contratuais prejudica o bolso do cidadão mal
servido. Quantos milhares de clientes pagam indevidamente o que deixam de
consumir? Um jurista ajudaria a dar nome às evidências. Preferencialmente
depois do economista fazer todos os somatórios em busca da diferença à qual se
juntaria os incomensuráveis danos morais.
Existem
dificuldades eventualmente acentuadas pela dita crise económica. O que se
passa, a definição de um horizonte temporal para a normalização e o
estabelecimento de escalas com vista a distribuição de energia são aspectos que
deveriam constar no plano de comunicação da empresa. Pior do que a falta de
consideração para com o consumidor são as irritantes desculpas.
Pronto.
Pausa na escrita. A carga está a acabar. Já escureceu. Vou ali assim acender as
lanternas porque o gerador sucumbiu! Antes porém, deixo um recado: privatizem a
distribuição de energia eléctrica, abrindo o negócio a quem mostrar competência
para o gerir e satisfazer os clientes. Façam qualquer coisa para mudar este
estado de coisas. Ou prestem um grande favor a este povo heróico e
suficientemente generoso para não estabelecer ligações entre a escolha dos seus
legítimos representantes e o péssimo serviço público que tem: demitam-se!
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