Isabel
Moreira – Expresso, opinião
Imaginem
que o jornal “O Independente” ainda existia.
Agora
imaginem que o diretor do mesmo apanhava uma escuta telefónica na qual se ouvia
o líder do CDS a propor furiosamente ao primeiro-ministro que tratasse de
convencer o secretário-geral do PCP, partido que lhe dá apoio parlamentar, a,
por sua vez, dar umas “ordens” à CGTP-IN (uma organização sindical), de maneira
a que esta, por seu turno, “impedisse” a realização de greves.
Se
isto acontecesse teríamos uma das mais violentas capas do jornal “O independente”.
E
teríamos um sobressalto cívico. Então um líder de um Partido tinha-se atrevido
a propor furiosamente ao primeiro-ministro que este manipulasse o líder de
outro partido (ou fizesse um acordo com o mesmo) com a finalidade de
condicionar a liberdade sindical e o direito à greve dos trabalhadores? Em
democracia?
Acontece
que Paulo Portas fez isto mesmo, em voz alta, na casa da democracia: exigiu
furiosamente ao primeiro-ministro de Portugal que fizesse o acima descrito, o
que foi tomado e, bem, como insulto por parte de António Costa. Um insulto ao
Chefe do Governo, um insulto ao PCP, um insulto à CGTP e um insulto aos
direitos dos trabalhadores.
O
que releva daqui não é o episódio. O que releva daqui é o que sustenta o
episódio, de resto verbalizado por Portas, mas secundado entusiasticamente
pelos aplausos do CDS e PSD inteiros.
Ora,
o que sustenta o episódio é a direita que temos. O que sustenta o episódio é a
confirmação despudorada de que o PSD da social-democracia ou o CDS da
democracia cristã suicidaram-se e sim, confirmam todos os dias, como neste
episódio, que o ataque desnecessário, contraproducente, insensível que
desferiram no mundo do trabalho, nos reformados, nos pensionistas, na classe
média, nas prestações sociais que realmente atacam a pobreza (como o RSI) foi
um ataque desejado, apoiado nas novas vestes ideológicas de uma direita
fascinada com o liberalismo selvagem e com o capitalismo repressivo.
Não
tiveram de cortar pensões ou salários. Quiseram cortar pensões e salários. E se
hoje os cortes não foram definitivos e a esquerda repõe o que foi literalmente
um assalto a vítimas de experimentalismo, isso deve-se ao Tribunal
Constitucional.
Não
admira, pois, a postura do PSD e do CDS em cada debate. As intervenções dos
deputados de uma direita desfigurada a envergonhar os seus fundadores
baseiam-se em graçolas, na repetição até ao infinito da palavra “geringonça” –
mesmo nisso negando insistentemente a democracia (que passou a “geringonça”) –
e no desprezo profundo, assumido numa fisicalidade de ódio, por todas as
medidas que envolvam a palavra “trabalhadores”.
É
aqui que bate o ponto. Para esta direita não há paraíso na terra enquanto
existir contratação coletiva; não há paraíso na terra enquanto existir
sindicalismo; não há paraíso na terra enquanto existir “trabalho” como um
“direito fundamental”; não há paraíso na terra enquanto existirem funcionários
públicos, em relação aos quais construíram um discurso de pré-extinção ao
lançar sobre os mesmos um rótulo de inimigos dos privados; não há paraíso na
terra enquanto existirem trabalhadores que exerçam o direito à greve; não há
paraíso na terra enquanto existir direito à greve; não há paraíso na terra
enquanto existir uma empresa nas mãos do Estado; não há paraíso na terra
enquanto existir uma escola pública a “prejudicar” uma privada; não há paraíso
na terra enquanto existir essa mania da saúde ser mesmo um serviço “universal”
e “tendencialmente gratuito”; não há paraíso na terra enquanto existir essa
mania constitucional de “todos”, sim, “todos” terem direito a uma segurança
social pública.
Quando
Portas verbaliza no parlamento em forma de exigência a violação da democracia,
poderíamos pensar que aquilo só por telefone e em sendo apanhado daria uma
grande primeira página de um jornal como “O Independente”. Mas sabemos que o
que nos segura contra esta direita é precisamente o seu despudor. Diz em voz
alta ao que vem. Confessa de onde veio.
A
voz foi de Portas. Naquele episódio. Foi aplaudido por toda a direita. Dá uma
capa de jornal, sim. Mas o que releva do episódio é o que vemos todos os dias.
Um PSD e um CDS que hoje, em 2015, vota contra o capítulo constitucional dos
direitos económicos, sociais e culturais e contra os dos direitos dos
trabalhadores. E confessa que fez o que nos fez porque é assim.
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