Os
anos de exposição televisiva conferiram-lhe uma popularidade que vale mais do
qualquer máquina eleitoral, mas há razões fortes para não votar em Marcelo nas
próximas eleições.
A
mais longa incursão eleitoral da democracia portuguesa aproxima-se da prova
final. Os anos de exposição televisiva conferiram a Marcelo Rebelo de Sousa uma
popularidade que vale mais do qualquer máquina eleitoral; Marcelo sabe-o e
alimenta o distanciamento: quer uma campanha morna, sem apoios financeiros,
"diferente das outras". Mas esta que se apresenta como uma candidatura
larga e ecuménica, não deve fazer esquecer um percurso marcado por opções
políticas claras. Há razões fortes para não votar em Marcelo nas próximas
eleições.
1.
Marcelo é o candidato da direita. O eterno candidato decidiu terminar a
sua jornada até às presidenciais com uma campanha ao centro. Nesse exercício,
todos os fogachos mediáticos são previamente trabalhados - a ida à festa do
Avante, o comício na Voz do Operário, a menção a Francisco Louçã como seu
substituto para os comentários na TVI - e cada tentativa de enfeitiçar o
eleitorado do centro e da esquerda procura distanciar Marcelo, o candidato
presidencial, de Marcelo, o político e dirigente partidário.
Aquele
que liderou o PSD entre 1996 e 1999, enfrentando internamente tudo e todos para
fazer uma aliança pré-eleitoral com o CDS (ao ponto de perder a liderança do
partido) é o mesmo que agora desvaloriza os apoios de Paulo Portas e Passos
Coelho. O Marcelo candidato, que agora defende uma acrescida
"sensibilidade social", quer fazer esquecer o Marcelo dirigente, que
no passado foi o rosto da oposição a medidas como o Rendimento Mínimo Garantido
(o PSD de Marcelo votou contra a medida em 1997). O presidenciável que fala da
necessidade de projetar Portugal no mundo, não quer a sombra do líder
partidário que chegou a defender publicamente a privatização da RTP e da RDP
(proposta chumbada pela AR em 1998).
2.
Marcelo é o candidato dos velhos interesses. O distanciamento de Marcelo
em relação ao PSD e ao CDS é também uma tentativa de blindar a sua candidatura
a ataques que exponham a porta-giratória entre a política e os negócios. Nesse
campo, Marcelo segue a mesma estratégia de Cavaco: defender uma imagem de respeitabilidade
apesar de todos os que o rodeiam não a terem. Basta recordar alguns dos nomes
da direção nacional do PSD escolhidos por Marcelo no final do século passado:
Joaquim Ferreira do Amaral (Lusoponte), Manuela Ferreira Leite (Santander),
Carlos Horta e Costa (CTT), Álvaro Dâmaso (Montepio), Marques Mendes (Abreu
Advogados), Jorge Bleck (Semapa), entre tantos outros.
Mais
recentemente, a amizade de longa data mantida com Ricardo Salgado revelou a
proximidade de Marcelo aos círculos do poder económico. Um percurso iniciado no
governo de Sá Carneiro - onde Marcelo assumiu a pasta dos Assuntos
Parlamentares e foi um elemento ativo na primeira revisão constitucional - e ao
lado de Daniel Proença de Carvalho, na fundação do Semanário, o primeiro jornal
de direita a tratar com mais apreço a informação económica num tempo que
abriria o campo às privatizações.
3.
Marcelo é o candidato do campo conservador. "Em termos gerais,
[Marcelo Caetano] era um homem excecional. No quadro histórico em que viveu,
não é fácil encontrar figuras com projeção e qualidades semelhantes"
(Marcelo Rebelo de Sousa, Expresso: 14.02.2009). Este elogio dirigido ao
ex-ditador e amigo íntimo da família é também revelador da veia conservadora
que sempre condicionou a militância de Marcelo. Um tradicionalismo ultramontano
enrustido de quem liderou a campanha pelo NÃO à despenalização das mulheres que
abortem nos dois referendos e é presidente da principal fundação monárquica do
país, a Casa de Bragança (que até 2012 recebeu fundos públicos). A isto Marcelo
soma uma defesa pública e praticante do voto matrimonial católico, indissolúvel
e irreversível; um envolvimento ativo nas instituições Salesianas; e uma
participação constante em sessões públicas de diversas IPSS pelo país a fora.
Até
24 de janeiro, Marcelo continuará a fingir que não é nada com ele. A dar a
entender que terá uma convivência pacífica com o governo de António Costa,
apesar de todos os jogos políticos de que foi protagonista no passado. Marcelo
não falará do seu apoio à vinda da troika ou da sua visita a Passos Coelho na
própria noite eleitoral de 2011. O candidato da direita, dos velhos interesses
e do campo conservador continuará a negar a sua missão e a natureza da sua
candidatura. Mas os eleitores que em outubro derrotaram o governo da direita devem
saber com o que contam.
*Sociólogo,
activista precário - Esquerda.net, em opinião
A foto de We Have Kaos in the Garden representa os dois Marcelos. Marcelo Caetano, o ditador substituto de Salazar, e Marcelo Rebelo de Sousa, afilhado do ditador Caetano.
A foto de We Have Kaos in the Garden representa os dois Marcelos. Marcelo Caetano, o ditador substituto de Salazar, e Marcelo Rebelo de Sousa, afilhado do ditador Caetano.
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