Washington
Novaes* - Envolverde
Que
se deve pensar, afinal, sobre o acordo assinado em Paris por 195 países – entre
eles, o Brasil – na Conferência Mundial do Clima? A controvérsia continua,
entre cientistas e políticos que o consideram um “documento histórico e
inédito” e outros cientistas e ambientalistas que o julgam até como
“retrocesso”. Kevin Anderson, do Centro Tyndall para Pesquisas sobre o Clima,
na Grã-Bretanha, apontou o documento, ainda durante a negociação, como um
acordo “entre o perigoso e o mortal”. O Observatório do Clima (12/12), por sua
vez, considerou-o “um fato histórico, já que pela primeira vez todos os países
negociadores concordaram em agir nessa área, de modo a reduzir a temperatura do
planeta até para menos de 1,5 grau Celsius”. E quais serão os caminhos e as
consequências para o Brasil?
Segundo
o jornal The New York Times (13/12), o acordo “é um passo decisivo”; mas sozinho
não salvará um planeta que enfrenta derretimento de gelos polares, a morte de
dezenas de milhões de pessoas por causa de tsunamis e enchentes (segundo a
Climate Change, 280 milhões de pessoas vivem em áreas que podem ser cobertas
pelos oceanos) e onde a agricultura mundial está sob graves ameaças. As
emissões de poluentes que se concentram na atmosfera e favorecem as mudanças
climáticas precisarão cair para zero em 2050, depois de baixarem
significativamente até 2030 – só que em várias partes do mundo se continua a
construir usinas a carvão, altamente poluentes, ao mesmo tempo que a ciência
mostra que é preciso renunciar a todos os combustíveis fósseis. Em 20 anos
seria indispensável abolir todos os carros a gasolina, fábricas e usinas
movidas a carvão e gás, aviões e navios que também usam combustíveis fósseis.
Na
verdade, a conferência decidiu não incluir entre os objetivos do acordo o
cumprimento de metas fixas de redução de poluentes. E embora o Green Peace diga
que a decisão significa “o fim da era das energias fósseis”, essa mesma
instituição denunciou que empresas que exploram esses combustíveis pagaram a
cientistas para escreverem pesquisas questionando a ocorrência de mudanças
climáticas. Tudo muito difícil, partindo de um texto-base com centenas de
expressões para serem examinadas uma a uma.
O
Brasil, via Ministério do Meio Ambiente, apoiou com entusiasmo o acordo: “O
mundo aprovou um acordo histórico em defesa do clima”. Aprovou também a decisão
de destinar US$ 100 bilhões anuais para ajudar os países mais pobres a mitigar
efeitos de eventos desastrosos com o clima e, a cada cinco anos, avaliar o
resultado das políticas discutidas em Paris. Este jornal, em editorial na
terça-feira, também considerou o acordo “um imenso sucesso”, pelo caráter vinculante,
pelo compromisso de limitar o aumento médio da temperatura da Terra a 1,5 grau
Celsius e pela destinação de US$ 100 bilhões anuais a projetos de mitigação e
adaptação às mudanças do clima.
Uma
das análises das discussões – da Associação Brasileira de Empresas de Serviços
de Conservação de Energia (Abesco) – defende estar a solução para o problema
das emissões no País na eficiência energética. “Hoje, o maior emissor no Brasil
é o setor energético: o Brasil deixaria de emitir 10 milhões de toneladas de dióxido
de carbono se combatesse o desperdício de energia, que hoje atinge
aproximadamente 60TWh/ano”. Apenas isso, entretanto, não levará a que o País
reduza suas emissões em 43% até 2030 – ainda que esse caminho tenha sido “o
grande responsável pela diminuição da intensidade de carbono em 2012, com
mudanças na matriz energética”; e só 8% se deveram “a um mix energético mais
limpo”.
Continuam
fortes as discussões sobre o desmatamento na Amazônia e sua influência nas
mudanças do clima – principalmente depois que se noticiou (Estado, 27/11) haver
ele aumentado 16% entre agosto do ano passado e julho deste ano. Embora seja o
terceiro menor desmate anual, foram 5.831 quilômetros quadrados (40% só em Mato
Grosso, com 1.508 km2, seguido de Roraima e Amazonas), por causa do retorno de
grandes cortes rasos. E a notícia vem depois de o governo brasileiro haver-se
comprometido em Paris a zerar o desmatamento ilegal nos biomas até 2030 (a
redução havia sido de 80% no País em dez anos).
O
Brasil desmata em quatro anos o equivalente ao que se verifica num pequeno
país, como Israel – segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE). A Amazônia é maior área florestal no mundo – 4,8 milhões km2.
Mas “há uma brecha entre a legislação adotada e a implementação de fato”. Os
incentivos a projetos econômicos na área, a expansão agrícola e da
infraestrutura aumentando o consumo de energia, o uso de recursos naturais têm
contribuído muito para o panorama.
As
florestas tropicais no mundo podem ajudar muito na área do clima, evitando
emissões equivalentes a bilhões de toneladas de carbono por ano (Woods Research
Center, EUA). No Brasil, essas emissões por desmatamento se aproximam de um
terço do total. Mas o governo prepara medida provisória que autoriza empreendimentos
de infraestrutura em terras indígenas (amazonia, 4/12), com compensação
financeira de 2% sobre o valor das áreas.
Esse
é um dos setores em que a conservação florestal pode ser mais importante – o
das reservas indígenas, às quais se costuma dar pouca atenção. E pode
agravar-se com a proposta, apoiada pelo governo brasileiro, de
autolicenciamento ambiental pelas próprias empresas interessadas, como
infraestruturas de energia, logística e comunicações, que terão o licenciamento
facilitado pelo não cumprimento de todas as exigências hoje vigentes. O projeto
já foi aprovado na Comissão de Desenvolvimento Nacional e não passará por
audiências públicas.
Como
disse em Paris o índio Tukupe Waurá, do Xingu, “os governantes do Brasil estão
doentes e precisam fazer tratamento com pajelança” (ISA, 12/12). (O Estado
de S. Paulo/ #Envolverde)
* Washington
Novaes é jornalista (e-mail: wlrnovaes@uol.br).
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Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.
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