Novo
governo poderia anular rapidamente medidas de “austeridade”. Falcões europeus
cogitam, em represália, sabotar bancos gregos. Em choque democracia e poder dos
mercados
Paul
Manson – Outras Palavras - Tradução: Cauê Seignemartin Ameni
O
partido de extrema esquerda Syriza conquistou 149 das 300 cadeiras no
parlamento grego, e formará uma coalizão para assumir o governo. O acordo
foi feito com os 13 parlamentares dos Gregos Independentes, aprovando um
governo liderado por Alexis Tsipras. Uma coalizão da extrema esquerda com
um grupo de conservadores nacionalistas dissidentes pode parecer estranha – mas
esta é a Grécia: uma democracia caótica na fronteira entre Europa e Ásia,
mergulhada na miséria ditada pela austeridade promovida pelo FMI e União
Europeia.
Havia
alívio e preocupações, ontem, entre os apoiadores de Tsipras. Muitas das
pessoas que comemoram dançando e aplaudindo ontem, na tenda do partido, eram
apoiadores internacionais – do movimento espanhol Podemos, do Bloco de Esquerda
em Portugal e de todos os grupos que promoveram protetos do tipo “Occupy”, nos
últimos cinco anos.
Entre
os veteranos do partido grego, havia um reconhecimento estarrecido de que
tudo o que tinham sonhado ao longo de uma vida de protestos, greves, petições
ou grupos de estudo dedicados aos escritos de Antonio Gramsci estava se
tornando realidade.
Significa
em primeiro lugar, que a estratégia do FMI/UE para lidar com as consequências
da crise de 2008 está em
fragalhos. Ela destruiu o centro político na Grécia: primeiro
forçando os líderes partidários a se submeter às políticas de “austeridade”, em
seguida, concordando que esse políticos retomassem seus tradicionais jogos de
politicagem, clientelismo e acordos duplos.
Assim
formou-se a convicção, nas mentes não apenas dos jovens, mas também da classe
média moderada, de que o país tinha sido abandonado: a queda de 25% nos
salários reais e os 50% de desemprego entre os jovens foram apenas o começo.
Agora,
há um déficit democrático no coração da zona do euro. Um país votou contra a
estratégia da maioria e só pode ser forçado a se curvar se o Banco Central
Europeu (BCE) disparar propositalmente o gatilho e provocar o colapso dos
bancos gregos. Sem consenso, a estratégia econômica da zona do euro só pode
provocar a destruição.
O
plano da equipe de economistas do Syriza é extremamente claro: deixarão de
negociar com a Troika (a tríade composta por Comissão Europeia, Banco Central
Europeu e FMI, que executa o programa de austeridade). Irão tratar, como
um país soberano, com cada instituição separadamente. Argumentam que a própria
Troika é ilegal.
Portanto,
há uma possibilidade real de que Tsipras anule o programa de austeridade esta
semana e de que os falcões do BCE – que atuam a partir da Alemanha – ameacem
retirar o Crédito de Emergência Assistencial que mantêm os bancos gregos à
tona. Nesse exato instante, os economistas do
partido estão tentando mobilizar apoio político para evitar isso –
junto ao presidente francês François Hollande, o primeiro-ministro italiano
Matteo Renzi e, segundo me disseram, o ministro das Finanças britânico George
Osbome. Vamos ver.
Enquanto
isso, não se engane: estão em jogo a democracia e a soberania popular na
zona do euro.
Sim,
o pessoal do Syriza gosta de cantar o hino da esquerda italiana, Bandiera
Rossa; mas se você pudesse ver o rosto dos jovens quando cantam o hino da ELAS,
o movimento de resistência que derrotou as tropas nazistas em 1944, você
entenderia o que impulsiona o esquerdismo aqui.
Tsipras
costurou uma aliança de 12 grupos de extrema esquerda, convertendo-a num
partido credível: aprendeu a governar em dois anos como oposição parlamentar;
incorporou jovens conselheiros tecnocráticos do Pasok, o partido
social-democrata em ruínas, e moderou suas políticas.
O
confronto com o BCE/FMI não vai se dar em torno desta ou daquela política
de esquerda, mas sobre a soberania.
Isso
que fez com que o Syriza saltasse de 2 pontos percentuais de vantagem, em 7 de
janeiro, para 8% noite passada. O Banco Central Europeu, o FMI e a elite grega
entregaram a Tsipras a oportunidade de formar o primeiro governo
verdadeiramente de esquerda na Europa desde a Espanha, em 1936. Ele aproveitou
a chance. Quando me aproximei dele noite passada, Tsipras parecia a
pessoa mais calma da Grécia.
Adendo
Espectadores
perspicazes que assistem a mídia grega terão visto que, quando eu tentei fazer
uma pergunta à “número dois” do Syriza, Rena Douro, ela me agarrou pelas
orelhas e me beijou. Eu gritei “Quanto tempo, desde a Praça Syntagma!” porque
quando a entrevistei pela primeira vez ela era uma manifestante enlameada,
tentando respirar em meio de bombas de gás lacrimogêneo.
Como
ela é a prefeita de Attica, a região onde está sitada Atenas, este é, para um
jornalista inglês, o equivalente grego a ser beijado por Boris Johnson,
prefeito de Londres.
Insisti
com a pergunta: “E agora? Como você governará?” Douro respondeu simplesmente
“Obrigado por estar aqui”.
Foi
um pouco estranho para os outros 50 membros da imprensa com microfone em punho
que não foram beijados bem na frente de cerca de 100 câmeras — por isso pensei
que seria melhor contar sobre ele…
Na
foto: Alexis Tsipras, 40 anos, líder do Syriza e novo primeiro-ministro grego.
Programa mais moderado, para atrair maiorias — porém sem concessões aos
tecnocratas do Banco Central Europeu