terça-feira, 22 de abril de 2025

CONVOCAR O SINDICALISMO

Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias, opinião

De tempos a tempos, o individualismo instala-se de forma exacerbada, a negar o ser humano como ser social e a tentar afastar-nos de uma evidência crucial – os grandes problemas da humanidade são coletivos e as soluções para eles têm de ser encontradas em comum. Em cada ciclo há roupagens novas e protagonistas deslumbrados com a pretensa novidade que protagonizam. Todavia, a noção central em que se sustentam é sempre a mesma: cada um deve tratar de si e resolver o que o aflige, se necessário, passando sobre todos os outros.

Perante as dificuldades que as pessoas manifestam por disporem de orçamentos pessoais e familiares cada vez mais curtos, a Direita proclama que tudo se resolve “fazendo entrar mais dinheiro no bolso de cada cidadão” que, por si, decidirá o que fazer com ele.  Pura ilusão. As pessoas podem ficar com mais dinheiro no início do mês e com saldos negativos maiores no seu final. Assim acontece quando o Serviço Nacional de Saúde se degrada e as pessoas têm de recorrer ao privado e pagar. Os custos da habitação são exorbitantes, porque os governos não têm assumido este problema como um dos mais graves da sociedade no seu todo. Quanto tinham de crescer os salários, em cada mês, para compensar esse saque que se arrasta sem fim à vista?

As pessoas vivem cada vez mais distantes do local de trabalho e sem transportes públicos: quanto se agravam os seus orçamentos por esse efeito? Quando os governos eliminam descontos para a segurança social numa parte dos salários, cria-se no imediato mais rendimento disponível (numas migalhas), mas diminui o valor das reformas no futuro. Como diz o povo: vai-te ganho que me dás perda.

Só haverá mais “dinheiro no bolso” quando os trabalhadores e os reformados tiverem acesso a uma parte maior da riqueza produzida. Produzir mais pode ser possível e útil, mas só quando a distribuição do que se produzir for mais justa. A melhoria do bem-estar do comum dos cidadãos e o desenvolvimento humano não se fazem com truques de “oferecer com uma mão para tirar com as duas”.

O sindicalismo nasceu para impedir aqueles malabarismos e porque cada cidadão só tem os seus diretos garantidos quando há compromissos coletivos sólidos. Isso exige luta (como no passado, entre classes) e negociação coletiva. Elon Musk e outros como ele (nas dimensões global e nacional) não são os primeiros oligarcas da história. Existiram em gerações sucessivas desde o início do capitalismo. Só foram travados pela ação coletiva e, depois, pela lei quando quem representava a parte frágil ganhou força. Ao evocarmos o 25 de Abril e estando próximas as eleições (18 de maio) relembremos esses combates que nos asseguraram progresso.

Esta fase da história que estamos a atravessar não tem de ser definitivamente trágica. Refletiremos sobre isso na próxima crónica. Por hoje, lembremos que, quando o povo adormece, demagogos e fascistas tentam manipulá-lo.

* Investigador e professor universitário

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