quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Portugal. AMNÉSIA



Pedro Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião

A "austeridade" é apenas uma qualidade moral: descreve certo tipo de comportamento, um modo de vida, uma vocação ou opção religiosa. Em si mesma, a "austeridade" não é progressista nem reacionária, da Direita ou da Esquerda. Reacionárias, são as "políticas de austeridade" que foram impostas pelo Governo dos partidos da extinta PàF, em sintonia perfeita com o ideário e as doutrinas promovidas pelo Partido Popular Europeu que, infelizmente, ainda condicionam as instituições da União. São reacionárias porque penalizam os mais fracos, degradam as condições de trabalho, desprezam a dignidade dos trabalhadores, promovem o desemprego e alargam o fosso que separa ricos e pobres. O PSD e o CDS não se limitaram a aplicar escrupulosamente estas políticas enquanto estiveram no Governo. Adotaram a "austeridade" com arrebatado entusiasmo, proclamando até que queriam ir mais longe do que nos exigia a "troika" dos credores! Só por descarada hipocrisia, agora que passaram à Oposição, se entende que tentem apagar a memória de tudo o que fizeram e defenderam no passado para reprovar ao novo Governo que faça tudo o que afirmavam não ser possível conseguir.

É certo que as eleições são um momento essencial na vida das democracias. De entre os programas apresentados pelos partidos, cabe aos eleitores indicar, com o seu voto, quais as políticas que merecem a sua preferência e quem entendem ser mais capaz de as aplicar. E porque os atos eleitorais se realizam regularmente, as eleições oferecem também aos cidadãos a oportunidade de se pronunciarem sobre as políticas que foram executadas por quem ganhou as eleições anteriores, para as aprovar ou, caso a sua avaliação seja negativa, para escolher alternativas. O PSD e o CDS tiveram, portanto, a oportunidade de rever, à luz dos resultados eleitorais que obtiveram nas eleições de outubro, as opções programáticas do seu Governo. Mas em vez disso, ensaiaram um truque de malabarismo, convencidos de que com mais uma pirueta podiam esconder os seus erros, escapar às suas responsabilidades e, uma vez mais, iludir os cidadãos.

As democracias parlamentares são, até hoje, o resultado mais bem conseguido de toda a construção política da modernidade. A sua motivação original está bem documentada pelos debates e pelas leis aprovadas pelo Parlamento britânico, logo no princípio do século XVIII. Fartos de pagar as conquistas e aventuras militares que faziam a glória e a fortuna dos príncipes e da nobreza, os ingleses quiseram garantir o princípio de que ninguém seria obrigado a pagar os tributos lançados pelo monarca, sem prévia aprovação pelos representantes do povo: os "comuns". A isto se resume a máxima: "no taxation without representation!".

A aprovação anual do "Orçamento Geral do Estado" pela Assembleia da República evoca esse momento fundador da democracia representativa. Porém, quem se deu ao trabalho de ler e ouvir as notícias sobre a submissão de um "esboço" do Orçamento do Estado à Comissão Europeia, poderá ficar algo confuso. Aparentemente, a aprovação do orçamento - que não é mais do que a previsão contabilística dos encargos financeiros requeridos para a execução das políticas que o Governo se propõe realizar ao longo do ano seguinte - teria deixado de ser uma competência do Parlamento ou sequer do Governo da República, para se transformar numa decisão de natureza técnica, matéria para especialistas, uma prerrogativa exclusiva das instituições europeias, dos burocratas da Comissão ou das potências do Conselho Europeu...

Não podemos admitir que uma Oposição irresponsável, largamente acolitada por fiéis comentadores e analistas diplomados, tente reduzir a Europa e a democracia a esta deplorável caricatura. É no Parlamento que vai ser discutido e aprovado o Orçamento Geral do Estado para o ano de 2016. Porque é esse o lugar da representação democrática.

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