Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
A
"austeridade" é apenas uma qualidade moral: descreve certo tipo de
comportamento, um modo de vida, uma vocação ou opção religiosa. Em si mesma, a
"austeridade" não é progressista nem reacionária, da Direita ou da
Esquerda. Reacionárias, são as "políticas de austeridade" que foram
impostas pelo Governo dos partidos da extinta PàF, em sintonia perfeita com o
ideário e as doutrinas promovidas pelo Partido Popular Europeu que,
infelizmente, ainda condicionam as instituições da União. São reacionárias porque
penalizam os mais fracos, degradam as condições de trabalho, desprezam a
dignidade dos trabalhadores, promovem o desemprego e alargam o fosso que separa
ricos e pobres. O PSD e o CDS não se limitaram a aplicar escrupulosamente estas
políticas enquanto estiveram no Governo. Adotaram a "austeridade" com
arrebatado entusiasmo, proclamando até que queriam ir mais longe do que nos
exigia a "troika" dos credores! Só por descarada hipocrisia, agora
que passaram à Oposição, se entende que tentem apagar a memória de tudo o que
fizeram e defenderam no passado para reprovar ao novo Governo que faça tudo o
que afirmavam não ser possível conseguir.
É
certo que as eleições são um momento essencial na vida das democracias. De
entre os programas apresentados pelos partidos, cabe aos eleitores indicar, com
o seu voto, quais as políticas que merecem a sua preferência e quem entendem
ser mais capaz de as aplicar. E porque os atos eleitorais se realizam
regularmente, as eleições oferecem também aos cidadãos a oportunidade de se pronunciarem
sobre as políticas que foram executadas por quem ganhou as eleições anteriores,
para as aprovar ou, caso a sua avaliação seja negativa, para escolher
alternativas. O PSD e o CDS tiveram, portanto, a oportunidade de rever, à luz
dos resultados eleitorais que obtiveram nas eleições de outubro, as opções
programáticas do seu Governo. Mas em vez disso, ensaiaram um truque de
malabarismo, convencidos de que com mais uma pirueta podiam esconder os seus
erros, escapar às suas responsabilidades e, uma vez mais, iludir os cidadãos.
As
democracias parlamentares são, até hoje, o resultado mais bem conseguido de
toda a construção política da modernidade. A sua motivação original está bem
documentada pelos debates e pelas leis aprovadas pelo Parlamento britânico,
logo no princípio do século XVIII. Fartos de pagar as conquistas e aventuras
militares que faziam a glória e a fortuna dos príncipes e da nobreza, os
ingleses quiseram garantir o princípio de que ninguém seria obrigado a pagar os
tributos lançados pelo monarca, sem prévia aprovação pelos representantes do
povo: os "comuns". A isto se resume a máxima: "no taxation
without representation!".
A
aprovação anual do "Orçamento Geral do Estado" pela Assembleia da
República evoca esse momento fundador da democracia representativa. Porém, quem
se deu ao trabalho de ler e ouvir as notícias sobre a submissão de um
"esboço" do Orçamento do Estado à Comissão Europeia, poderá ficar
algo confuso. Aparentemente, a aprovação do orçamento - que não é mais do que a
previsão contabilística dos encargos financeiros requeridos para a execução das
políticas que o Governo se propõe realizar ao longo do ano seguinte - teria
deixado de ser uma competência do Parlamento ou sequer do Governo da República,
para se transformar numa decisão de natureza técnica, matéria para
especialistas, uma prerrogativa exclusiva das instituições europeias, dos
burocratas da Comissão ou das potências do Conselho Europeu...
Não
podemos admitir que uma Oposição irresponsável, largamente acolitada por fiéis
comentadores e analistas diplomados, tente reduzir a Europa e a democracia a
esta deplorável caricatura. É no Parlamento que vai ser discutido e aprovado o
Orçamento Geral do Estado para o ano de 2016. Porque é esse o lugar da
representação democrática.
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