Rui Peralta, Luanda
O
“cessar de hostilidades”, nascido do plano proposto pela Rússia e USA e
acordado pelo governo e oposição sírias, marca a primeira vez que a comunidade
internacional consegue uma pausa no conflito sírio e cria condições,
eventualmente, para que a ONU possa liderar a nova ronda de conversações que
levem ao término do conflito. As tréguas temporárias não são aplicáveis ao
Estado Islâmico (ISIL) e não abrangem a al-Nusra, afiliada na al-Qaeda (AQ). O
governo sírio, seus aliados (milícias curdas e Hezbollah) e a Rússia já o
afirmaram e avisaram que as acções contra esses grupos iriam prosseguir, o que
deixa os grupos moderados da oposição síria apreensivos, pois temem que estas
acções sejam utilizadas, também, contra eles.
A guerra na síria originou a morte de mais de 250 mil pessoas e cerca de 11
milhões de refugiados e o actual cessar-fogo pode, efectivamente, constituir o
início de conversações que permitam conduzir, paulatinamente, á resolução do
conflito, levando governo e oposição a um acordo de Paz. Claro que para a Frente
al-Nusra estes números pouco interessam (e ainda menos para o ISIL) por isso
ninguém ficou admirado quando os representantes da AQ na Síria apelaram a uma
escalada dos combates através da intensificação dos ataques às forças
governamentais.
A ajuda humanitária internacional tem, apesar da incerteza das tréguas e dos
ataques da al-Nusra e do ISIL, condições para estar no terreno e estender a sua
acção no território sírio. Este é um aspecto urgente e premente e há que criar
condições para que a ajuda humanitária tenha maior autonomia e esteja menos
dependente das negociações politicas, algo que não é muito difícil e que pode
ser efectuado com o acordo da maior parte dos agentes em conflito. O actual
momento de tréguas pode permitir avanços para acordos mais alargados que
conduzam a cessar-fogo efectivo, criando condições que permitirão o acordo de
Paz.
O governo sírio, graças ao apoio de Moscovo, recuperou território,
principalmente nas províncias de Alepo e de Latakia, antes do actual plano de
tréguas vigorar. A 26 de Janeiro as forças governamentais, com o suporte da
força aérea russa, conquistaram o controlo da cidade de Sheik Miskin. A 5 de
Fevereiro capturam a cidade de Atman, fundamental para o controlo da estrada
internacional que liga Damasco a Daraa – uma estrada que liga a Síria á
Jordânia - e reforçou as posições governamentais em Dael e Abtaa.
A
16 do mesmo mês, a oposição juntou 12 facções e inicia uma contra-ofensiva,
conseguindo manter o controlo sobre Tall Qarin, na região do chamado Triangulo
da Morte, na fronteira com a Jordânia e esperava conseguir dispersar as forças
governamentais, impedindo-as de controlar cidades próximas a Daraa. A 21 de
Fevereiro as facções oposicionistas consideram terminada a primeira fase da
contra-ofensiva. As 12 facções não conseguiram readquirir controlo em Tell
Garehb e Tell Kroum, na fronteira jordana e a segunda fase da contra-ofensiva
nunca chegou a iniciar-se.
Os
avanços das forças governamentais sírias levaram às actuais tréguas que são
colocadas em risco se os Estados estrangeiros continuarem a enviar armas para
os grupos oposicionistas Mas nem sauditas nem turcos ouvem os avisos do governo
sírio e da Rússia. A Arábia Saudita, que suporta forças oposicionistas sunitas,
já demonstrou disponibilidade de enviar forças para combater o ISIL, enquanto a
Turquia, outra componente anti-Assad, tem o mesmo objectivo no terreno. A
aliança suportada pelos turcos e sauditas afirma respeitar as tréguas, mas
alguns dos seus grupos receiam estar incluídos nas listas de alvos russos e do
governo sírio.
Quanto às milícias curdas, concordam com o plano de tréguas mas reservam-se o
direito de responder se forem atacadas. A luta entre as milícias curdas (YPG) e
o ISIL continua em Raqqa, onde os curdos têm obtido significativos avanços.
Mas a problemática síria encontra-se, ainda, longe da resolução. As
conturbações internas que se fizeram sentir, pacificamente, em 2011, através de
uma vaga de protestos generalizados que não foram tidos em conta, devidamente,
pelo governo sírio e pelo partido Baas, degeneraram em conflitos mais violentos
e a agudização do conflito levou a uma situação de guerra civil, aproveitada
pelos USA e seus aliados, NATO e Estados do Gofo. Esse aproveitamento, no
entanto, tem uma raiz anterior ao descontentamento da população síria e remonta
ao ano de 2009, quando o governo de Bashar al-Assad nega a passagem pelo
território sírio, de um gasoduto que ligaria o Qatar á Europa e que
atravessaria a Arábia Saudita, Jordânia, Síria e Turquia. A campanha contra o
presidente sírio inicia-se de imediato nesse ano, lançada pelos serviços
secretos norte-americanos e nada tem a ver com os protestos de 2011, a não ser
no aproveitamento que os USA e seus aliados fizeram após a agudização do
conflito.
Após rejeitar a sua participação no projecto, o governo sírio iniciou as
negociações com o Irão para construir um gasoduto alternativo que transportaria
o gaz do Irão até ao Líbano, transformando o Irão num dos maiores fornecedores
de gaz e favorecendo a posição síria. Para impedir que isso acontecesse a CIA
transferiu 6 milhões de USD para a cadeia informativa BARADA, financiando uma
campanha de contra-informação iniciada por esta cadeia em toda a região. A
cadeia elaborou uma série de reportagens onde se apelava á luta contra o
governo sírio, ainda no ano de 2009. Esta campanha não obteve resultados e
quando os protestos se iniciaram, em 2011, as revindicações dos manifestantes
(trabalhadores, estudantes, professores e sectores da classe média,
desconfortáveis com as medidas económicas do governo e com a corrupção que
reinava no país) não iam no sentido da campanha de contra-informação dos USA,
que apelavam á luta violenta e ao “derrube do regime, por todos os meios”.
O agudizar do conflito interno levou os USA e aliados a movimentarem a sua
máquina financeira e logística para equipar os grupos que constituiriam a
oposição armada ao governo sírio. Segundo o Washington Post o programa de
financiamento dos USA custa cerca de mil milhões de USD por ano ao erário
público norte-americano (15 avos do orçamento da CIA). Foram treinados e
armados cerca de 10 mil combatentes durante os últimos 5 anos e grande parte do
financiamento dos USA é utilizado na formação, constituição de redes
logísticas, de redes de informação e recolha de dados e nos campos de treino
localizados na Jordânia, sendo o restante financiado pela Arábia Saudita e
Estados do Golfo.
Este programa será reduzido este ano, por decisão do Congresso norte-americano,
em 20%. Estas reduções fazem parte de um projecto preliminar mais vasto, que
abrangerá todas as operações da CIA e da NSA (National Security Agency) que
será submetido á Camara de Representantes, provavelmente ainda no presente mês de
Março.
Em Fevereiro de 2015 foi, também, assinado um acordo entre os USA e a Turquia
para treinar e equipar forças da oposição síria (da chamada “operação moderada”)
em solo turco e no mês de Abril de 2015, chegaram á Turquia 40 efectivos dos marines
norte-americanos para levar a efeito o treinamento destes grupos. Nenhum destes
programas cessou e não foram sequer abordados nas negociações que conduziram às
actuais tréguas, o que leva a considerar, atendendo ao facto de que os grupos
oposicionistas apenas chegaram a acordo devido às derrotas sofridas no terreno,
que as actuais tréguas não sejam mais do que um balão do oxigénio para estes
grupos.
Que a Síria necessita de Paz, isso é por demais evidente. Que essa Paz apenas
pode ser conquistada após a derrota do fascismo islâmico do Daesh, é algo que
todos estão de acordo. Agora, que a Paz seja uma pretensão do Ocidente e dos
seus aliados do Golfo e da Turquia…
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Saunders,
Paul J. Russia's Syria dilemma http://www.al-monitor.com
al-Haj, Mustafa Will the Syrian truce survive? http://www.al-monitor.com
al-Haj, Mustafa Is Syrian regime's seizure of Sheikh Miskin a
tipping point? http://www.al-monitor.com
Rozen,
Laura US, Russia reach partial Syria truce deal http://www.al-monitor.com
Mille,
Greg and DeYoung, Karen Secret CIA effort in Syria faces large
funding cut Washington Post 2015/16/02
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