Mariana
Mortágua – Jornal de Notícias, opinião
Devia
caber aos bancos centrais a preocupação com todos os aspetos da economia -
incluindo o emprego e a distribuição de riqueza. Apesar disto, o Banco Central
Europeu só tem um mandato: manter a inflação em 2%. Durante a maior parte da
sua vida, o seu papel foi assim impedir, através da subida das taxas de juro,
que os preços aumentassem mais de 2%.
O
que é que acontece quando a preocupação se inverte e, em vez de tentar
controlar a inflação, o BCE é chamado a promover a subida de preços e estimular
o crescimento económico? É aí que estamos.
Desde
a crise financeira que as economias europeias e, em certa medida, também a
americana, mostram sinais de estagnação e sérios riscos de deflação. Em
deflação, ou seja, com a queda generalizada dos preços e salários, as dívidas
tornam-se proporcionalmente maiores e as dificuldades económicas agravam-se.
Não admira que o BCE tente evitá-la a todo o custo.
A
questão é: será que a descida das taxas de juro para valores negativos,
acrescida da continuada injeção de milhares de milhões de euros no sistema
financeiro vai resolver o problema? Estou quase certa que não.
Ao
injetar dinheiro barato a rodos no sistema, Draghi assume que a falta de
crescimento económico se deve a um problema de liquidez. Não é verdade.
O
problema é que as economias estão deprimidas pela austeridade,
sobre-endividadas e sem capacidade de investimento (sobretudo público).
Por
outro lado, também os bancos estão cheios de ativos entretanto desvalorizados -
não querem dar crédito barato, mas sim reduzir o tamanho dos seus balanços e
fazer investimentos rentáveis.
O
risco, e quem o diz são nomes como Olivier Blanchard (ex-economista chefe no
FMI) e Larry Summers (ex-ministro do Tesouro dos EUA), é o de estar
simplesmente a alimentar novas bolhas especulativas.
Draghi
está preso àquilo a que Keynes chamava a "armadilha da liquidez", sem
admitir que a solução, mais que monetária, está na capacidade de estímulo
orçamental e na reorientação estratégica do papel da Banca. É o que acontece
quando o dogma ideológico se sobrepõe à racionalidade.
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