Rui Peralta, Luanda
Em
Fevereiro deste ano o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, nomeou
Nadav Argaman para chefe do Shin Bet, o serviço secreto israelita. Argaman foi
adjunto do anterior chefe, Yoram Cohen. Passou 30 anos na Divisão para os
Assuntos Árabes, chefiou a Divisão de Contra-Espionagem entre 2003 e 2007 após
o que passou a responsável pela coordenação com os serviços norte-americanos,
durante 3 anos, nos USA, No regresso a Israel foi nomeado numero dois da
estrutura de inteligência israelita, função que desempenhou até á sua nomeação
recente.
Quais são os principais desafios que Argaman irá encontrar durante o seu
comando? O primeiro é a Faixa de Gaza. O Hamas aproveitou o ano de 2015 para se
reestruturar internamente ao mesmo tempo que continuava a construção da rede de
tuneis que permite ao seu comando militar realizar ataques de surpresa no
Egipto e Israel. É prioritário para Argaman assegurar que Israel esteja
preparado para um agudizar da situação em Gaza. Aliás alguns sectores seniores
da inteligência militar israelita considera que este é um teste crucial para
Argaman, considerado um “mestre” em operações de infiltração e que encontra no
Hamas uma organização difícil de ser infiltrada, em função da sua estrutura
descentralizada e de grande mobilidade.
O segundo desafio é a Cisjordânia. Este território representa para a
inteligência israelita três problemas principais: a) relações de cooperação com
a Autoridade Palestiniana (AP), principalmente ao nível da segurança; b) a
presença de células do Hamas na Cisjordânia, cuja actividade está por detrás de
alguma instabilidade que se faz sentir no interior da AP e do descontentamento
crescente dos palestinianos da Cisjordânia com a AP; c) a violência nos
territórios ocupados, que nas últimas semanas já provocou cerca de três dezenas
de mortos no lado israelita e cerca de duas centenas de mortos do lado
palestiniano.
O terceiro grande desafio é o Sinai. A Península do Sinai, território egípcio,
é espaço de actuação da Província do Sinai (SP/ISIL), uma organização afiliada
no Daesh. O SP/ISIL conduz ataques contra as forças egípcias e reclamou a
responsabilidade da queda de um avião russo, causando a morte a mais de 200
pessoas. O SP/ISIL é uma ameaça para Israel e o Shin Bet terá de efectuar
operações de inteligência, infiltração e informação, essenciais para eventuais
acções militares israelitas contra o SP/ISIL na área fronteiriça, ou em
eventuais acções, com ou sem participação egípcia, no território egípcio.
Além desta agenda prioritária (Gaza, Cisjordânia e Sinai) existem mais alguns
problemas que constarão nas preocupações de Argaman. Uma é o Daesh e a sua
proliferação na Palestina e no Norte de Israel, nas comunidades árabes
israelitas (judeus de origem árabe, que professam o Islão), compostas por,
aproximadamente, um milhão de pessoas. Embora a presença do Daesh nestas
comunidades seja muito reduzida (contam-se, por agora, apenas algumas dezenas
de casos) o alarme disparou, quando o presidente israelita, Reuven Rivlin
avisou, num discurso, que o Daesh já estava presente em Israel.
A outra ameaça é a extrema-direita judaica, que continua com uma actividade
crescente na Cisjordânia e em Jerusalém. Os grupos de extrema-direita têm
efectuado ataques às populações palestinianas e aos imigrantes africanos, que
já causaram dezenas de mortos e centenas de feridos e que fazem aumentar a
tensão na Cisjordânia e em Gaza. Como irá Argaman lidar com esta questão? Pela
infiltração e consequente anulação das acções da extrema-direita (uma hipótese
muito ao estilo de Argaman)? Através de acordos que garantam a presença dos
colonatos, bastiões dos sionistas extremistas (correndo o risco de aumentar o tom
das criticas da comunidade internacional e dificultando as relações de
cooperação com a AP)? Ou a repressão pura e simples (o que levará os
extremistas judaicos a um maior endurecimento da sua estrutura organizativa e á
utilização da sua – muito pequena, mas que pode causar problemas internos
organizativos - influência nos serviços de inteligência)?
Mas, paralelamente aos problemas de Argaman, ocorreu um drama fascinante e de
grande intriga, iniciado em Jerusalém e desenrolado em Moscovo, Damasco,
Beirute, Ancara, Teerão e Camberra. Os actores principais foram Israel, Rússia,
Turquia, Irão e Austrália e os secundários a Síria e o Líbano. A raiz deste
drama consiste no congelamento da reconciliação Israel/Turquia e no crescente
contacto a nível de segurança entre Israel e a Rússia, no que respeita á Síria,
ao Líbano e ao Hezbollah.
O começo desta intriga desenrola-se em trono de uma visita programada para 17
de Março, do presidente israelita á Austrália. Jerusalém e Camberra marcaram as
datas e acertaram os pormenores da visita e o governo australiano estava
interessado na visita do popular presidente israelita, até porque os laços
entre os dois países são estreitos e de grande cooperação. O próprio
primeiro-ministro australiano adiou uma viagem oficial, para poder receber o
presidente israelita.
Tudo
decorria normalmente quando, subitamente, o presidente Rivlin cancelou a
visita, sob o pretexto de que o presidente Putin tinha marcado encontro para a
mesma data, com o presidente israelita e que este encontro era demasiado
importante para Israel. Rivlin teve que decidir entre russos e australianos e
após um breve encontro com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (as relações
entre os dois são pouco cordiais e atribuladas) a visita a Camberra foi adiada
e priorizada a presença do presidente Rivlin no Kremlin. A visita a Moscovo e o
encontro com Putin é um imperativo.
O
governo israelita efectuou grandes esforços para conseguir este encontro com o
presidente russo. Os israelitas querem discutir com Putin assuntos como o Irão,
a Síria, o Hezbollah e o presidente sírio Assad al-Bashar, tendo como epicentro
das questões os misseis S-300, que os russos prometeram vender aos iranianos
mas que ainda não foram entregues a Teerão. Aparentemente os russos terão
suspendido o fornecimento devido ao facto do Irão violar um acordo com o
governo russo sobre fornecimento de armamento sofisticado russo ao Hezbollah.
Os serviços secretos israelitas forneceram aos serviços russos informação que
comprovava que Teerão teria transferido misseis SA-22, de fabrico russo, ao
Hezbollah. A própria força aérea russa comprovou, na Síria, que misseis SA-22
foram detectados em bases do Hezbollah, no Líbano.
Simultaneamente,
relatórios continuaram a ser enviados para Ancara, reforçando o interesse
israelita na reconciliação com a Turquia. Só que, perante o silêncio de Ancara,
o governo israelita mudou de direcção. A Rússia não vê com bons olhos a
reaproximação entre israelitas e turcos, o que levou o ministro da Defesa de
Israel, Moshe Yahalon (conhecido por Bogie) a suspender os relatórios para
Ancara, enquanto Netanyahu baniu do discurso politico a reconciliação com a
Turquia.
É
certo que para o governo israelita existe um dilema. Por um lado o reatar dos
laços com a Turquia representa uma mais-valia para Israel, atendendo às
relações históricas entre os dois Estados num passado ainda recente. A Turquia
representa, para Israel, uma valiosa aliança militar. Por outro lado Israel
necessita da Rússia para obter garantias, não apenas na questão iraniana e no
Hezbollah mas, também, no combate ao Daesh.
Israel
parece ter optado por esta última posição. Putin é mais importante para Israel,
no momento, do que Erdogan, cujo governo é visto por Israel como uma causa
perdida. A aliança militar entre Israel e a Turquia não é renovada desde que o
partido de Erdogan assumiu o Poder na Turquia e Israel não tem ilusões quanto a
Erdogan. É claro para Netanyahu que Erdogan apenas deseja uma eventual
reconciliação com Israel devido á sua situação de fraqueza provocada pelos
desastres consecutivos a que o seu governo conduziu a Turquia, no plano externo
e interno e devido ao gás natural israelita, factor que complica as coisas,
pois que Israel quer vender gás á Turquia, concorrente com a Rússia, com quem
disputa quotas no mercado internacional. Mas a Rússia tem demasiada influência
na região e nos mercados mundiais. Alterou a realidade regional, transformou,
na Síria, a situação de guerra, abriu perspectivas para a Paz no país,
alterando as regras do jogo e relançou o papel de Assad, como parte da solução.
Putin
ganhou o respeito de Israel, ao ponto de recentemente fontes militares
israelitas assegurarem que “no dia em que os aviões russos sobrevoarem
Telavive, não os abateremos”. Existem múltiplas razões para aumentar a
coordenação e estreitar os laços de cooperação entre a Rússia e Israel e o
governo israelita compreendeu a importância de reforçar esses laços. Israel
trabalha afincadamente para conseguir uma boa relação com a Rússia, seja qual
for o preço. Por sua vez os russos têm os seus próprios interesses e muitos
deles passam por um estreitar de relações com Israel. O Hezbollah não
constitui, para os russos, uma causa de fundo mas um aliado conjuntural, que
poderá ser neutralizado a qualquer momento. Quanto ao Irão, é certo que as
companhias russas estão interessadas no mercado que este país representa, mas
têm também no Irão um forte concorrente no mercado petrolífero e do gás,
concorrente que os russos estão a ter alguma dificuldade em chegar a um acordo
(que conseguiram com a Arábia Saudita, por exemplo).
Os
russos representam para Israel um valoroso aliado militar, político e
económico. Israel representa para a Rússia um cenário vantajoso a vários
níveis, principalmente no controlo sobre o Irão e sobre o Hezbollah (controlo
essencial em termos do mercado petrolífero e num futuro acordo politico para a
Síria). As vantagens são reciprocas e quando assim acontece os namoros são
previsíveis…Se depois os namorados reforçam os seus laços através do casamento,
isso é outra história….
Fontes
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Post Russia to freeze missile delivery to Iran 2016/02/13
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Post Yaalon throws cold water on talk of imminent Israel/Turkey
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Jarida Putin halted the transfer of the missiles 2016/03/05
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