terça-feira, 15 de março de 2016

QUANDO OS VIOLINOS TOCAM NOS TELHADOS



 Rui Peralta, Luanda

Em Fevereiro deste ano o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, nomeou Nadav Argaman para chefe do Shin Bet, o serviço secreto israelita. Argaman foi adjunto do anterior chefe, Yoram Cohen. Passou 30 anos na Divisão para os Assuntos Árabes, chefiou a Divisão de Contra-Espionagem entre 2003 e 2007 após o que passou a responsável pela coordenação com os serviços norte-americanos, durante 3 anos, nos USA, No regresso a Israel foi nomeado numero dois da estrutura de inteligência israelita, função que desempenhou até á sua nomeação recente.

Quais são os principais desafios que Argaman irá encontrar durante o seu comando? O primeiro é a Faixa de Gaza. O Hamas aproveitou o ano de 2015 para se reestruturar internamente ao mesmo tempo que continuava a construção da rede de tuneis que permite ao seu comando militar realizar ataques de surpresa no Egipto e Israel. É prioritário para Argaman assegurar que Israel esteja preparado para um agudizar da situação em Gaza. Aliás alguns sectores seniores da inteligência militar israelita considera que este é um teste crucial para Argaman, considerado um “mestre” em operações de infiltração e que encontra no Hamas uma organização difícil de ser infiltrada, em função da sua estrutura descentralizada e de grande mobilidade.

O segundo desafio é a Cisjordânia. Este território representa para a inteligência israelita três problemas principais: a) relações de cooperação com a Autoridade Palestiniana (AP), principalmente ao nível da segurança; b) a presença de células do Hamas na Cisjordânia, cuja actividade está por detrás de alguma instabilidade que se faz sentir no interior da AP e do descontentamento crescente dos palestinianos da Cisjordânia com a AP; c) a violência nos territórios ocupados, que nas últimas semanas já provocou cerca de três dezenas de mortos no lado israelita e cerca de duas centenas de mortos do lado palestiniano.

O terceiro grande desafio é o Sinai. A Península do Sinai, território egípcio, é espaço de actuação da Província do Sinai (SP/ISIL), uma organização afiliada no Daesh. O SP/ISIL conduz ataques contra as forças egípcias e reclamou a responsabilidade da queda de um avião russo, causando a morte a mais de 200 pessoas. O SP/ISIL é uma ameaça para Israel e o Shin Bet terá de efectuar operações de inteligência, infiltração e informação, essenciais para eventuais acções militares israelitas contra o SP/ISIL na área fronteiriça, ou em eventuais acções, com ou sem participação egípcia, no território egípcio.

Além desta agenda prioritária (Gaza, Cisjordânia e Sinai) existem mais alguns problemas que constarão nas preocupações de Argaman. Uma é o Daesh e a sua proliferação na Palestina e no Norte de Israel, nas comunidades árabes israelitas (judeus de origem árabe, que professam o Islão), compostas por, aproximadamente, um milhão de pessoas. Embora a presença do Daesh nestas comunidades seja muito reduzida (contam-se, por agora, apenas algumas dezenas de casos) o alarme disparou, quando o presidente israelita, Reuven Rivlin avisou, num discurso, que o Daesh já estava presente em Israel.

A outra ameaça é a extrema-direita judaica, que continua com uma actividade crescente na Cisjordânia e em Jerusalém. Os grupos de extrema-direita têm efectuado ataques às populações palestinianas e aos imigrantes africanos, que já causaram dezenas de mortos e centenas de feridos e que fazem aumentar a tensão na Cisjordânia e em Gaza. Como irá Argaman lidar com esta questão? Pela infiltração e consequente anulação das acções da extrema-direita (uma hipótese muito ao estilo de Argaman)? Através de acordos que garantam a presença dos colonatos, bastiões dos sionistas extremistas (correndo o risco de aumentar o tom das criticas da comunidade internacional e dificultando as relações de cooperação com a AP)? Ou a repressão pura e simples (o que levará os extremistas judaicos a um maior endurecimento da sua estrutura organizativa e á utilização da sua – muito pequena, mas que pode causar problemas internos organizativos - influência nos serviços de inteligência)?

Mas, paralelamente aos problemas de Argaman, ocorreu um drama fascinante e de grande intriga, iniciado em Jerusalém e desenrolado em Moscovo, Damasco, Beirute, Ancara, Teerão e Camberra. Os actores principais foram Israel, Rússia, Turquia, Irão e Austrália e os secundários a Síria e o Líbano. A raiz deste drama consiste no congelamento da reconciliação Israel/Turquia e no crescente contacto a nível de segurança entre Israel e a Rússia, no que respeita á Síria, ao Líbano e ao Hezbollah.

O começo desta intriga desenrola-se em trono de uma visita programada para 17 de Março, do presidente israelita á Austrália. Jerusalém e Camberra marcaram as datas e acertaram os pormenores da visita e o governo australiano estava interessado na visita do popular presidente israelita, até porque os laços entre os dois países são estreitos e de grande cooperação. O próprio primeiro-ministro australiano adiou uma viagem oficial, para poder receber o presidente israelita.

Tudo decorria normalmente quando, subitamente, o presidente Rivlin cancelou a visita, sob o pretexto de que o presidente Putin tinha marcado encontro para a mesma data, com o presidente israelita e que este encontro era demasiado importante para Israel. Rivlin teve que decidir entre russos e australianos e após um breve encontro com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (as relações entre os dois são pouco cordiais e atribuladas) a visita a Camberra foi adiada e priorizada a presença do presidente Rivlin no Kremlin. A visita a Moscovo e o encontro com Putin é um imperativo.

O governo israelita efectuou grandes esforços para conseguir este encontro com o presidente russo. Os israelitas querem discutir com Putin assuntos como o Irão, a Síria, o Hezbollah e o presidente sírio Assad al-Bashar, tendo como epicentro das questões os misseis S-300, que os russos prometeram vender aos iranianos mas que ainda não foram entregues a Teerão. Aparentemente os russos terão suspendido o fornecimento devido ao facto do Irão violar um acordo com o governo russo sobre fornecimento de armamento sofisticado russo ao Hezbollah. Os serviços secretos israelitas forneceram aos serviços russos informação que comprovava que Teerão teria transferido misseis SA-22, de fabrico russo, ao Hezbollah. A própria força aérea russa comprovou, na Síria, que misseis SA-22 foram detectados em bases do Hezbollah, no Líbano.

Simultaneamente, relatórios continuaram a ser enviados para Ancara, reforçando o interesse israelita na reconciliação com a Turquia. Só que, perante o silêncio de Ancara, o governo israelita mudou de direcção. A Rússia não vê com bons olhos a reaproximação entre israelitas e turcos, o que levou o ministro da Defesa de Israel, Moshe Yahalon (conhecido por Bogie) a suspender os relatórios para Ancara, enquanto Netanyahu baniu do discurso politico a reconciliação com a Turquia.

É certo que para o governo israelita existe um dilema. Por um lado o reatar dos laços com a Turquia representa uma mais-valia para Israel, atendendo às relações históricas entre os dois Estados num passado ainda recente. A Turquia representa, para Israel, uma valiosa aliança militar. Por outro lado Israel necessita da Rússia para obter garantias, não apenas na questão iraniana e no Hezbollah mas, também, no combate ao Daesh.

Israel parece ter optado por esta última posição. Putin é mais importante para Israel, no momento, do que Erdogan, cujo governo é visto por Israel como uma causa perdida. A aliança militar entre Israel e a Turquia não é renovada desde que o partido de Erdogan assumiu o Poder na Turquia e Israel não tem ilusões quanto a Erdogan. É claro para Netanyahu que Erdogan apenas deseja uma eventual reconciliação com Israel devido á sua situação de fraqueza provocada pelos desastres consecutivos a que o seu governo conduziu a Turquia, no plano externo e interno e devido ao gás natural israelita, factor que complica as coisas, pois que Israel quer vender gás á Turquia, concorrente com a Rússia, com quem disputa quotas no mercado internacional. Mas a Rússia tem demasiada influência na região e nos mercados mundiais. Alterou a realidade regional, transformou, na Síria, a situação de guerra, abriu perspectivas para a Paz no país, alterando as regras do jogo e relançou o papel de Assad, como parte da solução.

Putin ganhou o respeito de Israel, ao ponto de recentemente fontes militares israelitas assegurarem que “no dia em que os aviões russos sobrevoarem Telavive, não os abateremos”. Existem múltiplas razões para aumentar a coordenação e estreitar os laços de cooperação entre a Rússia e Israel e o governo israelita compreendeu a importância de reforçar esses laços. Israel trabalha afincadamente para conseguir uma boa relação com a Rússia, seja qual for o preço. Por sua vez os russos têm os seus próprios interesses e muitos deles passam por um estreitar de relações com Israel. O Hezbollah não constitui, para os russos, uma causa de fundo mas um aliado conjuntural, que poderá ser neutralizado a qualquer momento. Quanto ao Irão, é certo que as companhias russas estão interessadas no mercado que este país representa, mas têm também no Irão um forte concorrente no mercado petrolífero e do gás, concorrente que os russos estão a ter alguma dificuldade em chegar a um acordo (que conseguiram com a Arábia Saudita, por exemplo).

Os russos representam para Israel um valoroso aliado militar, político e económico. Israel representa para a Rússia um cenário vantajoso a vários níveis, principalmente no controlo sobre o Irão e sobre o Hezbollah (controlo essencial em termos do mercado petrolífero e num futuro acordo politico para a Síria). As vantagens são reciprocas e quando assim acontece os namoros são previsíveis…Se depois os namorados reforçam os seus laços através do casamento, isso é outra história….

Fontes 
Avni, B. Peace on hold as kidnapping of Israeli teens divides Palestinians http://www.newsweek.com
Broder, J. and Moore J. The murder of Yitzhak Rabin and the rise of the Blade Intifada http://www.newsweek.com
Caspit, B. Why Israel needs Putin more than it needs Erdogan http://www.al-monitor.com
Caspit, B. Why Rivlin's win is a defeat for Netanyahu http://www.al-monitor.com
Caspit, B. Russian missile deal sets off alarm bells in Israel http://www.al-monitor.com
Caspit, B. Russian, Israeli jets share Syrian skies ... for now http://www.al-monitor.com
Caspit, B. Israeli air force debates purchase of F-35 fighter planes http://www.al-monitor.com
Caspit, B. Israel fears return of Persian Empire http://www.al-monitor.com
May, C.D. Non sense about the al-Aqsa mosque is inspiring the knifers http://europe.newsweek.com
Moore, J. What Challenges face Israel`s new Shin Beit spy chief Nadav Argaman? http://europe.newsweek.com
Moore, J. Nine issues that will Shape the Middle East in 2016 http://europe.newsweek.com
Moore, J. Israel reinforces border amid fears Egyptian ISIS affiliate could siege Gaza http://europe.newsweek.com
Moore, J. ISIS is already here http://europe.newsweek.com
Moore, J. Mother of Palestinian baby murdered in Arson attack dies http://europe.newsweek.com
Moore, J. Father of slain Palestinian teen calls on Israel to demolish murderers homes  http://europe.newsweek.com
Nir, A. Why Israel needs Turkey now more than ever http://www.al-monitor.com
Rodgers, J. If you want to know what´s going on in Gaza, ask a reporter http://europe.newsweek.com
Jerusalem Post Russia to freeze missile delivery to Iran 2016/02/13
Jerusalem Post Yaalon throws cold water on talk of imminent Israel/Turkey reconciliation 2016/03/02

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