Paula
Ferreira – Jornal de Notícias, opinião
Na
noite de amanhã, há festa na Baixa de Viana do Castelo. A população foi
convidada a sair à rua. Deve levar champanhe e bolo-rei. E ninguém está
equivocado, não é um réveillon fora de tempo. Nem sequer se pretende festejar a
tomada de posse do novo presidente da República. O pretexto para a comemoração
é outro: a despedida de Aníbal Cavaco Silva.
O
homem que esteve presente na vida de muitos portugueses, uma boa parte ainda
estudantes até à idade adulta, sai da vida política e parece não deixar
saudades. Nem mesmo entre os da sua família partidária. Cavaco Silva
atravessou, na política, as últimas quatro décadas de Portugal. E dividiu o
país. Abandona Belém sem glória
Eleito
sempre por largas maiorias, ficará na História, ao contrário do que os mais
críticos tentam adivinhar. Foi primeiro-ministro no auge da chegada dos fundos
comunitários a Portugal. E não conseguiu, com o ímpeto reformista que lhe era
atribuído, mudar Portugal de forma estrutural.
Fez
aquilo que depois criticou nos outros. Construiu, construiu, construiu... e no
país nada ficou alicerçado capaz de mudar, de facto, as coisas. Os muitos
milhões esfumaram-se, sem ficar raiz, e Portugal ficaria quase na mesma. Como
no tempo dos Descobrimentos, "ao cheiro dessa canela", o país se
despovoou. Voltaria às velhas rotas da emigração.
Injusto.
Sim. Portugal mudou muito. Mas mudou no sentido daquilo que Cavaco e o Governo
de Passos Coelho, por si apoiado quase sem disfarce, tanto criticaram. Todos
nós, os que se formaram na vida adulta "tutelados" por Cavaco, nos
lembramos: foi ele o primeiro-ministro do crédito fácil, foi dele o tempo em
que era quase absurdo não comprar, em cada esquina alguém nos oferecia um
crédito irrecusável. Foi ele, o primeiro-ministro Cavaco, que mandou abater os
nossos barcos e fala agora do oceano como se da terra prometida se tratasse. No
seu tempo de chefe do Governo, subsidiava-se a destruição dos olivais, da
vinha, a "triste e fatal agricultura" de outros tempos sofria um rude
golpe. Os campos ficaram mais abandonados, a desertificação cresceu veloz. Hoje
dão palmadinhas nas costas dos jovens agricultores.
O
Cavaco presidente foi outro. O homem que nunca se enganava, o homem que
detestava enfrentar a contestação das ruas, como se a discordância fosse algo
impuro num regime democrático. Aníbal Cavaco Silva despede-se, diz ter feito
tudo em prol do interesse nacional. Não devemos duvidar das suas palavras. A
nação de Cavaco é, contudo, uma nação antiga. A nação dos pobres, mas sérios.
Na
noite de amanhã, há festa em Viana do Castelo - e noutros pontos do país, com
certeza.
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