Miguel
Guedes – Jornal de Notícias, opinião
A
dinâmica dos aplausos é o mais relevante facto político parlamentar do novo
presidente. A força, a intensidade e a posição das mãos. A firmeza do olhar e a
posição das costas. Sacrilégio. Sem palmarem repetidamente as próprias mãos
após o redondo mas apelativo discurso de tomada de posse de Marcelo, grande
parte do interesse jornalístico olhava para a parte mais à esquerda da Esquerda
parlamentar como gente ingrata ou sem educação. Gente incapaz de bater uma
palma mas talhada de berço para furar o unanimismo. Gente cruel e sem sentido
de Estado, no dia em que o estado de graça se apresentou como ser vivo, eleito
e mandante. O cartaz-que-não-foi-cartaz de Jesus Cristo inverteu a
descendência: sendo uma espécie de pai de todos, a Marcelo parece terem faltado
dois filhos, BE e PCP.
A
circunstância poderia fazer amolecer todo e qualquer deputado. Olhando
friamente para quadro e moldura, era Cavaco que rendia a guarda e - isso sim -
convocava belos motivos para aplauso. E na prática, dizem alguns despeitados
pela afronta, se nem agora BE e PCP aplaudem Marcelo é porque provavelmente
nunca mais o irão aplaudir. Se presumivelmente fazem bingo na análise e na
projecção de futuro, por que pretendem uma outra justificação ou razão para a
ausência de aplausos? Não está na cara, está no silêncio.
A
taxa de esforço mais mundana é um indicador que traduz o peso dos empréstimos
nos rendimentos do agregado familiar. No plano do exercício do aplauso
parlamentar, acredito que a taxa de esforço tinha sido bem maior e mais pesada
no PSD e CDS-PP. Imagino o que passará pela cabeça da Direita republicana no
momento em que tem que conviver com um presidente-rei que apoiou e ajudou a
eleger. Com alguém que não tentará intervir sem estar seguro de que o índice de
popularidade não se acanha, alguém que elevará a dramaturgia ao nível da
performance individual. Um presidente em que António Costa poderá ter votado.
Um presidente que não aparenta ressentimentos ideológicos com parte dos
portugueses em razão do mundo que "afectivamente" partilha. A nova
"narrativa" é agora a dos "afectos", até à canonização.
Podem
ter que nascer pessoas duas vezes (como sugeria Cavaco) ou assistirmos à
sucessão de várias legislaturas sem que Marcelo enfrente uma ruptura de frente.
Como um vice-rei, designado por alguma monarquia como governador de uma
província ou território ultramarino, não será o novo monarca da República a
provocar ou acentuar uma crise política. O preço de mercado seria extremamente
elevado. Marcelo aspirará à unanimidade caso os poderes de Bruxelas não
entendam dinamitar a Europa e, com ela, o poder em Portugal. Seja a Esquerda
capaz de manter consigo o seu vice-rei.
O
autor escreve segundo a antiga ortografia
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