quarta-feira, 9 de março de 2016

Portugal. UM DOS HOMENS DO PÂNTANO



Miguel Guedes - Jornal de Notícias, opinião

Hoje é o primeiro dia português sem Cavaco Silva. Começa a contar. Se o ex-presidente da República (PR) se abstiver da sua pose de ex-estadista e resolver gozar a sua modesta reforma de cerca de 12 mil euros/mês do Fundo de Pensões do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Aposentações (que não chegam para pagar as suas despesas, segundo a execução orçamental do também ex-ministro das Finanças), desapareceu hoje e para longe da vista o mais visível ícone da revanchista menoridade política do pós-25 de Abril. Cavaco encerrou, ontem, um ciclo de 30 anos em que representou o seu papel no limite da perfeição, parte activa no descrédito crescente dos portugueses pela classe política.

Enquanto Dias Loureiro e Isaltino Morais procurarem novos negócios em Timor, recordaremos sempre Cavaco e "sus muchachos". Será recordado. Enquanto Passos Coelho considerar que não vê problemas éticos na contratação de Maria Luís Albuquerque pela "Arrow Global"; enquanto Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, se sentir frustrado como "um polícia que chega atrasado ao local do homicídio", esquecendo-se de acrescentar que sempre esteve a ver o homicida e a vítima; enquanto o comissário europeu Moscovici sentenciar o Orçamento do Estado português e caso o PS se sinta posteriormente empurrado para a formação de um novo Bloco Central; enquanto e no entretanto... lembraremos sempre Cavaco.

Cavaco Silva sempre foi um convite à abstenção. Convicto de que nos deixou a melhor imagem de si, deixa-nos com o menor índice de popularidade de que há memória. Recordará o contexto como uma ingratidão. Depois de elogiar os "cofres cheios" celebrados por Maria Luís (especialista em falências desde o primeiro dia em que a vimos), Cavaco Silva poderá usar o "pin" que o define na reforma e na lapela: uma bandeira de Portugal, em miniatura e diminuído, com o rosto de Sousa Lara, o monárquico-laranja sub-secretário da Cultura no tempo do também ex-primeiro-ministro, esse mesmo, o homem que José Saramago por três vezes acusou de censor e que Cavaco resolveu condecorar in extremis antes de cessar funções enquanto PR. As derradeiras prioridades revelam os maiores desejos por cumprir e salientam a marca de água do homem da rodagem de automóveis pré-congresso.

Indiscutivelmente, o seu maior legado é aquele que subsiste para a Direita sob o nome de "geringonça": o acordo da Esquerda que tudo fez por evitar, sem pejo em declarar como proscritos a parte dos portugueses que considera como menores em opinião e direitos, no pior discurso de um presidente em democracia. Foi Cavaco que acabou por lhes dar posse. Os sapos não se engolem só à custa de Mário Soares em meados da década de 80. Nós convivemos com muitos. Ontem foi o último dia na companhia de um dos homens do pântano.

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