Entrevista
a Isaías Samakuva, presidente da UNITA, que está de visita a Portugal.
Como
é que a UNITA interpreta o anúncio feito pelo presidente Eduardo dos Santos de
que deixará o poder em 2018, após as eleições gerais de 2017?
Tenho
evitado fazer comentários sobre o anúncio do presidente da República porque, em
primeiro lugar, é apenas o anúncio de uma intenção que já foi manifestada no
passado, sem se materializar. Segundo aspeto, considero que, obviamente, pode
fazer os anúncios que entender e que afetam a vida política, o partido que
dirige e todos os angolanos. Terceiro aspeto, depois de todos estes anos no
poder, diria que é altura de se retirar. Se o anúncio correspondeu à verdade
das intenções ou foi apenas uma forma de aliviar a pressão que se exerce sobre
a sua pessoa, teremos de esperar para ver.
Mas
estabeleceu uma clara baliza temporal?
Se
há eleições gerais em 2017 e o senhor presidente diz que vai sair em 2018, há
aqui alguma coisa que não joga bem. A altura lógica seria no momento das
eleições. E, mais significativo, é que na reunião do comité central do MPLA em
que foi anunciada a decisão de se retirar o comunicado final deste órgão refere
que Eduardo dos Santos é o seu candidato para as eleições e para a liderança do
partido.
Isso
significaria, digamos, a possibilidade de reeleição de Eduardo dos Santos, que
abandonaria posteriormente a presidência?
Tudo
é especulação neste ponto. O mais prudente será esperar para ver.
A
UNITA partilha a interpretação de que Angola está em crise?
A
situação em Angola é uma situação de crise, admitida pelo próprio governo, que
é visível e sentida pelo cidadão comum. E a UNITA pensa, e tem-no dito, que a
crise foi originada pelas más políticas do governo, de um lado e de outro, pela
corrupção, má gestão, nepotismo e mesmo pela incompetência e insensibilidade do
governo pelo sofrimento do povo. Achamos que, ao contrário do que o governo
diz, esta crise podia ter sido evitada, uma vez que tivemos largos anos de
conjuntura favorável para Angola em termos internacionais, com a acumulação de
reservas de divisas (era o que nos diziam) e, por conseguinte, deveríamos estar
em condições de suportar três, quatro anos com aquelas reservas.
A
crise está a afetar toda a sociedade angolana?
De
facto, a crise não é só financeira. A crise é económica, social, política e, no
fundo, é a crise de tudo: de valores, de princípios...
É
uma crise da sociedade angolana?
Não
diria da sociedade. Em Angola, há aqueles que ainda mantêm os valores, os
princípios, que são justos e cujo contributo será útil para conseguir inverter
esta crise.
Perante
este quadro, acredita na maior possibilidade de vitória eleitoral?
Essa
alteração é desejável e acredito que os angolanos, conduzidos pela UNITA,
estarão a preparar-se para produzir essa alteração de que o país precisa, para
o bem de todos. Não vejo que possa haver melhorias da situação em Angola com a
equipa que dirige agora o país.
A
UNITA tem acusado, em sucessivos atos eleitorais, as autoridades angolanas de
fraudes que teriam condicionado os resultados. Isso não poderá suceder em 2017?
Pensamos
que o regime do MPLA, perante a situação que se vive, não terá outra solução
que não seja a de recorrer aos recursos que utilizou no passado. Agora, talvez
de forma mais sofisticada, mas também nós, sabendo que é isso que pode suceder,
devemos preparar-nos para evitar essa fraude e manipulação.
De
que forma?
Mobilizar
a opinião pública nacional e internacional para que não permitam a repetição
dessas situações. Até porque não há mais condições para os angolanos suportarem
nova fraude eleitoral. Os angolanos não vão aceitar mais uma fraude. É do
interesse de todos - angolanos e comunidade internacional - trabalhar-se em
conjunto para impedir novas fraudes.
Referiu
um quadro de crise geral. Para a UNITA existe o risco de uma explosão social no
país?
É
preciso ser claro nisto: se Angola não conheceu até aqui nenhuma explosão
social, é graças à atitude da UNITA. Temos assumido uma posição de
responsabilidade e que nos tem valido insultos, porque muitos acham que não
estamos a fazer o nosso trabalho, com manifestações constantes e outras formas
de contestação. Mas, perante o nervosismo e a atmosfera de revolta que existe,
uma atitude menos responsável podia levar a explosões sociais de consequências
imprevisíveis. O diálogo é sempre melhor. Infelizmente, quem dirige o país não
pensa assim, não dialoga. Perante isto, temos de pensar que há eleições daqui a
15 meses e que temos de nos preparar para mudar, mas dentro da legalidade,
daquilo que a Constituição prevê. Por isso, temos recusado apelos para
desencadear uma onda de manifestações...
Isso
seria contraproducente?
Sim.
Até porque aquilo que sucederia em Angola, respondendo àqueles que falam das
Primaveras Árabes, não seria primavera nenhuma, pelo conhecimento que temos dos
dirigentes, da atuação brutal da atual direção do país. O melhor caminho é a
alteração da situação através do voto popular.
Como
sucedeu com os ativistas?
O
que sucedeu nesse caso é prova de que o regime perdeu o norte. Num regime
verdadeiramente democrático não faz sentido prender jovens que queriam aumentar
os seus conhecimentos com a leitura de um livro, e até debater o conteúdo de um
livro que, para muitos, é polémico. Diria que, neste caso, houve um nervosismo
e, não queria dizer, até alguma irracionalidade do regime. Foi uma resposta
desproporcionada.
Para
a UNITA, é desejável e relevante que se mantenha uma presença portuguesa, na
economia e na cooperação, em Angola?
Não
ganhamos nada em fecharmo-nos nas nossas fronteiras. Portugal, apesar das
dificuldades que por vezes surgem no relacionamento bilateral, é um parceiro
incontornável. Até por razões culturais, competitivas e estratégicas.
Salientaria
algumas áreas?
Desde
as áreas do conhecimento à educação e à saúde, setores que têm sido desprezados
pelo poder, quando são, de facto, estratégicos para o desenvolvimento de um
país.
Abel
Coelho de Morais – Diário de Notícias – Foto: Leonardo Negrão / Global Imagens
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